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Capítulo 3 Sobre Áreas Protegidas

3.3 Áreas protegidas no mundo

3.3.1 A criação de uma nomenclatura padrão

Como se referiu anteriormente, após a criação do primeiro parque nacional nos EUA, o conceito de parque nacional disseminou-se em outros países. A conceção e interpretação de parque nacional variaram, todavia, de país para país.

A primeira tentativa para clarificar a terminologia usada foi feita em 1933, na conferência internacional, organizada pelo Reino Unido, sobre a proteção da fauna e da flora (Convention Relative to the Preservation of Fauna and Flora in their Natural State). A classificação daqui resultante incluía quatro categorias de áreas protegidas: parque nacional (national park); reserva natural integral (strict nature reserve); reserva de fauna e flora (fauna

and flora reserve); e reserva interdita a atividades de caça e recolha (reserve with prohibition for hunting and collecting) (Bishop et al., 2004; Phillips, 2004).

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Em 1940, os governos da América do Norte, da América Latina e das Caraíbas, assinam a Convenção sobre Proteção da Natureza e Preservação da Vida Selvagem no Hemisfério Ocidental65, na qual são clarificadas as noções de parque nacional (national park), reserva nacional (national reserve), monumento natural (nature monument), e reserva selvagem integral (strict wilderness reserve) (Brockman e Lindahl, 1962).

Em 1959, uma resolução (n.º 713) decorrente da 27.ª sessão do Conselho Económico e Social da ONU (ECOSOC) reconhece que os parques nacionais, e reservas equivalentes, são fatores importantes no uso sustentável dos recursos naturais (Chape et al., 2003). Em resposta, a então denominada Comissão sobre Parques Nacionais e Áreas Protegidas (atual WCPA) compila uma lista de parques nacionais e reservas equivalentes, que é apresentada ao primeiro Congresso Mundial sobre Parques, realizado em Seattle, nos EUA, em 1962 (Bishop et

al., 2004; Phillips, 2004).

Esta lista inicial contempla duas categorias, consoante o nível de proteção: reserva geral (que incluía reservas naturais integrais, reservas naturais com objetivos de gestão, e parques nacionais), e reserva natural com objetivos específicos (reservas com fins científicos, antropológicos, florestais, etc., monumentos naturais, reservas de caça, etc.), agregadas pela sua dimensão, e pela densidade populacional de guardas/agentes da natureza (Monod e Harroy, 1962).

Em consequência, nesse mesmo ano, a Assembleia Geral da ONU, na sua 16ª sessão, sob o tema Desenvolvimento Económico e Conservação da Natureza, adota uma resolução para a criação de uma lista de parques nacionais e reservas equivalentes, a United Nations List

of National Parks and Equivalent Reserves. Em 1966, a IUCN publica uma segunda versão da

lista e, para o efeito, estipula um sistema de classificação com três categorias: national parks (parques nacionais), scientific reserves (reservas científicas), e natural monuments (monumentos naturais) (Bishop et al., idem; Phillips, idem).

Em 1969, na 10.ª Assembleia Geral da IUCN, em Nova Deli, na Índia, como resultado da proliferação de áreas protegidas no mundo e das diferentes interpretações dadas pelos países à designação “parque nacional”, é aprovada uma resolução que o define como: «a relatively large area where one or several ecosystems are not materially altered by human exploitation and occupation, where plant and animal species, geomorphological sites and habitats are of special scientific, educative and recreative interest or which contains a natural landscape of great beauty and where the highest and competent authority of the country has taken steps to prevent or to eliminate as

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A Convenção, também conhecida por Convenção de Washington de 1940, entra em vigor em 1942, e é ratificada pelos países da União Pan-Americana: Bolívia, Cuba, Salvador, Nicarágua, Peru, República Dominicana, EUA, Venezuela e Equador. Os governos contratantes comprometiam-se, entre outros aspetos, a criar e manter áreas protegidas naturais.

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soon as possible exploitation and occupation in the whole area and to enforce effectively the respect of ecological, geomorphological and aesthetic features which have led: to its establishment and where visitors are allowed to enter, under special conditions, for inspirational, educative cultural and recreative purposes» (IUCN, 1970: 156)66.

Em 1972, no segundo Congresso Mundial sobre Parques, realizado nos parques nacionais de Grand Teton e Yellowstone, nos EUA, por ocasião do centenário de criação da primeira área protegida do mundo moderno, Raymond Dasmann, ecologista sénior da IUCN, propõe uma classificação de áreas protegidas. Essa classificação é publicada, pela IUCN, em 1973; nela, Dasmann sugere seis grandes categorias de áreas protegidas: áreas protegidas antropológicas (protected anthropological areas); áreas protegidas históricas ou arqueológicas (protected historical or archaeological areas); áreas protegidas naturais (protected natural

areas); áreas de múltiplo uso (multiple-use areas); parques nacionais (national parks); e áreas

protegidas relacionadas (related protected areas) (1973).

Do congresso resultam ainda vinte recomendações, das quais a 10.ª, sobre a criação de uma nomenclatura e critérios padrão para a classificação de áreas protegidas, recomenda que a IUCN tenha em consideração a terminologia existente em acordos internacionais, e que, em colaboração próxima com os vários governos, este organismo defina objetivos para a criação de áreas protegidas, e desenvolva critérios, e uma nomenclatura-padrão, para a classificação de áreas protegidas (Elliott, 1974).

Assim, em 1975, a então Comissão sobre Parques Nacionais e Áreas Protegidas (CNPPA), desenvolve um sistema de categorias de áreas protegidas. Estas são publicadas em 1978, totalizando dez categorias, diferenciadas primordialmente pelos seus objetivos de gestão (com exceção das categorias do grupo C) (Tabela 4).

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A assembleia recomendava os países a não classificar como parques nacionais, áreas que não correspondessem a esta definição.

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Tabela 4 – Sistema de Categorias de Áreas Protegidas da IUCN de 1978

Grupo A: Categorias de responsabilidade da CNPPA

I - Reserva Científica/Reserva Natural Integral II - Parque Nacional

III - Monumento Natural/Elemento Natural destacado IV - Reserva para a Conservação da Natureza V - Paisagem Protegida

Grupo B: Outras categorias de importância para a IUCN, mas que não são de âmbito exclusivo da CNPPA

VI - Reserva de Recursos Naturais VII - Reserva Antropológica

VIII - Área Gerida para Fins de Utilização Múltipla

Grupo C: Categorias que resultam de acordos internacionais

IX - Reserva da Biosfera

X - Sítio Natural Património Mundial

Fonte: Bishop et al., 2004; IUCN, 1994; Phillips 2004 (tradução própria).

Apesar de ter sido considerado um grande avanço, o sistema de 1978 apresentava algumas limitações (Bishop et al., 2004), nomeadamente, a não definição do conceito de “áreas protegidas”, pelo que o âmbito do uso dos territórios abrangidos não era claro; a existência de duas categorias de classificação internacionais, passível de originar confusões na classificação, e delimitação, de áreas protegidas a nível nacional, uma vez que algumas áreas protegidas já estavam classificadas ao abrigo de acordos e convenções internacionais; o facto de a distinção entre as várias categorias nem sempre ser percetível; e ainda o de a categorização ser essencialmente terrestre nos seus conceitos e linguagem, pelo que não refletia a realidade das áreas protegidas marinhas.

No terceiro Congresso Mundial de Parques, realizado em 1982, em Bali, na Indonésia, é definido um plano de ação (Plano de Ação de Bali) que contemplava dez objetivos. O objetivo 1, “estabelecer até 1992 uma rede mundial de parques nacionais e áreas protegidas que cubram todas as regiões ecológicas terrestres”, pressupunha o desenvolvimento de um sistema de classificação de áreas protegidas biogeográfico detalhado, para avaliar a cobertura de áreas protegidas, a nível nacional e regional; o objetivo 2, “incorporar áreas protegidas marinhas na rede mundial”, pressupunha a criação de um sistema de classificação de categorias para as áreas protegidas marinhas (IUCN, 1987).

Assim, em 1984, é criado um grupo de trabalho, com o propósito de fazer uma revisão das categorias de 1978. Em 1990, o grupo apresenta um relatório, na 18.ª Assembleia Geral da IUCN, realizada em Perth, na Austrália, no qual propõe que as cinco primeiras categorias do

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sistema de 1978 sirvam de base para a construção de um novo sistema revisto e atualizado, propondo ainda o abandono das categorias VI a X (IUCN, 1994).

Este relatório é apresentado no quarto Congresso Mundial de Parques Nacionais e Áreas Protegidas67, realizado em 1992, em Caracas, na Venezuela. Do congresso resultam vinte e três recomendações, a 17.ª das quais recomenda que a IUCN e a CNPPA adotem um sistema de classificação de áreas protegidas, com seis categorias, de acordo com os objetivos de gestão (Mcneely, 1993).

Assim, em 1994, o sistema é alterado, com a definição de ”área protegida” como «an area of land and/or sea especially dedicated to the protection and maintenance of biological diversity, and of natural and associated cultural resources, and managed trough legal or effective means» (IUCN, 1994:7). Passa então a incorporar seis categorias de áreas protegidas, definidas, exclusivamente, pelos seus objetivos de gestão, e não pelo nome definido na sua fase de classificação (IUCN, 1994).

Tal como o relatório de 1990 recomendava, as categorias VI-X do sistema de 1978 são abandonadas, e é acrescentada uma nova categoria: VI – Área Protegida para a Gestão de Recursos.

Tabela 5 – Sistema de Categorias de Áreas Protegidas da IUCN de 1994 Categoria Ia – Reserva Natural Integral

Objetivo de gestão: AP gerida principalmente para a ciência

Categoria Ib – Reserva Natural

Objetivo gestão: AP gerida principalmente para a proteção da vida selvagem

Categoria II – Parque Nacional

Objetivo de gestão: AP gerida principalmente para a proteção dos ecossistemas e recreação

Categoria III – Monumento Natural

Objetivo de gestão: AP gerida principalmente para a conservação de características naturais específicas

Categoria IV – Área para a Gestão de Habitats ou Espécies

Objetivo de gestão: AP gerida principalmente para a conservação através de gestão interventiva

Categoria V – Paisagem Protegida Terrestre/Paisagem Protegida Marinha

Objetivo de gestão: AP gerida principalmente para a conservação da paisagem terrestre/marinha e recreação

Categoria VI – Área Protegida para a Gestão de Recursos

Objetivo de gestão: AP gerida principalmente para o uso sustentável dos ecossistemas naturais

Fonte: IUCN, 1994 (tradução própria).

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No seguimento de uma recomendação do congresso de Bali, para a criação de uma rede mundial de áreas protegidas, o nome do congresso passa a refletir essa tendência de expansão e diversificação da rede.

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Em cada uma das categorias, o nível de intervenção humana é variável, com maior ou menor latitude de interferência possível. A dimensão da área protegida não é importante na atribuição da categoria, embora a área protegida deva ser suficientemente grande para cumprir os seus objetivos de gestão a longo prazo: 75% terá de ser gerida de acordo com o seu objetivo de gestão primário; a responsabilidade de gestão pode ficar a cargo de agentes públicos, privados, locais etc., podendo a propriedade dos terrenos ser diversa (Bishop et al., 2004; Phillips, 2004). As classificações internacionais não são tidas em conta na atribuição da categoria, mas, em todas elas, a conservação da biodiversidade é um objetivo central de gestão (Bishop et al., 2004).

As áreas protegidas da Categoria I representam ambientes naturais pristinos: constituem as categorias mais restritas em termos de proteção e de intervenção humana, e só permitem recreação de baixa intensidade e passiva, isto é, não motorizada. As áreas protegidas da Categoria II são o modelo de parque nacional, mas não na interpretação ou definição europeia. Apesar de exibirem um certo grau de “naturalidade”, permitem, genericamente, níveis mais elevados de intervenção humana, por comparação com as áreas protegidas da Categoria I, especialmente no que concerne o turismo, e os equipamentos a ele associados. As Categorias III e IV designam um número mais limitado e específico de valores naturais, e permitem um grau de intervenção humana superior aos acomodados pelas Categorias I e II. As Categorias V e VI são menos restritivas em termos de conservação, e contemplam, especificamente, a interação entre o uso humano e os ambientes naturais (Lockwood, 2006a).

Tabela 6 – Objetivos de Gestão das Categorias de Áreas Protegidas da IUCN de 1994

Objetivos de Gestão IA IB II III IV V VI

Investigação científica 1 3 2 2 2 2 3

Proteção da vida selvagem 2 1 2 3 3 _ 2

Preservação das espécies e da diversidade genética 1 2 1 1 1 2 1

Manutenção de serviços ambientais 2 1 1 _ 1 2 1

Proteção de características naturais/culturais específicas _ _ 2 1 3 1 3

Turismo e Lazer _ 2 1 1 3 1 3

Educação _ _ 2 2 2 2 3

Uso sustentável dos recursos provenientes dos ecossistemas naturais

_ 3 3 _ 2 2 1

Manutenção de atributos culturais/tradicionais _ _ _ _ _ 1 2 Legenda: 1 Objetivo primário; 2 Objetivo secundário; 3 Objetivo potencialmente aplicável; - Não aplicável

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Entre outros aspetos, a criação de um sistema de categorização serve os propósitos de criar uma nomenclatura internacional padrão para efeito de recolha de dados, divulgação e comparação entre países e regiões, bem como de reduzir o equívoco que resultou da adoção de diferentes expressões e termos para descrever diferentes tipos de área protegida. Alguns autores referem que muitos países estão a usar o sistema como enquadramento da criação de legislação, acordos internacionais e políticas sobre áreas protegidas (Bishop et al.,2004; Chape, 2008).

Em 2008, o sistema de categorias de 1994 foi revisto, por forma a acomodar alterações, nomeadamente, ao nível dos processos de gestão e de governança das áreas protegidas, incluindo orientações mais detalhadas sobre cada uma das categorias individuais e da sua aplicação em determinados biomas ou zonas específicas. Nesse âmbito, a IUCN não só reformulou algumas das categorias, como estabeleceu uma nova definição de área protegida para «a clearly defined geographical space, recognized, dedicated and managed, through legal or other effective means, to achieve the long-term conservation of nature with associated ecosystem services and cultural values» (Dudley, 2008:8).

A IUCN entende que as novas categorias materializam a sua filosofia no que diz respeito às áreas protegidas, permitindo providenciar um enquadramento da combinação de diversas estratégias de proteção, e um sistema de gestão que exceda as áreas protegidas, por forma a, com essa amplificação de enfoque, promover uma abordagem coerente às políticas de conservação da natureza (Dudley, idem) (Tabela 7).

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Tabela 7 – Sistema de Categorias de Áreas Protegidas da IUCN de 2008 Categoria Ia – Reserva Natural Integral

Objetivo de gestão: conservação de ecossistemas, espécies (ocorrências ou agregações) e/ou características geológicas/geomorfológicas excecionais ao nível local, nacional ou mundial

Categoria IB – Área Selvagem

Objetivo de gestão: conservação a longo-prazo da integridade ecológica de áreas naturais pouco tocadas pela atividade humana, nas quais as forças e os processos naturais predominam

Categoria II – Parque Nacional

Objetivo de gestão: conservação da biodiversidade natural e da sua estrutura ecológica, apoio a processos ambientais e promoção da educação e recreação

Categoria III – Monumento ou Característica Natural

Objetivo de gestão: conservação de características naturais excecionais específicas, da sua biodiversidade e habitats

Categoria IV – Área para a Gestão de Habitats ou Espécies

Objetivo de gestão: conservação, manutenção e recuperação de espécies e habitats

Categoria V – Paisagem Protegida Terrestre/Paisagem Protegida Marinha

Objetivo de gestão: conservação e manutenção de paisagens terrestres/marinhas importantes e outros valores resultantes da interação humana através de práticas de gestão tradicionais

Categoria VI – Área Protegida para o Uso Sustentável dos Recursos Naturais

Objetivo de gestão: conservação dos ecossistemas naturais e uso sustentável dos recursos naturais, quando a conservação e uso sustentável podem ser mutuamente benéficos

Fonte: Dudley, 2008 (tradução própria).

Notas do autor: o termo parque nacional não está exclusivamente associado à categoria II. Áreas protegidas denominadas de

parque nacional existem em todas as categorias, independentemente da sua abordagem de gestão. O termo é usado porque

descreve o tipo de áreas protegidas da categoria II em muitos países. Na classificação de 1994, as áreas protegidas da categoria IV foram definidas como áreas que precisavam de intervenções de gestão regulares. A alteração foi feita para contemplar as pequenas reservas destinadas à conservação de habitats ou espécies individuais, que, de outra forma, não eram abrangidas pelo sistema de categorização de 1994.