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O Paradigma Territorialista e as teorias de desenvolvimento endógeno

Capítulo 1 Concetualizações teóricas em torno do conceito de Desenvolvimento

1.2 O Paradigma Territorialista e as teorias de desenvolvimento endógeno

O ponto de partida dos territorialistas é a crítica a uma perspetiva de desenvolvimento assente na maximização das oportunidades económicas, consideradas como sendo exteriores às estratégias dos atores, e aos fatores culturais associados dos diferentes meios. Nasce, essencialmente, da constatação da impotência dos processos orientados pela perspetiva funcionalista para inverter a marginalização dos espaços rurais do mundo desenvolvido e dos espaços do Terceiro Mundo (Pedroso, 1998). Neste sentido, e devido ao surgimento e

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ressurgimento de novas lógicas territoriais, o território ganha uma nova importância e surge como um recurso do desenvolvimento. Constituindo-se cerne das teorias de desenvolvimento endógeno, o espaço territorial substitui o espaço funcional (Moulaert e Sekia, 2003).

Referindo-se à importância que assume para um modelo alternativo de desenvolvimento, Friedmann (1996) afirma que o território coincide com o espaço de vida, e que a maioria das pessoas procura exercer um certo grau de controlo autónomo sobre esse espaço; que existe em diferentes escalas e, consequentemente, a cidadania expressa-se em comunidades territoriais diversas, de escalas diferentes; que é uma das mais importantes fontes das ligações humanas, pois cria uma comunidade, e liga o presente ao passado e ao futuro; e que alimenta uma ética de cuidados, e de preocupações, pelos concidadãos e pelo ambiente entre eles partilhados. Fá-lo, por oposição à lógica funcionalista, em que o território como fator de desenvolvimento tende a ser racionalizado exclusivamente em termos de distâncias e de custos de transporte. Ou seja, o modelo funcionalista tende a assentar na otimização da localização das atividades económicas.

Greffe (1989) afirma que o território deixa de ser, na lógica territorialista, um espaço maleável e indiferenciado, para se tornar um conjunto de “placas” heterogéneas, especificadas pela presença, ou ausência, de fatores que contribuirão para o desenvolvimento. Esta abordagem “tectónica” permite estabelecer uma ponte entre o conceito de território e o conceito de espaço social (Pedroso, 1998).

O espaço deixa de ser visto como uma dimensão da atividade económica – lugar de atividades económicas e de circulação de fluxos – e passa a ser visto como espaço social, onde os recursos são mobilizados pelos diferentes atores sociais, de forma a reforçar a sua autonomia na resposta aos diferentes problemas sociais que os afetam. O espaço emerge como mediação indispensável, a partir da qual se formam situações específicas, e se exprimem, de formas diferentes, as relações sociais, mediação essa essencial e através da qual se estabelecem relações concretas entre os agentes sociais (Guerra, 1987). Nesta perspetiva, o território configura-se como espaço socialmente produzido segundo lógicas e objetivos nem sempre harmoniosos e consensuais, que espelham conflitos de interesse e relações de poder. Noutros termos, o espaço espelha a existência de relações de poder e de relações sociais, espacial e temporalmente marcadas.

De acordo com Lopes (1987), além de definição social, o espaço tem igualmente uma definição geográfica. Segundo este autor, a determinante espacial no desenvolvimento económico é tão fundamental como o tempo, na medida em que nada existe que se não

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localize, concreta e precisamente, no tempo e no espaço7. Além de que «as localizações, que

acontecem no espaço, condicionam o desenvolvimento e este é condicionado pelas localizações, isto é, pelas caraterísticas espaciais» (Lopes, 1987: 4).

Para os territorialistas está também em causa uma noção de região que não é apenas uma partição, tecnicamente justificada, de um território nacional, mas uma unidade de sentido definida pela existência de laços de pertença. Dela deriva uma análise regional assente em regiões socioculturais, que constitui outro facto fundamental na rutura com a perspetiva economicista da promoção de desenvolvimento regional (Pedroso, 1998). No entanto, os conceitos de espaço e região devem ser entendidos de forma distinta: «o espaço pode definir-se a partir de um conjunto de dados económicos localizados podendo as localizações ser dispersas, porque o que dá unidade ao espaço são as suas características e a natureza das relações de interdependência. A região tem de ser definida de forma mais restrita, não resultando as restrições de factores associados à dimensão mas a razões de contiguidade: os elementos que a compõem têm de localizar-se necessariamente de forma contígua» (Lopes, 1987: 29).

Apesar de o território ser o elemento chave e unificador da perspetiva territorialista, Pedroso (1998) assinala a existência de três correntes distintas: o territorialismo alternativo, o territorialismo interpretativo, e o territorialismo como método de promoção do desenvolvimento8.

Segundo o autor, os teóricos que se inscrevem na corrente do territorialismo alternativo concebem o desenvolvimento no quadro de uma alternativa de sociedade, tendo por referência as regiões desfavorecidas e marginalizadas9, caraterizadas por fenómenos de «desintegração regional» (Stöhr,1981).

O territorialismo alternativo consubstancia-se numa proposta radical de constituição de alternativas de sociedade, fundada na satisfação das necessidades básicas, tendo como estratégia o reforço da autarcia política e do autocentramento económico (Pedroso, 1998). Noutros termos, esta corrente carateriza-se pelo pressuposto de que, para promover desenvolvimento e, em particular, a satisfação das necessidades básicas de uma determinada população, é fundamental a mobilização dos recursos endógenos pelas comunidades locais. Ou seja, o desenvolvimento passa pela integração de todos os recursos disponíveis numa dada comunidade, associada, por um lado, a uma forte mobilização da população e, por outro lado, a estruturas sociais e políticas organizadas (formal ou informalmente) numa base territorial de

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Para o autor, para além da definição social e geográfica, o espaço tem igualmente definição histórica e económica.

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Com base na análise das propostas de diferentes autores teóricos do paradigma territorialista, Pedroso sustenta a tese de que há divergências de posicionamento entre eles.

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Alguns dos autores que Pedroso (1998) associa a esta corrente fundamentam as suas teorias tendo por base a realidade dos países ditos em desenvolvimento ou do Terceiro Mundo (Hansen, 1981; Stöhr, 1981), ou mais especificamente da América Latina (Friedmann, 1996).

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«baixo para cima» (Stöhr, 1981): «The guiding principle is that development of territorial units should be primarily based on full mobilization of their natural, human and institutional resources» (Stöhr, 1981: 64).

Um critério de referência importante é o facto de que a satisfação das necessidades básicas dos indivíduos deve ser tanto quantitativa quanto qualitativa. Pelo que se não devem considerar apenas como fatores de desenvolvimento os aspetos económicos, uma vez que nem sempre se traduzem em melhorias nos padrões de qualidade de vida das populações, mas, para além destes, deverão igualmente considerar-se os fatores sociais, culturais e ambientais.

Um dos princípios fundamentais desta abordagem é o da cidadania, que remete para o conceito de democracia participativa. Se a motivação endógena em torno de determinados projetos é importante, ela só poderá ocorrer quando exista uma consciencialização, por parte das populações, dos problemas que as afetam e das condições que permitem a sua resolução. Neste contexto, a comunidade local deve dotar-se de autonomia, deve ter a capacidade de tornar as contribuições do exterior fatores de desenvolvimento, na base de dinâmicas próprias que aumentem a sua participação. Isto não significa que a comunidade se concentre em si mesma, na medida em que são essas relações com o exterior que criam oportunidades de desenvolvimento. A este aspeto está subjacente a ideia de que a satisfação das necessidades básicas deve ser desencadeada e coordenada a partir de “baixo/dentro”. Ou seja, é um processo que se inicia quer por baixo, quer pelo interior de formações sociais territorialmente específicas, como a aldeia ou a vizinhança (Friedmann, 1996).

A participação das comunidades locais em projetos de desenvolvimento, e outras ações suscetíveis de produzir mudanças significativas nas condições de vida das populações, resultam, em certa medida, da noção de democracia participativa, que pressupõe um maior envolvimento dos cidadãos nos processos de mudança social direta. O conceito de democracia participativa parte da ideia de que os cidadãos devem participar de forma democrática nas decisões que lhes dizem respeito, para exprimirem as suas necessidades, as suas aspirações (e também o seu desagrado) (Friedmann, idem). Segundo Friedmann (1996), a abordagem do

empowerment10, de uma assunção de um poder político próprio, fundamental para um desenvolvimento alternativo, coloca a ênfase na autonomia das comunidades territorialmente organizadas, nos processos de tomada de decisão, na autodependência local (mas não na autarcia), na democracia direta (participativa), e na aprendizagem social pela experiência.

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«Entende-se por empowerment todo o acréscimo de poder que, induzido ou conquistado, permite aos indivíduos ou unidades familiares aumentarem a eficácia do seu exercício de cidadania» (nota de tradução in Friedmann, 1996: viii).

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Noutros termos, o seu objetivo a longo prazo é reequilibrar a estrutura de poder na sociedade, tornando a ação do Estado mais sujeita à prestação de contas, e aumentando os poderes da sociedade civil na gestão das questões que lhes diz respeito.

O territorialismo interpretativo surge, nos anos 70, como explicação dos dinamismos regionais europeus em zonas não metropolitanas. Baseia-se numa leitura que acentua a análise dos sistemas produtivos, e verifica que os dinamismos económicos se associam a pré- condições socioculturais, que constituem perfis de especialização setorial intensa no contexto de regiões extrovertidas (Pedroso, 1998). No entanto, tal como Pedroso (idem) refere, a interpretação dos dinamismos acerca dos fatores de desenvolvimento em regiões consideradas de sucesso, apesar de fornecer contributos não negligenciáveis para uma reflexão em torno da promoção do desenvolvimento regional, em pouco contribui para a problemática do desenvolvimento em regiões rurais marginalizadas e deprimidas.

Ao contrário do territorialismo alternativo, cujo objeto de análise são as regiões desprovidas de recursos, o territorialismo interpretativo carateriza-se por dirigir a análise para espaços dotados de um certo grau de sucesso. Ou seja, esta corrente centra-se no estudo das condições de sucesso de algumas regiões europeias que passaram pelo processo de difusão espacial do desenvolvimento, sem que nelas se gerasse desintegração, e sem que se tivessem tornado regiões centrais.

A abordagem incide nos sistemas produtivos locais especializados, no sentido de encontrar vantagens comparativas locais no intuito de redirecionar a sua inserção num mercado extra-local. A tónica é posta nas pequenas e médias empresas (PME) como uma solução para a crise, isto é, como o meio mais adequado para alcançar o desenvolvimento. Esta conceção partilha com a anterior a ideia de desenvolvimento «a partir de baixo», na medida em que a criação de novas pequenas empresas se deverá fazer na base. Segundo Pecqueur, as insuficiências de explicação das abordagens tradicionais derivam essencialmente das constatações empíricas de transformação territorial (desmetropolização, emergência de PME, etc.), dando lugar a modelos de desenvolvimento centrados nos territórios e não em espaços indiferenciados, modelos que resultam de uma combinação de uma lógica funcional que se impõe aos atores, e de uma lógica territorial que inicia as estratégias dos atores (Pecqueur, 1987 in Pedroso, 1998).

O territorialismo como método de promoção do desenvolvimento, também com génese no mundo “desenvolvido”, diferencia-se do territorialismo interpretativo por surgir, essencialmente, como quadro orientador de intervenções voluntaristas, e diverge do territorialismo alternativo por se afirmar não a partir da produção de alternativas de sociedade, mas do reforço de mecanismos de parceria central-regional-local, ou regional-

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regional. O diálogo institucional torna-se, então, estruturante de um método de intervenção que pretende orientar-se para as necessidades coletivas locais e ser participado, mas que não procura a produção de níveis políticos de integração, nem pretende o autocentramento económico (Pedroso, 1998).

A ideia do territorialismo como método surge da crítica de Greffe (1989) às perspetivas alternativa e interpretativa, nomeadamente:

 O facto de o territorialismo alternativo não dar conta das disparidades entre meios rurais e meios urbanos, e de assumir que o modelo de desenvolvimento pode subsistir à margem da divisão internacional do trabalho;

 O facto de o territorialismo interpretativo insinuar a ideia da pequena empresa como um novo impulso do desenvolvimento. Esta revela-se uma falsa questão para o autor, por considerar que o dinamismo das pequenas empresas sempre existiu. As verdadeiras questões são as de saber 1) se as pequenas empresas são mais numerosas do que no passado, 2) se é mais fácil para os pequenos empresários a “quase- integração vertical”, e, 3) qual a real importância dos fluxos de criação de emprego das pequenas empresas.

O autor identifica, no entanto, alguns contributos positivos nas duas correntes:

 Na abordagem alternativa, quer o seu papel na denúncia das insuficiências das políticas industriais e de ordenamento do território, baseadas na promoção de grandes unidades, apostando na criação de novos polos em zonas não beneficiárias de criação espontânea dos tradicionais polos de crescimento; quer o facto de ter demonstrado que a mobilização de forças, e a sua coordenação por meio de projetos coletivos, são condição sine qua non de desenvolvimento em períodos de reestruturação;

 Na abordagem interpretativa, o recentrar o debate na importância estratégica das atividades produtivas e das transformações tecnológicas, explicitando os seus efeitos sobre os territórios.

Neste contexto, Greffe (1989) enfatiza a importância das iniciativas locais de desenvolvimento como estratégia de promoção dos recursos estratégicos (diferentes, consoante a configuração espacial) de um determinado território, em que os objetivos são: analisar os problemas locais; coordenar os diferentes parceiros; inserir grupos potencialmente

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excluídos; e prestar serviços locais, incluindo o suscitar da procura. Objetivos estes que deverão ser promovidos por diferentes entidades.

No fundo, para a corrente do territorialismo como método, o território é visto como um espaço que acolhe duas lógicas distintas mas complementares (o global e o local), onde há uma valorização dos agentes de desenvolvimento local, mas também de instituições regionais, centrais e, muitas vezes, da própria comunidade, bem como o estabelecimento de parcerias entre atores públicos e privados. Noutros termos, a proposta do territorialismo como método ultrapassa a questão dos atores legítimos do desenvolvimento, na medida em que a promoção do desenvolvimento é pensada como uma atividade que deve emergir da mobilização dos atores relevantes, independentemente da sua origem, em processos que sejam orientados pelos/para os atores locais (Pedroso, 1998). Um dos interlocutores privilegiados tem sido o poder local, mas a emergência de diversas associações/agências de/para o desenvolvimento local, tem-se igualmente revelado importante para estes processos.

Esta perspetiva pretende a articulação entre as dimensões económica, social, cultural e ambiental, posto uma intervenção de sucesso ser uma intervenção que integre todas as dimensões da vida social.