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Outros Desenvolvimentos: o global, o local e a sustentabilidade

Capítulo 1 Concetualizações teóricas em torno do conceito de Desenvolvimento

1.3 Outros Desenvolvimentos: o global, o local e a sustentabilidade

No início dos anos 80, a crise económica que afeta grande parte das regiões industrializadas do mundo e da Europa, reflete o fracasso dos modelos de desenvolvimento de tipo funcionalista na promoção de emprego, que, outrora, haviam sido sinónimo de crescimento económico. Observa-se, progressivamente, o desaparecimento das principais fontes de emprego, e o surgimento de formas de empregabilidade precárias e desqualificadas, consequência dos processos de reestruturação económica em grande escala11. Igualmente, o enorme crescimento do débito dos países do “Terceiro Mundo” marca a passagem do discurso do desenvolvimento para o discurso da globalização (Moreira, 2001). Assiste-se a uma aceleração deste último fenómeno12, entendido como processo social que traduz uma diminuição dos constrangimentos geográficos sobre os processos sociais e culturais, e em que os indivíduos se consciencializam cada vez mais dessa diminuição (Waters, 1999). A globalização pode ser definida como a intensificação de relações sociais de escala mundial, relações que ligam localidades distantes de tal forma que as ocorrências locais são moldadas

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Os processos de reestruturação económica surgem como uma tentativa de superar a crise económica dos anos 70 e assentam em medidas como a redução dos custos de produção e das condições sociais de trabalho, o aumento da produtividade e lucro das empresas através da redução do tempo de trabalho, etc..

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Waters (1999) defende que sempre houve globalização, dando-se, contudo, o seu aceleramento com a modernização.

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por acontecimentos que se dão a muitos quilómetros de distância, e vice-versa. Este processo é dialético, porque essas ocorrências locais podem ir numa direção oposta à das relações muito remotas que as moldaram. A transformação local faz parte da globalização, tal como a extensão lateral das ligações sociais através do espaço e do tempo (Giddens, 1996). Institui-se, assim, uma dialética entre o local e o global (denotada pelo neologismo “glocal” in Amaro, 1992), que implica uma redefinição dos espaços bem como a desterritorialização da vida cultural e social. Ou seja, parte-se doravante do pressuposto de uma sociedade sem fronteiras e sem limites espaciais.

É neste contexto de globalização, tido em conta o fracasso das estratégias de desenvolvimento «a partir de cima», que surge uma série de iniciativas locais de desenvolvimento espontâneas. Embora tais iniciativas possam considerar-se positivas, torna- se evidente que é impossível travar o declínio económico unicamente com pequenos projetos locais. O conceito de desenvolvimento económico local alarga-se, então, de forma a abarcar todas as iniciativas de uma região, com o objetivo de estimular a atividade económica, através de organismos públicos ou de empresas privadas ou de ambos em conjunto: «An acceleration of local initiatives has been triggered by the growing inability of the state to deal with local unemployment and restructuring problems via the traditional centrally initiated localized development policies (…). They have been further supported by the increasing confidence spread by a number of successful local development and restructuring efforts and by the growing awareness of the need to mobilize additional local resources to solve these problems» (Stöhr, 1990: 45). Noutros termos, as alterações quer ao nível da estrutura do espaço económico, quer ao nível da organização das unidades de produção, evidenciam a importância das relações humanas nas novas estruturas económicas, nas quais o desenvolvimento local representa um novo olhar sobre o dinamismo dos fluxos económicos (Pecqueur, 1989).

A ideia parece ser que, se, por um lado, problemas estruturais (como o desemprego, a pobreza etc.) se tornam cada vez mais globais, por outro lado, é ao nível local (através de iniciativas locais) que se poderão criar e desenvolver soluções de forma concertada. Por outras palavras, no conceito de globalização está implícita a ideia de que é possível, à escala global, encontrar soluções para os problemas que afetam as sociedades modernas, a partir da capacidade de iniciativa e de organização das comunidades locais (Henriques, 1990b). Trata-se de «pensar globalmente e agir localmente» (Amaro 1990, 1992).

Subjacente a esta conceção, estão as teorias de desenvolvimento endógeno que surgem, nos anos 70, como crítica às teorias de inspiração neoclássica e keynesiana, indicativas de como estratégias de desenvolvimento devem ser promovidas internamente, isto é, devem partir dos territórios (regionais ou locais) e ter por base as especificidades dos mesmos.

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Mais recentemente, uma boa parte do debate sobre desenvolvimento local e políticas de desenvolvimento local tem passado pela análise de alguns territórios exemplares, dos distritos industriais (industrial districts), de inspiração marshalliana e desenvolvimento italiano, aos ambientes de inovação (milieux innovateurs) de inspiração francófona, ou às regiões de aprendizagem (learning regions) de matriz anglo-saxónica: fazendo ressaltar a interação, num pequeno território, de muitas empresas ligadas a um único setor produtivo (os distritos industriais), ou a importância do desenvolvimento de um sistema social de produção e difusão de inovações, que ultrapasse os limites de cada empresa individual (pequena ou grande) de um ou vários setores (os ambientes de inovação), ou, ainda, a importância de um sistema dinâmico e ativo de aprendizagem formal ou implícita, que se desenvolva num pequeno território (as regiões de aprendizagem) (Barbosa de Melo, 2009). Estas diferentes abordagens têm em comum partirem do princípio de que a empresa depende fortemente do ambiente em que está inserida, e de o território ser entendido como o lugar onde, para além da captação de recursos genéricos a ele alocados, podem ser gerados bens específicos a partir da aprendizagem local e da coordenação entre empresas (Dinis, 2006). Para além disso, todas evidenciam o papel positivo de proximidade territorial das empresas (através da formação de

clusters empresariais) na redução dos custos de transação, que abre a possibilidade a uma

pequena empresa de concorrer com empresas maiores e com maior poder negocial (Barbosa de Melo, 2009). Noutros termos, estes territórios partilham algumas caraterísticas comuns, nomeadamente: (1) relações próximas entre PME que estruturam o sistema produtivo local, (2) produção flexível, (3) iniciativa local (empreendedorismo endógeno), (4) algumas formas de acesso e tratamento da informação, (5) e padrões empreendedores de aprendizagem e inovação (Dinis, 2006).

Trata-se de teorias que têm a sua fundamentação nos sistemas de inovação empresarial como fator de desenvolvimento territorial. Segundo alguns autores, todavia, apesar de haver consistência semântica em torno do conceito de inovação, nenhuma dessas teorias define o propósito da inovação de forma explícita. Todas elas consideram a concorrência e a melhoria da competitividade da economia local ou regional como as forças motrizes da inovação, não referindo a melhoria das dimensões não económicas da qualidade de vida das comunidades e dos territórios locais. Todas exibem, por isso, uma perspetiva limitada do desenvolvimento territorial, por nele apenas considerarem a dimensão económica (Moulaert e Sekia, 2003)13. Na mesma linha, outros autores referem que a sua vaga e débil

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Para uma análise mais detalhada dos modelos de inovação territorial, ver, por exemplo, Benko e Lipietz (1994); Moulaert e Sekia (2003); e Santos (2009).

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concetualização tem comprometido o pensamento e construção teórica, a sua aplicação prática, e a sua relevância para as estratégias de desenvolvimento (Pike et al., 2006).

No entanto, e devido ao sucesso destes estudos de caso, a orientação atual das políticas de desenvolvimento local incide mais nos territórios e menos na empresa individual, comparativamente com o passado (Barbosa de Melo, 2009).

Entretanto, nos anos 70, surge a noção de ecodesenvolvimento, mais precisamente, a emergência de uma consciência ambiental é afirmada institucionalmente em 1972, no âmbito da conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento humano, realizada em Estocolmo14, e do relatório The Limits to Growth, publicado pelo Clube de Roma nesse mesmo ano (Amaro, 2003). Estes dois acontecimentos colocaram no centro do debate a ponderação dos custos ambientais dos modelos de desenvolvimento dominantes e da depauperação dos recursos naturais não renováveis, e afirmaram a necessidade de instituir o ambiente como prioridade política mundial. Baseada nesta perspetiva e noutras contribuições, surge, posteriormente, a conceção de desenvolvimento sustentável.

O conceito de “desenvolvimento sustentável” é apresentado, pela primeira vez, em 1980, pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN - International Union for Conservation of Nature), aquando do lançamento da Estratégia Mundial para a Conservação da Natureza. A finalidade da Estratégia era a de contribuir para o desenvolvimento sustentável, através da conservação dos recursos vivos. Mais especificamente, os seus objetivos principais eram a manutenção dos processos ecológicos essenciais e dos sistemas de suporte biológicos; a preservação da diversidade genética; e a utilização sustentada de espécies e ecossistemas (IUCN, 1980). Não obstante o conceito ter sido introduzido pela primeira vez na Estratégia, só em 1987, quando a Comissão Mundial do Ambiente e do Desenvolvimento (WCED - World Commission on Environment and

Development) das Nações Unidas adota o princípio de desenvolvimento sustentável e o

transforma no conceito-chave do relatório Our Common Future (também conhecido por relatório Brundtland), o conceito ganha visibilidade irreversível, estimulando uma renovada discussão de alternativas ao desenvolvimento, centrada na necessidade constatada de assegurar a sua sustentabilidade (Friedmann, 1996).

Segundo este relatório, o desenvolvimento sustentável é definido como o modelo de desenvolvimento que permite às gerações presentes satisfazerem as suas necessidades de melhoria da qualidade de vida sem, todavia, comprometer a satisfação dessas necessidades

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O conceito de Ecodesenvolvimento foi introduzido por Maurice Strong, Secretário-Geral da conferência de Estocolmo e primeiro Diretor Executivo do Programa da Nações Unidas para o Ambiente (PNUA). O termo é usado para descrever uma abordagem integrada ao meio ambiente e desenvolvimento.

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pelas gerações futuras (WCED, 1987). Assenta em três componentes fundamentais: sustentabilidade ecológica, sustentabilidade social, e sustentabilidade económica. O princípio da sustentabilidade ecológica postula a compatibilidade entre desenvolvimento e conservação dos processos ecológicos essenciais. O princípio da sustentabilidade social defende que o desenvolvimento aumenta a autonomia das populações locais nos processos de decisão, preservando e reforçando a identidade da comunidade. O princípio da sustentabilidade económica afirma que o desenvolvimento deve ser economicamente eficiente, e que os recursos devem ser geridos por forma a suportar as gerações futuras.

O desenvolvimento sustentável implica, assim, quatro dimensões:

 A dimensão económica, que pressupõe a adequação dos modelos de produção e consumo à gestão integrada dos recursos naturais (através da utilização de tecnologias “verdes” e da aplicação do princípio do poluidor-pagador, entre outras medidas);  A dimensão ambiental, que implica a preservação dos recursos naturais (por forma a

serem utilizados pelas gerações futuras), e a sua utilização sustentável na satisfação das necessidades das populações presentes;

 A dimensão social, que subentende a minimização dos impactos do rápido crescimento populacional e da crescente urbanização, promovendo a melhoria das condições de vida e combatendo a pobreza, principalmente nos países em desenvolvimento;

 A dimensão institucional, que preconiza a eficiência organizacional e a eficácia de competências na cooperação entre Estados, na partilha de informação, na produção de legislação ambiental e na participação da sociedade civil nas questões ambientais.

Ao conceito de desenvolvimento sustentável subjaz uma ideia inovadora que enquadra a questão do desenvolvimento num âmbito que respeita a preservação de alguns aspetos qualitativos, tendo por objetivo o bem-estar das gerações presentes e futuras. Esta perspetiva implica não só uma tomada de consciência dos problemas ambientais, como permite que as regiões desfavorecidas, do ponto de vista económico, promovam o seu desenvolvimento, tendo em conta as potencialidades e recursos naturais de que dispõem, e atribuindo às populações locais um papel importante na prossecução da melhoria das suas condições de vida (Mergulhão, 1997). No entanto, segundo Weaver (1981), os recursos naturais só poderão contribuir para o desenvolvimento territorial verificadas três condições. A primeira é a de que os recursos só devem ser alocados para gerar rendimentos, se se constituírem como vantagem estratégica local ou regional. A segunda é a de que os recursos devem ser usados para a

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satisfação das necessidades de produção locais ou regionais, numa lógica de desenvolvimento equilibrado e descentralizado. A terceira é a de que a utilização dos recursos deve ser moderada, sem negligenciar a conservação dos mesmos.

Se o desenvolvimento sustentável constitui um desafio territorial, algumas abordagens sustentáveis ao desenvolvimento local e regional têm, no entanto, sido alvo de crítica. Mais especificamente, a maioria das estratégias de desenvolvimento é determinada «de cima para baixo», uma vez que, dada a magnitude dos problemas ambientais, os agentes locais e regionais têm mais dificuldade em promover iniciativas sustentáveis que não se circunscrevam ao seu território. Neste sentido, a opção política tem recaído em abordagens direcionadas para a modernização ecológica (utilização de tecnologias “verdes” ou “amigas do ambiente”, uso de energias renováveis etc.), consideradas estratégias de desenvolvimento sustentável “fracas”, por, apesar de se fundarem no conceito de justiça ambiental (de partilha equitativa dos custos e benefícios do ambiente), na sua essência estar o crescimento económico (cf. Pike

et al., 2006).

Em síntese, no processo de renovação do conceito de desenvolvimento regional surgiram, nos últimos cinquenta anos, inúmeras inovações concetuais e políticas que se revelaram importantes contributos às conceções tradicionais, e se podem resumir da seguinte forma: o seu carácter multidimensional e visão interdisciplinar; a sua interligação com os conceitos e os processos de cidadania e de empowerment; a assunção de uma nova relação com a natureza, concetualmente reconstruída como ecocêntrica e biocêntrica15; a redefinição das suas bases territoriais, deixando de assentar no Estado-Nação, para assumir uma multiterritorialidade que excede aquele, e engloba os níveis supranacional e transnacional (na escala global) e infranacional (nas escalas regional e local); e, por último, embora de modo não exaustivo, a sua associação a múltiplos protagonistas e parceiros (adaptado de Amaro, 2003). Noutros termos, em desenvolvimento regional «importa a caracterização do todo (o país) sem descurar as características das partes (as regiões); importa conhecer as relações entre as partes e o todo; importa conhecer as relações dentro de cada uma das partes; importa conhecer as relações entre as partes» (Lopes, 1987: 5). No que concerne a organização espacial, ela não tem necessariamente que impor-se «de cima para baixo», da escala nacional para a escala local; e, embora deva ter em conta os reais interesses da população, não deve ser proposta exclusivamente a partir de uma abordagem «de baixo para cima», por os meios serem escassos e os conflitos regionais e locais

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A conceção ecocêntrica ou ecocentrismo defende um sistema de valores centrado na natureza. Para o biocentrismo, todas as formas de vida são igualmente importantes, nenhuma se sobrepõe a outra.

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inevitáveis, devendo procurar-se uma como que uma «otimização» dos resultados das duas abordagens (Lopes, 1987).