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Conselho da Europa: a paisagem e a herança natural

Capítulo 4 Áreas protegidas na Europa

4.3 Conselho da Europa: a paisagem e a herança natural

Perspetivando a herança natural do Continente e as questões da paisagem europeia, com o intuito de bem gerir o ambiente natural e os recursos naturais, o CoE97 foi percursor no que concerne as questões de conservação da natureza. As primeiras medidas datam da década de 50, e tinham por base uma regulamentação para a proteção de plantas.

Em 1962, face a ameaças crescentes à vida selvagem e aos habitats de conservação da natureza, foi criado o Comité Europeu para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais98 (European Committee for the Conservation of Nature and Natural Resources), com o objetivo de estabelecer um sistema permanente de cooperação sobre questões relacionadas com a conservação da natureza na Europa99.

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Central Balkan National Park na Bulgária; Fulufjällets National Park na Finlândia; Parco Nazionale della Majella em Itália; Oulangan kansallispuisto National Park na Finlândia; Paanajärvi National Park na Rússia; Parcul Naţional Retezat na Roménia; Rila National Park na Bulgária; Borjomi-Kharagauli National Park na Geórgia; Southwestern Archipelago National Park na Finlândia; Parque Nacional da Peneda-Gerês em Portugal; Soomaa National Park na Estónia; Dzūkija National Park na Lituânia; küre Mountains National Park na Turquia.

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O CoE é uma organização intergovernamental pan-europeia e constitui o organismo internacional mais antigo do Continente. Foi criado, em 1949, pela Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países- Baixos, Suécia e Reino Unido, sendo o seu objetivo principal a cooperação entre países através da promoção da democracia, dos direitos humanos e do Estado de Direito. Atualmente, é composto por quarenta e sete Estados- membros, incluindo os vinte e oito que formam a União Europeia. O CoE tem sede em Estrasburgo, e é composto por diferentes órgãos, entre os quais o Comité de Ministros, que constitui o órgão diretivo do Conselho, e é servido por vários subcomités. O CoE intervém numa série de áreas, pelo que as medidas de política do Comité de Ministros constituem a base para acordos, resoluções e recomendações assumidos pelos Estados-membros. As convenções constituem um dos pilares sobre os quais assenta a ação desta organização.

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Desde 2012 denominado Comité para as Questões Sociais, Saúde e Desenvolvimento Sustentável.

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Uma das primeiras medidas do Comité foi a criação, em 1965, do Diploma Europeu de Áreas Protegidas100. Esta iniciativa foi efetivamente adotada em 1973101, e desde então sofreu várias alterações, sendo a última de 2008. Conforme consta do documento, os objetivos do Diploma são os seguintes: «the European Diploma of Protected Areas (the “Diploma”) may be awarded for adequately protected natural or semi-natural areas of exceptional European interest from the point of view of conservation of biological, geological or landscape diversity and which are managed in an exemplary way. It is awarded to them by virtue of their scientific, cultural or aesthetic interest if they have an appropriate protection system, eventually also in conjunction with programmes of action for sustainable development. The Diploma represents an important contribution to the Pan-European Ecological Network»102. O Diploma constitui um prémio internacional atribuído pelo Comité às paisagens e áreas naturais ou seminaturais europeias, cuja importância é reconhecida para a preservação da diversidade biológica, geológica e paisagística do Continente, ou cuja gestão seja considerada exemplar103.

Em 1967, o CoE criou o Centro Naturopa (Naturopa Information and Documentation

Centre on Nature Conservation), um centro de informação e documentação sobre conservação

da natureza. O Naturopa tinha como objetivo apoiar a ação política intergovernamental nesta matéria, através da sensibilização dos decisores políticos e do público em geral. A partir de 1968, o Centro passa a editar a revista Naturopa – Council of Europe's Environment Magazine, uma revista sobre questões ambientais e conservação da natureza na Europa104. Uma das primeiras ações do Centro foi a declaração, em 1970, do «Ano Europeu da Conservação da Natureza», celebração que voltou a ter lugar em 1995, como resultado da Conferência da ONU sobre Ambiente e Desenvolvimento (Conferência do Rio) de 1992.

Em Março de 1973, o CoE realiza em Viena a primeira conferência ministerial sobre ambiente, com o objetivo, entre outros, de preparar um programa para a criação de uma rede europeia de áreas protegidas. Para efeitos de harmonização, foi realizado um estudo comparativo sobre a nomenclatura de áreas protegidas usada pelos diferentes países, baseado em quatro fatores: valor científico, atividades humanas tradicionais, amenidades e lazer, e acesso público. Esse estudo é publicado, ainda em 1973, com o título Terminology for

Protected Areas in Europe (CEC, 1979), e, nesse mesmo ano, o Comité de Ministros adota uma

resolução para a criação de uma nomenclatura comum de áreas protegidas organizada em

100 Resolução (65) 6 de 6 de Março. 101 Resolução (73) 4 de 19 de Janeiro. 102

Resolução CM/ResDip(2008) de 20 de Fevereiro.

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Até Setembro de 2015, 74 áreas protegidas, distribuídas por 28 países europeus, receberam este prémio.

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quatro categorias: A, B, C e D105. As duas primeiras categorias constituem áreas de proteção estrita, as últimas duas, áreas de proteção menos restrita.

Tabela 12 – Nomenclatura Comum de Áreas Protegidas na Europa

Categoria A

Esta categoria abrange áreas sob completa proteção, nas quais todas as atividades humanas são proibidas. O acesso só é permitido a investigadores científicos com autorização especial.

Categoria B

A conservação da natureza é obrigatória nas áreas que integram esta categoria, pelo que qualquer tipo de intervenção que possa modificar o seu estado, composição e evolução é proibido. No entanto, são permitidas atividades humanas tradicionais em zonas claramente definidas, sujeitas a regras estritas e desde que compatíveis com os objetivos de conservação. O seu acesso pode ser tornado público, desde que os visitantes cumpram as regras.

Categoria C

São incluídas nesta categoria áreas com valor cultural e estético. Trata-se de áreas que poderão ter uso recreativo, desde que assegurado o equilíbrio entre proteção da paisagem e conservação da natureza. São permitidas atividades humanas tradicionais e algumas atividades não tradicionais (não motorizadas), desde que controladas. É permitido o acesso ao público a zonas claramente definidas como zonas de recreio.

Categoria D

As áreas incluídas nesta categoria são vocacionadas, principalmente, para uso recreativo, cultural e estético, mas devem cumprir alguns princípios da conservação da natureza.

São permitidas atividades humanas tradicionais e não tradicionais, desde que compatíveis com os objetivos da área. É permitido o acesso ao público (não motorizado) sem restrições, que pode ser controlado em zonas de particular interesse. Poderá ser permitido o acesso motorizado controlado.

Fonte: Resolução (73) 30 de 26 de Outubro (Tradução própria).

Em 1976106, são definidos os conceitos, objetivos e princípios para criação de uma Rede Europeia de Reservas Biogenéticas107. Esta rede pretendia dar continuidade à rede mundial de Reservas da Biosfera, resultantes do Programa MaB da ONU. No fundo, tratava-se de um programa de cooperação entre os Estados-membros, para a conservação de exemplos representativos de habitats naturais considerados valiosos para a conservação da natureza na Europa (CoE, 1998). A rede é oficialmente reconhecida em 1979, através de duas resoluções108, nas quais o Comité de Ministros define, respetivamente, as regras e o enquadramento para a

105 Resolução (73) 30 de 26 de Outubro. 106 Resolução (76) 17 de 15 de Março. 107

«Biogenetic reserve means a protected area enjoying legal status and characterized by one or more typical, unique, endangered or rare habitats, biocenoses or ecosystems» [Resolução (76) 17 de 15 Março].

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criação da mesma. Nos anos 80 e 90, a rede é estendida a outras espécies e outros biótopos, diferentes dos definidos inicialmente109, e, em 1992, é permitido o alargamento da rede a estados europeus não membros do CoE110.

Em 1979, na terceira conferência ministerial sobre Ambiente, o CoE estabelece a Convenção sobre a Vida Selvagem e os Habitats Naturais na Europa, também conhecida por Convenção de Berna. A convenção entrou em vigor em Junho de 1982. De acordo com o seu artigo 1.º, os seus objetivos são a conservação da flora e fauna selvagens e dos habitats naturais, bem como a promoção da cooperação entre Estados, dando especial atenção às espécies ameaçadas e vulneráveis, incluído as espécies migradoras. A convenção tem um âmbito pan-europeu e estende a sua influência a alguns países de África, no âmbito da conservação das espécies migradoras que aí passam uma parte do ano. O acompanhamento da aplicação e desenvolvimento dos objetivos da convenção é feito por um Comité Permanente que inclui representação de todas as partes contratantes (com direito a voto), de países em fase de adesão (sem direito a voto), e de ONGs que trabalham na área da conservação da natureza (sem direito a voto) 111.

Em 1987, na quinta conferência ministerial sobre ambiente, e no seguimento da Estratégia Mundial para a Conservação da Natureza da IUCN, e da publicação do relatório da Comissão Mundial de Ambiente e do Desenvolvimento Our Common Future (ou relatório Brundtland), o CoE recomenda aos Estados-membros a adoção de uma Estratégia Europeia para a Conservação (European Conservation strategy). A recomendação é apresentada em 1990, na sexta conferência ministerial sobre ambiente, com o intuito de os seus objetivos e princípios serem adotados, e adaptados às diferentes políticas praticadas pelos Estados- membros. No entanto, tratando-se de uma recomendação, não tinha força vinculativa112.

Em Junho de 1989, o Comité Permanente da Convenção de Berna realiza uma reunião extraordinária dedicada à conservação dos habitats. Nessa reunião, são adotados quatro diplomas: uma resolução interpretativa113 sobre as disposições relativas à conservação dos habitats no âmbito da Convenção, e três recomendações operativas114 com vista à criação de uma rede de áreas protegidas no âmbito da convenção (CoE, 2012).

O objetivo principal destes diplomas era que as partes contratantes criassem condições para a classificação de Áreas de Especial Interesse para a Conservação (ASCI - Areas

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Resoluções (81) 8E de 26 de Maio; (86) 10E de 19 de Junho; e (92) 19E de 18 de Maio.

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Resolução (92) 20E de 18 de maio.

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Atualmente 51 países (46 membros do CoE, mais a Bielorrússia, o Burkina Faso, Marrocos, o Senegal e a Tunísia) e a UE são partes contratantes da Convenção.

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Recomendação do Comité de Ministros n.º R ENV 90 (1) de 12 de Outubro.

113

Resolução n.º 1 (1989) de 9 de Junho.

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of Special Conservation Interest) nos seus países, com vista ao estabelecimento de uma rede

pan-europeia de áreas protegidas. Dois acontecimentos atrasam, todavia, este processo: a queda do Muro de Berlim e a execução da Convenção de Berna na UE. A queda do Muro de Berlim, em 1989, implicou uma reorganização do mapa político europeu, levando a que a rede tivesse que ser repensada a fim de albergar as novas democracias da Europa central e oriental (CoE, idem). A aplicação da Convenção de Berna na UE está na base da elaboração da Diretiva “Habitats”, aprovada em 1992, e que, juntamente com a Diretiva “Aves”, constitui a rede

Natura 2000. Só após a implementação da Natura 2000 da UE, o CoE avançou com a criação da

sua rede, para que houvesse coerência ecológica entre ambas. Assim, em 1996, a rede é oficialmente criada e batizada rede Emerald (Emerald Network of Areas of Special

Conservation Interest) 115. A rede Emerald é, finalmente, estabelecida em 1998, através de uma resolução em que o Comité Permanente da Convenção estabelece as regras da sua criação116. Nela, o Comité Permanente ressalva que as partes contratantes da Convenção que são Estados-Membros da UE contribuirão para a rede Emerald, através da rede Natura 2000. Como se verá mais adiante, a rede Emerald tem por base os mesmos princípios da rede Natura

2000, e representa a sua extensão aos países europeus fora da União.

Em 1995, na terceira reunião ministerial pan-europeia, An Environment for Europe117, realizada em Sófia, o CoE propõe a Estratégia Pan-Europeia para a Conservação da Diversidade Biológica e Paisagística (PEBLDS - Pan-European Biological and Landscape Diversity Strategy), com o intuito de fortalecer as medidas de política nas áreas do ambiente, biodiversidade e conservação na Europa. A Estratégia representa uma resposta regional à implementação da CBD na Europa alargada. O secretariado da PEBLDS é assegurado pelo CoE e pelo UNEP/PNUA da ONU, sendo seus objetivos a redução, ou supressão, das ameaças à diversidade biológica e paisagística; o aumento da resiliência biológica e paisagística; o reforço da coerência ecológica; e o envolvimento do público na conservação da diversidade biológica e paisagística.

A consequência mais visível da PEBLDS é a criação da Rede Ecológica Pan-Europeia (PEEN - Pan-European Ecological Network), uma rede de áreas naturais centrais - resultante das áreas protegidas criadas ao abrigo das redes Emerald e Natura 2000 -, por sua vez ligadas por corredores ecológicos e apoiadas por zonas “tampão”. Os seus objetivos são facilitar a 115 Resolução n.º 3 (1996) de 26 de Janeiro. 116 Resolução n.º 5 (1998) de 4 de Dezembro. 117

Iniciado em 1991, o processo «Ambiente para a Europa»» (Environment for Europe – EfE) constitui um fórum pan-europeu que tem por objetivo enfrentar os desafios ambientais e promover uma ampla cooperação horizontal no domínio do ambiente, que sirva de base ao desenvolvimento sustentável na região. Trata-se de uma parceria entre Estados, organizações intergovernamentais, centros ambientais regionais e sociedade civil, incluindo o setor privado. O EfE apoia a convergência das políticas e abordagens ambientais, ao mesmo tempo que auxilia os países da Europa Oriental, do Cáucaso, da Ásia Central e do Sudeste da Europa a melhorarem o seu desempenho ambiental. Mais informações em http://www.unece.org/env/efe/welcome.html.

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dispersão e migração das espécies, e promover a conservação da natureza, dentro e fora das áreas protegidas. A rede Emerald e a rede Natura 2000 constituem as componentes principais da PEEN. Áreas protegidas criadas ao abrigo de outros acordos e convenções internacionais são igualmente tidas em consideração (CoE, 2012; UNECE, 2003).

Em 2000, tendo por base as convenções que promoveu (como a Convenção de Berna) e outras convenções internacionais (como a Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural e a CBD), o CoE estabelece a Convenção Europeia da Paisagem, também conhecida por Convenção de Florença. A convenção entrou em vigor em Março de 2004, e está aberta à assinatura por outros estados europeus não membros do CoE118. Trata-se do primeiro acordo internacional com influência em todas as dimensões da paisagem europeia. De acordo com artigo 2.º, a Convenção «aplica-se a todo o território das Partes e incide sobre as áreas naturais, rurais, urbanas e peri-urbanas. Abrange as áreas terrestres, as águas interiores e as águas marítimas. Aplica-se tanto a paisagens que possam ser consideradas excepcionais como a paisagens da vida quotidiana e a paisagens degradadas». São objetivos da Convenção «promover a protecção, a gestão e o ordenamento da paisagem e organizar a cooperação europeia neste domínio». Os princípios orientadores para a implementação da convenção foram definidos em 2008119, e, nesse mesmo ano, ainda no âmbito da convenção, foi lançado o Prémio Paisagem (Landscape

Award)120. Este prémio bienal é atribuído a políticas ou medidas implementadas pelos órgãos

de governo locais ou regionais, ou a ações de ONGs, com vista à proteção sustentável, à gestão e ao planeamento das paisagens (artigo 1.º). O prémio tem a forma de um diploma, e representa um objetivo mensurável na implementação da convenção a nível nacional e transnacional (artigo 2.º).

Atualmente, no que respeita à conservação da natureza, constituem prioridades do CoE, o desenvolvimento da PEEN, o estabelecimento da rede Emerald, e a implementação da Convenção da Paisagem.