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O Paradigma Funcionalista e as teorias de desenvolvimento de inspiração

Capítulo 1 Concetualizações teóricas em torno do conceito de Desenvolvimento

1.1 O Paradigma Funcionalista e as teorias de desenvolvimento de inspiração

neoclássicas sobre crescimento equilibrado e convergente, e as teorias de inspiração keynesiana sobre crescimento desequilibrado e divergente. As primeiras defendem a convergência entre regiões, independentemente de nelas haver intervenção, afirmando que os mecanismos causais do modelo de crescimento orientam as regiões em direção ao equilíbrio, e que a intervenção apenas aumenta, ou dificulta, a velocidade de convergência (Pike et al. 2006). Noutros termos, estas teorias consideram que o funcionamento dos

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O keynesianismo implica o princípio de regulação através da intervenção do Estado na economia e viabiliza o papel deste na realização do progresso e no aumento do bem-estar das sociedades (Amaro, 2003).

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mercados permite uma correção das assimetrias regionais, melhorando-as ou reduzindo-as. As segundas põem em causa esta ideia de crescimento equilibrado e convergente, focando a sua análise nos fatores que provocam os desequilíbrios regionais, e os reproduzem ao longo do tempo, considerando os mercados fatores potenciais de agravamento, ou aumento, das disparidades entre regiões (Pike et al. idem).

Herdeiras do pensamento económico neoclássico no que se refere à linguagem e à abordagem, as conceções keynesianas fundam-se na noção de que o desenvolvimento está associado ao crescimento económico, cujas aferição e quantificação são efetuadas sistematicamente através de indicadores económicos (Amaro, 2003), como, por exemplo, o PIB per capita, estudos estatísticos sobre séries longas, e representações estáticas do crescimento equilibrado (Perroux, 1987). De igual forma, as disparidades de desenvolvimento entre regiões são avaliadas, quantitativamente, através de instrumentos macroeconómicos (Pecqueur, 1989).

Outra das caraterísticas destas teorias prende-se com o papel desempenhado pelo Estado no processo de desenvolvimento. Mais especificamente, nelas se tomam como centrais as noções de Estado-Nação e Estado-Providência. A primeira destas noções considerada enquanto lógica imposta a todos os territórios, o que significa que os níveis regional e local se subordinem ao desenvolvimento da nação. A segunda baseia-se na ideia de que as populações locais são incapazes de resolver os problemas estruturais que as afetam e de satisfazer as suas necessidades básicas, pelo que o Estado deve gerir os processos de desenvolvimento.

Neste sentido, e conforme já referido, no paradigma funcionalista vigora a tese do desenvolvimento induzido “pelo topo”, onde os conceitos essenciais se prendem com o crescimento polarizado e os modelos “centro-periferia”.

A teoria dos polos de crescimento (pôles de croissance) foi desenvolvida por Perroux em 19554. Esta teoria parte do princípio de que os «efeitos de dispersão» (effets

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Contemporâneos da obra de Perroux são também os trabalhos desenvolvidos por Gunnar Myrdal (Economic theory and underdeveloped regions, 1957) e Albert Otto Hirschman (The strategy of economic development, 1958). De acordo com Hansen (1981), a volumosa literatura do centre-down development paradigm derivou do trabalho seminal destes três autores. Tal como Perroux, os trabalhos destes dois autores constituem uma análise crítica às teorias neoclássicas e filiam-se nas teorias de crescimento desequilibrado.

Segundo Silva e Silva (2009), Myrdal, utilizou o «princípio de causalidade circular e cumulativa» para justificar situações de crescente disparidade entre economias. Ao efeito de reforço do processo cumulativo, o autor apelidou «efeitos de bloqueio» ou backwash effects, tendo considerado também a possibilidade de o crescimento das regiões mais ricas ter um impacto positivo sobre as regiões mais pobres, por exemplo, através da procura acrescida de produtos destas regiões e da difusão de tecnologia desenvolvida nas zonas centrais. No entanto, a amplitude destes efeitos positivos seria menor do que a dos efeitos de bloqueio, sendo desejável a intervenção estatal com o objetivo de evitar o estrangulamento das regiões mais pobres por parte da dinâmica de crescimento das regiões mais ricas, criando-se assim o que o autor denominou de «efeitos de propagação» ou spread effects.

De acordo com Hansen (1981), apesar de Hirschman compartilhar algumas semelhanças com as abordagens de Myrdal e Perroux, apresenta uma abordagem mais otimista acerca do desenvolvimento dos países ou regiões menos desenvolvidas. Hirschman argumenta que as estratégias de desenvolvimento deveriam concentrar-se em

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d’entraînement) que se expandem a partir de «pontos» espacialmente localizados (empresa

ou grupo de empresas, aglomerações populacionais, etc.) transmitem impulsos de crescimento a outros «pontos» – efeitos de dispersão – que podem ultrapassar os «efeitos de polarização» (effets de stoppage), isto é, a reabsorção dos efeitos de dispersão pelo próprio ponto originário (Lopes, 1987). No que respeita ao desenvolvimento regional, a proposta é a de que os investimentos devem concentrar-se em polos convenientemente escolhidos e interligados de forma adequada para favorecer a propagação dos efeitos de dispersão no espaço; e, ainda, que esses investimentos, em termos setoriais, não deixem de considerar a maior capacidade de arrasto de certas indústrias, associada à sua interdependência com outras, bem como à sua capacidade de crescimento, comparativamente com outras, no conjunto da economia (Lopes,

idem). Isto significa que a localização ótima de um determinado investimento corresponde à

localização que melhor permita a difusão do crescimento económico pelos espaços circundantes (Pedroso, 1998).

Outro conceito importante na teoria dos polos de crescimento é o de dominação (Hansen, 1981), que, em Perroux, está associado a unidades industriais (Lopes, 1987). O desenvolvimento é, assim, alcançado por via da implantação de indústrias propulsoras ou motrizes, que, pelo seu carácter dominante no que se refere ao tipo de atividade exercida, dimensão e capacidade de negociação, desempenham um papel dominante sobre as outras atividades económicas da região (Hansen, 1981; Pedroso, 1998). Ou seja, o desenvolvimento regional é desencadeado a partir de polos cuja inovação se propaga de forma centrífuga a outras regiões. De todo este processo resulta um crescimento económico por difusão dos efeitos do investimento realizado. Esta conceção envolve, ainda, uma avaliação espacial, de seleção dos espaços que reúnem as melhores condições para se transformarem em polos de crescimento, e uma avaliação dos investimentos para a sua constituição (Lopes, 1987; Pedroso, 1998).

Está-se perante uma visão urbanicista, de predomínio das cidades. As transformações induzidas a partir dos espaços urbanos são difundidas a outros espaços, numa lógica de uniformização progressiva dos espaços económicos (Pedroso, idem). Ou seja, incentivos fiscais poucos setores, em detrimento de projetos largamente dispersos. Assim, o crescimento seria transmitido dos principais setores económicos para os restantes, de uma empresa para outra. Os setores-chave seriam determinados através da medição dos efeitos das ligações a montante e a jusante, e em termos de inputs-outputs. Por outras palavras, Hirschman distingue os efeitos motrizes conforme ocorram no campo da oferta (a montante), dos destinatários da produção (a jusante) ou em ambos os sentidos, podendo apurar-se a indústria motriz, se se conseguir avaliar donde provêm os efeitos mais potentes (Gonçalves, 2010). Desenvolver-se-ão então dois tipos de efeitos de sentidos opostos: os «efeitos de dispersão» (trickling-down effects) e os «efeitos de polarização» (polarization effects). Os primeiros são favoráveis às regiões mais pobres, dependentes da procura das regiões mais ricas e do investimento destas nas anteriores, e só verificáveis quando entre as economias haja um mínimo de complementaridade. Se o grau de complementaridade não é significativo, os efeitos de polarização da região mais rica serão mais fortes do que os de dispersão e o processo de crescimento regional será discrepante (Lopes, 1987).

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e outros subsídios induzem indústrias propulsoras a instalar-se em cidades selecionadas e a porem em movimento um processo dinâmico de crescimento económico (Friedmann, 1996).

Desenvolvida por Friedmann, a teoria centro-periferia (Core-Periphery interaction) está, face à teoria dos polos de crescimento, mais próxima dos modelos de desenvolvimento neocolonialistas (Lopes, 1987), ou das teorias de dependência (Pires, 19905), numa conceção que engloba todo o sistema espacial. Ou seja, é a partir do centro de uma rede hierárquica de sistemas espaciais (que pode ir do nível local ao mundial) que o desenvolvimento e a inovação se estendem para zonas situadas na periferia, colocando a periferia numa situação de dependência face ao centro (Hansen, 1981).

Este modelo enquadra-se num processo em que a economia, evoluindo para a industrialização, regista transformações espaciais profundas, que, por sua vez, agravam os desequilíbrios, por a tendência para a industrialização conduzir à concentração do investimento num número reduzido de áreas, desse modo originando e incrementando uma estrutura de tipo dualista. A um centro com crescimento intensivo e rápido opõe-se uma periferia cuja economia se encontra relacionada com a do centro de forma imperfeita, em estado de estagnação, ou mesmo declínio, ainda que relativos. Ao contrário do centro, a periferia funciona ou como fonte de matérias-primas, ou como mercado de receção de produtos, e sempre na dependência de centros de decisão externa. De igual forma, o modo de produção da periferia é subordinado ao do centro (Lopes, 1987).

A combinação resultante dessas interações é um modelo de interdependências espaciais, onde a periferia está inserida numa lógica de divisão internacional de trabalho que lhe é claramente desfavorável nos termos de troca, e numa hierarquia de espaços polarizados que é função de imperativos político-institucionais emanados do centro (Silva et al., 2009). Daqui resulta que, em vez de assegurar uma distribuição espacial igualitária do crescimento económico nas várias regiões, este modelo irá evidenciar e promover as desigualdades regionais: «As desigualdades regionais acentuam-se ao mesmo tempo que as pressões políticas se orientam no sentido de inverter a direção dos fluxos de recursos e de aumentarem as capitações do rendimento da periferia para níveis próximos dos das restantes regiões» (Lopes, 1987: 296).

Em suma, as abordagens de Perroux e Friedmann rejeitam as ideias de equilíbrio espacial e de crescimento equilibrado, defendidas pelos teóricos neoclássicos. No entanto, enquanto Perroux concebia a existência de condições socioeconómicas desiguais de um modo relativamente compassivo, por considerar que essa condição podia mesmo constituir a fonte

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Para as teorias da dependência, «o desenvolvimento (desigual) do capitalismo à escala mundial tenderia a desembocar na constituição de um sistema geral (economia mundial) regulado por relações assimétricas no plano funcional (divisão internacional do trabalho) e organizacional (dominação-dependência) estruturantes de uma diferenciação em dois subsistemas (centro-periferia)» (Pires, 1990:82).

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causal do próprio processo de desenvolvimento, Friedmann contra-argumentava, afirmando que esse quadro assimétrico estaria na génese de relações assimétricas de crescimento, e apontava, como causas da existência de padrões divergentes de desenvolvimento inter- regional, as dimensões culturais, institucionais e políticas (Silva et al., 2009).

No início dos anos 70, a conceção funcionalista entra em declínio, consequência não apenas da crise económica (rutura económica com o modelo fordista6), ideológica e financeira

do Estado-Providência, e da globalização das economias nacionais, mas, fundamentalmente, pelo reconhecimento da falência do paradigma em generalizar, social e espacialmente, os seus efeitos (Pedroso, 1998). Reconhece-se que não é tanto o ritmo, mas o modelo de crescimento que pode determinar efeitos positivos, ou perversos, no crescimento económico harmonioso das várias regiões e dos diversos grupos sociais. Em outros termos, são as condições estruturais do crescimento, em articulação social ou em desarticulação social, e não o seu ritmo, que importa considerar em termos dos seus efeitos sociais (Almeida et al., 1994):

 O crescimento ocorre em situações de desarticulação social quando as condições estruturais do crescimento, em termos de seleção dos setores-chave e da distribuição do rendimento, são tais que o seu crescimento agrava as desigualdades (crescimento insuficiente do emprego, manutenção de baixos salários), e essas desigualdades favorecem o crescimento desses setores-chave em detrimento dos restantes;

 O crescimento ocorre em situações de articulação social quando as condições estruturais em que ocorre permitem manter a desigualdade do rendimento dentro de limites considerados desejáveis, gerando uma procura dirigida a setores de atividades geradores de emprego, e um rendimento que beneficia os grupos mais desfavorecidos da população.

A persistência das desigualdades regionais, a par da persistência das desigualdades a nível mundial, infletiu concetualmente a reflexão sobre o desenvolvimento regional. Assim como o desenvolvimento polarizado justificara a intervenção centralizada na época das reconstruções nacionais do pós-guerra, e estivera associado ao crescimento impetuoso das regiões centrais, sem que os efeitos da difusão fossem maciços, impunha-se agora uma reflexão sobre a promoção do desenvolvimento regional para os tempos de crise, e para os

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O “Fordismo” é uma designação teórica introduzida por Antonio Gramsci e retomada depois pela escola regulacionista francesa, para referir a racionalização capitalista depois da Primeira Guerra Mundial, obtida pela produção de massa e pelas linhas de montagem, atribuídas a Henry Ford, ligadas à organização científica do trabalho de Taylor (o Taylorismo) e ao consumo de massas dele resultante (Moreira, 2001)

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espaços periféricos nos países centrais, aos quais se juntava o espaço periférico, a nível mundial, no qual habitava a maior parte da população (Pedroso, 1998).

Por outras palavras, a constatação dos limites dos modelos de desenvolvimento «a partir de cima» tornou inevitável encontrar novas estratégias de desenvolvimento, capazes de responder às necessidades das regiões desfavorecidas ou marginalizadas, e das suas populações. É então que o local e o regional surgem como forças motrizes de um modelo de desenvolvimento «a partir de baixo», como forma de integração territorial do desenvolvimento (Pedroso, idem).

As novas parcerias a nível local, que se desenvolvem no seguimento desta aceção, levam a diversas mudanças. De uma abordagem hierarquizada e centrada nos governos centrais, passa-se a uma abordagem cuja tónica incide nos atores sociais como atores-chave nos processos de decisão relativos à sua região. Ou seja, confere-se aos atores locais um papel importante nas estratégias de desenvolvimento, nomeadamente, ao incentivar desde o início a participação das populações envolvidas, quer através de propostas de ação quer através da definição de objetivos a atingir, tornando, desta forma, as populações “cúmplices” das iniciativas preconizadas, e aumentando, em consequência, as possibilidades de sucesso (Mergulhão, 1997).

O paradigma de desenvolvimento «a partir de baixo», não está, todavia, unicamente associado ao nível em que as decisões são tomadas, pois implica critérios alternativos de alocação de recursos, diferentes critérios para a transação de mercadorias, formas específicas de organização social e económica, e uma alteração da noção de desenvolvimento (Stöhr, 1981): «Development (…) need to be considered as an integral process of widening opportunities for individuals, social groups and territorially organized communities at small and intermediate scale, and mobilizing the full range of their capabilities and resources for the common benefit in social, economic and political terms» (Stöhr, 1981:39-40). Por outras palavras, «territorial development simply refers to the use of an area’s resources by its residents to meet their own needs. The main definitives of these needs are regional culture, political power, and economic resources» (Weaver, 1981: 93).