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CAPÍTULO III CONCEPÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE CULPABILIDADE

3.2. A culpabilidade no finalismo pós-welzeniano

3.2.2. A culpabilidade como atribuibilidade: Maurach

Reinhart Maurach, sucessor de Edmund Mezger na cátedra de Munich e discípulo de Hans Welzel, manifestou certa preocupação em relação ao conteúdo da culpabilidade desenhado pela doutrina final da ação, mormente no que concerne à impossibilidade de configurar-se como juízo de reprovabilidade pessoal. Para o autor alemão, tal se daria em especial pela forma como analisada a inexigibilidade de conduta diversa, vale dizer, sob uma perspectiva generalizante, não individualizada215.

Seguindo a linha de raciocínio desenvolvida por Maurach, se a inexigibilidade de conduta diversa, diante deste caráter genérico que lhe é imanente, não consegue atender aos anseios de um juízo de reprovação pessoal, seria necessário reconstruir a culpabilidade, ou, até mesmo, substituí-la. Pois é o que Maurach propôs, sustentando a adoção do conceito de atribuibilidade (Zurechenbarkeit), entendido como possibilidade de atribuição de responsabilidade216.

Com suas construções, Maurach não pretendeu, de forma alguma, romper com os pilares da culpabilidade finalista, calcada na ablação dos elementos anímicos, que são transplantados para a ação. Mas essa reconstrução da culpabilidade com a incidência da ideia de atribuibilidade destoa da concepção welzeniana de forma flagrante217.

Consoante lições de Claus Roxin, foi a dificuldade encontrada por Maurach em reduzir as hipóteses de exclusão da culpabilidade a um fundamento material comum que o conduziu a promover o desdobramento da atribuibilidade em dois graus: a

determinante e que não advém da estrutura causal do mundo, mas sim de sua estrutura lógica” (MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Ob. cit., p.84).

215

BUSATO. Paulo César. Direito penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013, p.541. 216

BUSATO. Paulo César. Direito penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013, p.541. Releva notar, porém, que o autor emprega a expressão “atributividade”, e não “atribuibilidade”. Empregando a expressão “atribuibilidade”, como aqui se faz, TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal. 5.ed.São Paulo: Saraiva, 2008, 312. Para o autor, porém, a expressão seria sinônimo de “imputabilidade”, elemento constitutivo da culpabilidade; não se adota, então, a conotação conferida por Maurah, em que a atribuibilidade seria elemento distinto da culpabilidade. Adotando a expressão “atribuibilidade”, ao comentar a obra de Maurach, MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Culpabilidade no direito penal. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.90.

217

ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. Traducción: Francisco Muñoz Conde. Madrid, Reus, 1981, p.58.

“responsabilidade pelo fato” e a “culpabilidade”218

. Assim, a atribuibilidade – e não a culpabilidade – seria a base de valoração sobre o agente que pratica a ação típica e antijurídica, por não se haver comportado conforme o Direito. Dessa atribuibilidade é que surgiriam os dois elementos apresentados acima.

Conforme Maurach, a culpabilidade é reduzida ao “poder agir de outro modo” (de cunho generalizante), e seu pressuposto seria o livre-arbítrio. As demais hipóteses em que se falaria em exclusão da culpabilidade, são analisadas por Maurach, mas insertas em um patamar específico do delito, que seria anterior à culpabilidade: responsabilidade pelo fato. Por sua vez, a imputabilidade e a potencial consciência da antijuridicidade seriam pressupostos – e não elementos constitutivos – da culpabilidade219.

Como visto, muito embora Maurach mantenha-se ligado à concepção normativa da culpabilidade, é o único autor, dentre aqueles que aderem ao finalismo, que propõe uma alteração significativa na estrutura do delito. Sua doutrina foi adotada por autores consagrados, a exemplo de Armin Kaufmann, Arthur Kaufmann e Jiménez de Asúa220. Mas, a doutrina de Maurcah não vingou, porquanto, como é cediço, a estrutura analítica tripartida do delito – em que a culpabilidade é elemento constitutivo – ainda se encontra em voga, como doutrina majoritária, seja no Brasil, seja no estrangeiro.

Maurach desenvolveu sua teoria sob o influxo da pretensão de alijar a culpabilidade de um Direito Penal do autor221. Neste sentido, a tipicidade e a antijuridicidade estariam correlacionadas ao fato, ao passo que a culpabilidade consagraria o Direito Penal do autor, ao referir ao agente o seu ato222.

Quintano Ripollés, ao se debruçar sobre a construção da atribuibilidade na obra de Maurach, vai rechaçar essa doutrina, ao argumento de que o professor alemão considera a

218 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. Traducción: Francisco Muñoz Conde. Madrid, Reus, 1981, p.68-69.

219 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Culpabilidade no direito penal. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.91.

220 “En principio cabe estimar que dicha doctrina sólo ha recibido aceptación por parte de Armin Kaufmann, Arthur Kaufmann, Jiménez de Asúa y pocos autores más; naturalmente, dejando aparte los propios discípulos directos de Maurach” (SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. Introducción. In: SCHÜNEMANN, Bernd. El Sistema modern del derecho penal – questiones fundamentales: estúdios en honor de Claus Roxin en su 50º. Aniversario. Traducción: Jesús-Maria Silva Sánchez. Madrid: Tecnos, 1991, p.13).

221 Também por essa razão, Maurach rechaça as concepções de “culpabilidade de caráter”, “culpabilidade de autor” ou “culpabilidade pela decisão da vida” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, v. IV. Buenos Aires: EDIAR, 1998, p.58).

culpabilidade como um segundo e superior grau de imputabilidade; a partir deste conceito e do de responsabilidade, para admitir o que é chamado, paradoxalmente, de injusto não culpável. Para Ripollés, isto é apenas uma antijuridicidade objetiva, consequência da separação imoderada entre responsabilidade do ato e do autor, sustentáculo da doutrina pessoal de Maurach223.

Roxin enaltece alguns pontos da doutrina de Maurach. Inicia por reconhecer que Maurach adiciona a “responsabilidade pelo fato” entre a antijuridicidade e a culpabilidade; essa responsabilidade pelo fato seria uma categoria própria, acrescida à estrutura analítica do delito, e que conteria causas específicas de exclusão, tais como o estado de necessidade exculpante e o excesso na legítima defesa224.

Para Roxin, as premissas de que partem Maurach e seus seguidores estão corretas, porquanto no estado de necessidade exculpante e no excesso na legítima defesa, a isenção da pena não se fundamenta em considerações em torno da culpabilidade, mas sim na constatação de que a reprimenda penal se torna despicienda. Tratar-se-ia de exclusão da responsabilidade jurídico-penal, e não da culpabilidade. Roxin afasta-se da linha de pensamento de Maurach, todavia, por não reconhecer na responsabilidade um elemento prévio da culpabilidade225.

Demais disso, a doutrina de Reinhart Maurach não permaneceu imune às críticas – já existentes àquela época – referentes à impossibilidade de se demonstrar o “poder agir de outro modo”. Não se trata, nesse ponto, de crítica específica à doutrina de Maurach, como se percebe, mas sim uma crítica ao desenvolvimento de uma concepção por ele assimilada.