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A declaração de limitação voluntária – o consentimento informado

No documento Declarações antecipadas de vontade (páginas 107-110)

O consentimento (bem como o dissentimento) corresponde a uma declaração de vontade que visa uma terminada consequência jurídica, a disposição de um direito de personalidade. Contudo, ao prestar consentimento (ou manifestar dissentimento), o titular do direito de personalidade não está a renunciar às consequências jurídicas da violação de tal direito, mas sim a afirmar o exercício do mesmo. Os bens jurídicos visam assegurar o livre desenvolvimento da pessoa, pelo que a disposição de um bem jurídico por parte do seu titular não é uma limitação de tal livre desenvolvimento, mas antes a sua expressão386. O acordo ou o consentimento para a limitação voluntária de direitos de personalidade exprime-se por uma declaração que – com excepção das situações de mero consentimento tolerante – deve considerar-se uma declaração negocial.

Está, por isso, sujeita ao regime geral previsto no Código Civil, nomeadamente ao princípio da liberdade declarativa (artigo 217º nº 1) e ao princípio da liberdade de forma

386 Neste sentido, Geraldo Rocha Ribeiro, A Protecção do Incapaz Adulto no Direito Português, Coimbra

108 (artigo 219º). Pode, por isso, ser conferida expressa ou tacitamente, por um comportamento concludente e não carece de forma escrita387. Nos casos em que surjam dúvidas quanto a saber se se está na verdade perante um consentimento tácito, deverão as mesmas ser resolvidas de harmonia com os critérios gerais de interpretação da declaração negocial, aplicáveis à determinação da concludência do comportamento.

Compete ao respectivo beneficiário e não ao titular do direito, o ónus da prova da existência de um consentimento ou acordo388.

Por força da natureza pessoal dos interesses em causa, deve prestar-se especial atenção à verificação da integridade do consentimento. Esse cuidado deve existir sobretudo em situações de necessidade, dependência ou de inferioridade de poder económico do titular do direito. Exemplo de um caso destes seria o do trabalhador ser levado a limitar a reserva sobre a sua vida privada por temer as consequências de uma eventual recusa ao pedido da entidade patronal nesse sentido (i.e., no sentido de permissão para certas formas de controlo ou para a realização de determinados testes).

Igualmente tendo em atenção a natureza dos interesses envolvidos, impõe-se especial cautela na interpretação da declaração limitativa e determinação dos seus efeitos. Por outro lado, em princípio não serão de admitir declarações de consentimento genérico ou sem qualquer limitação temporal389.

Outras questões relacionadas com a eficácia da declaração de limitação voluntária são ainda as da transmissibilidade dos “direitos” do destinatário da declaração e a da eficácia da limitação em relação a terceiros. Ora, em princípio – e se nada em contrário resultar expressamente da declaração – o consentimento é concedido intuitus personae, não tem eficácia real translativa do direito390, sendo assim necessária autorização do titular do direito para transmissão a terceiros de tal consentimento. Na verdade, o consentimento visa beneficiar um destinatário concreto, pelo que este (até mesmo quando beneficia da atribuição de um poder exclusivo) não dispõe de um direito invocável directamente perante terceiros (seja para efeitos de responsabilidade civil, para recorrer a providências

387 Nesse sentido, cfr. P. Mota Pinto, A limitação voluntária…,op. cit., p. 539 e também Ewald Hörster, A

Parte Geral…,op. cit., p. 269.

388

Assim P. Mota Pinto, idem, op.cit., p. 539, n. 28.

389 Assim, P. Mota Pinto, A limitação voluntária…,op. cit., p. 540, quanto ao direito à reserva sobre a

intimidade da vida privada.

390 A afirmação não é pacífica, já que há autores que sustentam a sua eficácia real, como é o caso de H.

109 destinadas a evitar ofensa ou para pretensões restituitórias em sede de enriquecimento sem causa). Só o titular detém o poder de autorizar a limitação voluntária em benefício de terceiros (sem prejuízo da obrigação de indemnizar o primeiro beneficiário, caso tenha concedido a este exclusividade na limitação).

A declaração de limitação voluntária pode ser anulada ou ser objecto de declaração de nulidade, com fundamento nas regras sobre a incapacidade ou falta ou vício da vontade391, ou com fundamento na sua ilicitude ou contrariedade à ordem pública ou aos bons costumes. Assim, a limitação tem que ser declarada sem divergência, intencional (por simulação, reserva mental e declarações não sérias) ou não intencional (por coacção física, falta de consciência da declaração, erro na declaração e erro na transmissão), com a vontade e esta tem de ter sido formada sem vícios nos termos gerais dos negócios jurídicos392).

No que concerne ao consentimento informado para o acto médico, a doutrina tem-se igualmente pronunciado no sentido de que a regra para a respectiva declaração é a da liberdade de forma393 (artigo 219º do Código Civil e artigo 38º nº 2 do Código Penal), muito embora enfatize a utilidade do consentimento (ou dissentimento) escrito. Existem, no entanto, situações em que se exige o consentimento escrito394. E casos existem, também, em que se exige o consentimento expresso (para além, naturalmente, das que têm que assumir a forma escrita)395.

Ainda relativamente à declaração de consentimento informado para o acto médico, uma problemática que tem merecido a atenção da doutrina é a que se prende com a utilização de

391 Aplicáveis directamente ou, quando se entenda não se tratar de um negócio jurídico, por força do disposto

no artigo 295º do Código Civil.

392 Cf. Capelo de Sousa, O Direito Geral…,op. cit., p. 407, n. 1021. 393

Assim, representativamente, cfr. João Vaz Rodrigues, O Consentimento Informado para o Acto Médico no Ordenamento Jurídico Português, op. cit., p. 425 e passim; Dias Pereira, O Consentimento Informado…,op. cit., p. 481.

394

Assim acontece em matéria de: interrupção voluntária da gravidez (artigo 142º nº 3 alínea a) do Código Penal); esterilização (artigo 10º da lei nº 3/84 de 24 de Março); diagnóstico pré-natal (artigo 3º alínea c) do Despacho nº 5411/97 de 6 de Agosto); testes de biologia molecular em crianças e adolescentes (artigo 7º nº 1 do Despacho nº 9109/97 de 13 de Outubro); prática de electroconvulsoterapia e de intervenções psico- cirúrgicas (artigo 5º nº 1, alínea d) e nº e da Lei de Saúde Mental; ensaios clínicos em seres humanos (artigo 10º do Decreto-Lei nº 97/94; transplantações entre vivos (artigo 19º nº 2 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano Relativa às Aplicações da Biologia e da Medicina, que estipula que o consentimento tem que ser prestado por escrito ou perante uma instancia oficial).

395 Com elenco das situações mais significativas, v. Dias Pereira, O Consentimento Informado…,op cit., pp.

110 minutas pré-elaboradas (formulários) sobretudo pelos Hospitais ou Clínicas396, prática eventualmente condicionadora dos exactos termos, conteúdo e alcance do referido consentimento. A fim de dar resposta à questão, tem-se defendido o controlo de tais formulários através da aplicação das disposições legais relativas às cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95 de 31 de Agosto e pelo Decreto-Lei nº 249/99 de 7 de Julho)397. E quanto à questão do alcance do consentimento informado, são normalmente mobilizados para a discussão o artigo 156º nº 2 alínea b) do Código Penal, o artigo 8º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano Relativa às Aplicações da Biologia e da Medicina e, por vezes (quando perante um contrato civil médico), o artigo 1162º alínea a) do Código Civil. Entende-se que, preenchidos que sejam os requisitos das normas apontadas, o consentimento poderia considerar-se estendido a actos nele não expressamente consignados («extended operations»), sendo certo que existe alguma discussão em torno do exacto teor de tais requisitos.

6. Revogabilidade das limitações voluntárias (rectius, do consentimento e do

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