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Características dos direitos de personalidade 189 Indisponibilidade

No documento Declarações antecipadas de vontade (páginas 55-59)

2. Tópicos de argumentação

2.4. Características dos direitos de personalidade 189 Indisponibilidade

A indisponibilidade é uma característica normalmente apontada aos direitos de personalidade. Para CARVALHO FERNANDES, isso significa que estão subtraídos ao jogo da livre vontade do seu titular, razão pela qual, como regra, o titular de um direito de personalidade não pode validamente renunciar a ele ou limitá-lo190.

187 Não se está a defender a “prevalência” como característica dos direitos de personalidade, mas tão só a

constatar que, em muitas situações concretas, no caso de conflito de direitos (artigo 335º do Código Civil) a jurisprudência tem conferido bastante relevo aos direitos de personalidade; sobre a jurisprudência portuguesa e os direitos de personalidade, com indicação de extensa lista de decisões judiciais, v. Menezes Cordeiro, Tratado, I, Tomo III, op.cit., pp. 64-74.

188 Oliveira Ascensão, Direito Civil, I, op.cit., p. 79, que fornece um exemplo, relacionado com a previsão do

direito à imagem (artigo 79º do Código Civil), afirmando que, não obstante a previsão legal, não se descortina nenhuma exigência ética supra-positiva na faculdade, conferida a um jogador de futebol, de exigir dinheiro pela utilização da sua imagem.

189 Abordam-se apenas as características dos direitos de personalidade com repercussão no tratamento do

tema da presente dissertação.

190

56 Por seu turno, OLIVEIRA ASCENSÃO191 mostra que a indisponibilidade dos direitos de personalidade implica que os mesmos são intransmissíveis (não podem ser objecto de cessão ou sucessão), irrenunciáveis (o titular pode renunciar ao exercício, mas não ao direito em si) e só escassamente restringíveis através de negócio jurídico. Os limites convencionais aos direitos de personalidade, quando admissíveis, estão sujeitos a apertadas reservas, conforme resulta do disposto no artigo 81º do Código Civil.

DE CUPIS também assinala a indisponibilidade dos direitos de personalidade, ou seja, “a falta, no sujeito, da faculdade ou poder de disposição”192, uma vez que os direitos de personalidade estão “subtraídos à disposição individual tanto quanto a própria personalidade”. Por outro lado, a ausência da faculdade de disposição relativamente aos direitos de personalidade “integra-se pela falta da faculdade de renúncia”, já que os mesmos são irrenunciáveis atento o seu carácter de essencialidade. Não constitui renúncia o chamado “consentimento do lesado”, uma vez que “os direitos de personalidade podem ser revestidos daquele particular e mais modesto aspecto da faculdade de dispor que é constituído pela faculdade de consentir na lesão: quando se diz que eles são indisponíveis, desprovidos da faculdade de disposição, a expressão deve ser entendida nestes termos”193. MENEZES CORDEIRO afirma que os direitos de personalidade, por representarem, como quaisquer outros direitos subjectivos, posições de liberdade, implicam disponibilidade, embora com as restrições decorrentes do artigo 81º do Código Civil194, posição que subscrevemos.

Absolutidade195

A separação entre direitos relativos e direitos absolutos tem na sua origem a distinção entre

actio in rem e actio in personam, sendo os direitos relativos uma abstracção a partir destes

últimos e os direitos absolutos uma generalização dos primeiros.

191 Direito Civil, I, op.cit., p. 93.

192 Os Direitos de Personalidade, op.cit., pp. 49, 50, onde se define a faculdade de disposição como a

“faculdade de determinar o destino do direito subjectivo, ou a faculdade de actuar sobre mesmo direito segundo a própria vontade”.

193 Idem, pp. 53-57.

194 Tratado, I, Tomo III, op.cit., p. 107.

195 Na abordagem infra das características dos direitos de personalidade seguiu-se de perto a perspectiva de

57 Numa “formulação moderada”196

, pode dizer-se que são direitos relativos os que subentendem uma relação jurídica entre sujeito activo e sujeito passivo, sendo que sem a posição jurídica de que um deles é titular, a do outro não pode subsistir e vice-versa197. Os direitos absolutos são aqueles cuja existência não depende da presença de outra posição jurídica (passiva) que simetricamente os sustente.

E abstracto, os direitos de personalidade são estruturalmente absolutos, porquanto o seu exercício depende exclusivamente do respectivo titular, não dependendo para o efeito de qualquer conduta de terceiro198. Mas em concreto, i.e. ao produzir-se a sua corporização entre certa ou certas pessoas, desenvolvem-se em termos relativos.

Pessoalidade

Os direitos de personalidade são originários, no sentido de que são conaturais ao sujeito de direito, decorrem exclusivamente do mero reconhecimento da personalidade jurídica199. E são intransmissíveis, uma vez que não se podem separar do seu titular.

A sua pessoalidade tem ainda outra implicação, a saber: são insusceptíveis de exercício por intermédio de terceiro, designadamente mediante a intervenção de procurador. No caso das declarações antecipadas de vontade em matéria de cuidados de saúde, a lei portuguesa (á semelhança do que ocorre em diversos ordenamentos jurídicos) prevê expressamente a figura do procurador de cuidados de saúde, como se analisará infra, o que parece constituir um desvio à regra200.

A imprescritibilidade e a irrenunciabilidade (artigo 69º do CC) são outras características que decorrem da pessoalidade. No entanto, a irrenunciabilidade não impede limitações ou restrições, como decorre do artigo 81º do Código Civil.

A preferência

196 Idem, p.20.

197 O exemplo clássico é o dos direitos de crédito. 198

E, nessa perspectiva, assemelham-se aos direitos reais.

199 Capelo de Sousa, op.cit., p.41.

200 Outro desvio à regra parece ser a possibilidade de persistência do mandato, em certas condições, nas

acções de interdição e na defesa do arguido – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.02.1986, P.73.785, Bol. Do Min. da Just., 354, 473, apud José Alberto González, op.cit., p.36, n.66.

58 Em geral, os direitos de personalidade preferem201 sobre os direitos das demais espécies202

203

. A lista de direitos fundamentais contida na CRP revela uma hierarquia que coloca em primeiro lugar os “Direitos Liberdades e Garantias” pessoais, por força da tutela da dignidade da pessoa humana.

Ora, os direitos de personalidade – tradução privatística dos direitos fundamentais – estão, por isso (em abstracto), no cume da pirâmide dos direitos subjectivos particulares. É por essa razão que, em caso de colisão, prevalecem, em princípio, sobre os demais direitos (artigo 335º nº2 do CC).

Com efeito, atendendo à sua natureza absoluta, dificilmente um facto lesivo de direitos de personalidade estará justificado por um qualquer exercício de um outro direito. Nesses casos poderá haver uma colisão de direitos, perante a qual, o direito de personalidade, em regra, prevalecerá, como se referiu. Este tem sido também o entendimento seguido nos nossos tribunais204.

201 Trata-se de uma preferência tendencial.

202 “na interpretação do artigo 335º do Código Civil a propósito da colisão entre um direito de personalidade

e um outro direito que não de personalidade, devem prevalecer, em princípio, os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.03.1997, Proc. 96B557), apud José Alberto González, op.cit., p.40, n.80.

203 Sobre esta questão, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I Parte Geral, Tomo III

Pessoas, op. cit., pp. 99-100, chama a atenção para o facto de apesar de uma apetência para reconhecer a prevalência dos direitos de personalidade, nenhuma regra a tanto o obriga pelo que, caso a caso, haverá que analisar o regime concretamente aplicável. Ainda do mesmo autor v. Tratado de Direito Civil Português I Parte Geral, Tomo IV, Exercício Jurídico, Almedina, Coimbra, 2004, p. 379 e ss.. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de Fevereiro de 1992 (Relator Almeida Valadas), CJ, Tomo I, 1992, p. 160, também se entendeu que os direitos de diferente natureza em conflito, por exemplo, direitos de personalidade e direitos patrimoniais, não implicam sempre e necessariamente a prevalência de uns sobre outros, tudo dependendo da relatividade concreta dos interesses e dos factos provados.

204 Assim: Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29 de Outubro de 2003 (MANSO

RAINHO) a providência cautelar que proíba o funcionamento de máquinas entre as 21 horas e as 8 horas do dia seguinte, cuja utilização impede o repouso, não pode ser recusada com uma suposta perda dos postos de trabalho dos trabalhadores da unidade fabril, porque num eventual conflito, os direitos em confronto são de espécies diferentes e desiguais, prevalecendo os direitos de personalidade das pessoas afectadas pelos ruídos, sobre os de carácter patrimonial dos trabalhadores. No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Janeiro de 2002 (SILVA FREITAS; QUINTELA PROENÇA voto vencido), afirma-se que os direitos de personalidade devem considerar-se superiores ao direito ao trabalho e livre iniciativa económica, o que não significa sempre a proibição total do direito inferior, havendo situações em que pode ser parcialmente exercido, desde que não colida com a tutela razoável do direito superior. Segundo o Acórdão do STJ, de 26 de Setembro de 2000 (SILVA SALAZAR), a aplicação do artigo 335.º do Cód. Civil conduz a que a liberdade de expressão não possa atentar, em princípio, contra o direito ao bom nome e reputação, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação. No Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Fevereiro de 2000 (TAVEIRA BARROS)(39), decidiu-se que os direitos de personalidade prevalecem sobre o direito de propriedade, mas este não pode aprioristicamente ser sacrificado àquele, havendo que, caso a caso, averiguar se a prevalência dos primeiros não resulta em desproporção intolerável face aos interesses em juízo. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Junho de 1999 (BETTENCOURT FARIA), o direito à

59 Ainda a este propósito, MENEZES CORDEIRO205 chama a atenção para o “facto de a actividade danosa estar lançada pela autoridade pública competente», conforme sucede muitas vezes com bares, discotecas ou outros estabelecimentos comerciais, «não legitima o atentado à vida ou à integridade física (ou moral) dos cidadãos, nem coíbe os tribunais comuns de se ocuparem do assunto”. Quanto muito, o ” facto […] poderá apenas constituir uma presunção de que os direitos de terceiros não são atingidos. Mas é possível a contradita”.

No caso da declaração antecipada de vontade em matéria de cuidados de saúde exprime-se a liberdade pessoal do seu autor que pode entrar em conflito com o dever de tratamento que incide sobre o médico (por exemplo, na situação de recusa de um determinado tratamento). Não se trata tanto de uma colisão de direitos, mas de cum conflito entre um direito (de personalidade) do autor da declaração e um dever do médico. Nesse conflito prevalece o direito de personalidade do autor da declaração validamente feita206.

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