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Directivas antecipadas de vontade – requisitos legais

No documento Declarações antecipadas de vontade (páginas 190-194)

A Lei (Capítulo II, artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º)711 regula as "diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital", explicando que se trata de "documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente" (artigo 2º, nº1).

É possível discernir, no texto legal, as características (rectius, os requisitos) que o legislador associa às directivas antecipadas de vontade.

Algumas traduzem-se em requisitos de forma, a saber (artigos 1º nº1 e 3º nº1):

710 Nº 788/X.

711 As referências a artigos ou preceitos legais, entendem-se feitas a artigos da Lei nº25/2012 de 16 de Julho,

191 i. documento escrito712;

ii. assinado presencialmente perante funcionário devidamente habilitado do Registo Nacional do Testamento Vital ou notário713.

Outras respeitam ao próprio conteúdo essencial (no sentido de exigível, para que seja uma directiva antecipada de vontade, com as legais consequências daí decorrentes) do documento (artigos 1º, 3º, nºs 1 e 2):

i. a manifestação antecipada de vontade, clara e inequívoca, no que concerne aos cuidados de saúde que o outorgante deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, vier a encontrar-se incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente (artigo 1º nº1)714, i.e. "as situações clínicas em que as diretivas antecipadas de vontade produzem efeitos" bem como as "opções e instruções relativas a cuidados de saúde que o outorgante deseja ou não receber" (artigos 3º, nº1 c) e d) e 5º c) );

ii. a identificação completa do outorgante (artigo 3º, nº1 a)); iii. o lugar, a data e a hora da sua assinatura (artigo 3º, nº1 b));

iv. a proibição de directivas antecipadas que sejam contrárias à lei, à ordem pública ou determinem uma actuação contrária às boas práticas médicas (artigo 5º a))715; v. a proibição de directivas antecipadas cujo cumprimento possa provocar

deliberadamente a morte não natural e evitável, tal como prevista nos artigos 134º e 135º do Código Penal (artigo 5º b)) que versam, respectivamente sobre "homicídio a pedido da vítima" e "incitamento ou ajuda ao suicídio".

Outras ainda constituem requisitos de "capacidade" do outorgante de directivas antecipadas de vontade, preenchidos no momento da assinatura do documento:

712 Prevê-se a aprovação de um "modelo de diretivas antecipadas de vontade, de utilização facultativa pelo

outorgante" (artigo 3º nº3).

713 Do documento poderá igualmente constar a assinatura (e identificação) do médico que o outorgante

escolha para 'colaborar' na sua 'elaboração', "se for essa a opção do outorgante e do médico" (artigo 3º nº2).

714 No nº2 do citado preceito o legislador elenca algumas dessas possíveis manifestações de vontade em

matéria de cuidados de saúde.

715 Em bom rigor, o legislador não proíbe expressamente, mas comina 'tais diretivas' com a inexistência

192 i. tem que ser maior de idade, i.e., ter dezoito (ou mais) anos de idade (artigo 4º a) e

artigo 130º do Código Civil);

ii. tem que se encontrar capaz de dar o seu consentimento consciente, livre e esclarecido (artigo 4º c));

iii. não pode encontrar-se interdito ou inabilitado por anomalia psíquica (artigo 4º b)).

Para além dos apontados requisitos quanto à forma, ao conteúdo e à capacidade do outorgante, importa ainda fazer referência a três outras questões que a lei aborda expressamente no que concerne às diretivas antecipadas de vontade.

Uma de tais questões resulta do artigo 8º. Sob a epígrafe "Modificação ou revogação do documento", estabelece no nº1 que o documento de diretivas antecipadas de vontade é "revogável ou modificável, no todo ou em parte, em qualquer momento, pelo seu autor", esclarecendo, no entanto o nº2 que "a modificação ... está sujeita à forma prevista no artigo 3º"716.

Esta sujeição (à forma prevista no artigo 3º) não é, contudo, absoluta, na medida em que o nº4 vem permitir que o outorgante possa, a qualquer momento e mediante declaração oral ao responsável pela prestação de cuidados de saúde, modificar ou revogar o seu documento de directivas antecipadas de vontade717.

Outra relevante matéria abordada no diploma legal em análise é a da "eficácia do documento" (para usar a terminologia da epígrafe do artigo 6º). O nº1 do artigo 6º estabelece o princípio geral, segundo o qual o conteúdo do documento de diretivas antecipadas de vontade deve ser respeitado (é seguramente nesta obrigação de 'respeito' que reside a eficácia do documento) por quem prestar cuidados de saúde, desde que o dito documento conste do Registo Nacional de Testamento Vital (RENTEV) ou seja entregue "à equipa responsável pela prestação dos cuidados de saúde pelo outorgante ou pelo procurador de cuidados de saúde".

716

Como resulta do que se vem expondo, e pese embora a sua epígrafe ("Forma do documento"), o artigo 3º não contém apenas referência a requisitos de forma, mas também a exigências de conteúdo do documento - cf., nesse sentido, todas as alíneas no nº1 do dito preceito.

717 Devendo tal modificação ou revogação "ser inscrito no processo clínico, no RENTEV, quando aí esteja

193 No entanto, prevê o legislador (no nº2 do artigo 6º) três situações em que as directivas antecipadas de vontade "não devem ser respeitadas", ou seja, situações nas quais a obrigação de quem presta cuidados de saúde é, em tais casos, a de não respeitar o documento. Assim será quando:

i. Se comprove que o outorgante não desejaria manter as directivas antecipadas de vontade constantes de documento que tenha outorgado;

ii. Se verifique evidente desactualização da vontade do outorgante face ao progresso dos meios terapêuticos, entretanto verificado;

iii. As directivas antecipadas de vontade não correspondam às circunstâncias de facto que o outorgante previu no momento da sua assinatura.

Existe uma situação em que o prestador de cuidados de saúde "não tem o dever de ter em consideração" as directivas antecipadas de vontade: em caso de "urgência ou de perigo imediato para a vida do paciente" e em que o acesso às directivas possa implicar "uma demora que agrave, previsivelmente, os riscos para a vida ou a saúde do outorgante" (artigo 6º, nº4).

Não é tanto um problema de falta de eficácia jurídica do documento em si mesmo, mas trata-se antes de, verificados que sejam certos pressupostos, permitir prestar cuidados de saúde sem que, previamente, se averigue se existem, ou não, directivas antecipadas de vontade; ou, caso se saibam que existem mas por alguma razão se desconheça o seu conteúdo, permitir prestar cuidados de saúde sem verificar, previamente, o seu conteúdo. Seja como for, estamos perante situações nas quais é permitido prestar cuidados de saúde sem conhecer o conteúdo de eventuais directivas antecipadas de vontade.

Deste artigo 6º, nº4 parece lícito retirar duas outras ideias. Uma, a contrario sensu, é a de que, pese embora se possa ter iniciado a prestação de cuidados de saúde sem 'ter em consideração' directivas antecipadas de vontade (exatamente porque no momento do início da prestação de tais cuidados de saúde se verificavam os pressupostos enunciados no nº4 do artigo 6º), ainda assim, logo que sejam entregues (eventuais) diretivas antecipadas de vontade aos prestadores de cuidados médicos, deverão estes (a partir de tal momento) passar a prestá-los, ou deixar de os prestar, em harmonia com o teor do documento que lhe for presente.

194 A outra ideia - talvez mais ténue ou subtil, mas que se ousa referir - pode ser a de que o nº4 do artigo 6º parte do pressuposto de que se espera do prestador de cuidados de saúde que este diligencie no sentido de verificar a eventual existência de directivas antecipadas de saúde que possam não estar registadas no RENTEV (uma vez que, quanto a estas últimas, tal obrigação legal de o prestador de cuidados de saúde718 se 'assegurar da existência de directivas antecipadas' resulta directamente do artigo 17º, nº1).

Finalmente, outra questão merecedora de referência é a do artigo 7º, sob a epígrafe: "Prazo de eficácia do documento" e que mereceu supra tratamento autónomo a propósito da actualidade da vontade do outorgante do documento de directivas antecipadas de vontade.

3. A possibilidade de representação legal – procurador e procuração de cuidados

No documento Declarações antecipadas de vontade (páginas 190-194)

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