• Nenhum resultado encontrado

Suprimento da capacidade de exercício do menor – as responsabilidades como fórmula paradigmática de suprimento

No documento Declarações antecipadas de vontade (páginas 171-174)

2. Consequências – o caso particular dos menores 1 Considerações gerais

2.3. Suprimento da capacidade de exercício do menor – as responsabilidades como fórmula paradigmática de suprimento

O poder paternal (rectius, as responsabilidades parentais) é admitidamente a fórmula paradigmática de suprimento da incapacidade de exercício dos menores, traduzindo-se “no complexo de poderes e deveres que a lie atribui ou impõe aos pais para regerem a pessoa e os bens dos filhos menores”644

.

O artigo 1878º. nº 1 do Código Civil, explicitando o conteúdo das responsabilidades parentais, diz que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e

saúde destes, prover aos seus sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.

641

Idem, p. 194.

642 Esta regra de incapacidade geral de exercício tem excepções de que se dará conta infra.

643 Nesse sentido cf. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, op.cit., pp. 222-224. 644 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I, Introdução

172 É pacífica a doutrina que, quanto à natureza do poder paternal, o classifica como um conjunto de poderes deveres ou poderes funcionais cometidos a ambos os progenitores a fim de que estes realizem e promovam o interesse do filho645.

Do teor do referido artigo 1878º parece resultar que o conteúdo das responsabilidades parentais se apresenta em dois planos, sendo um relativo aos bens do filho (administração dos bens e representação – artigos 1888º a 1900º. do Código Civil) e outro relativo à pessoa do filho (segurança, saúde, sustento, educação – artigos. 1885º. a 1887º. do Código Civil).

Daqui decorre que é aos pais (detentores do poder paternal) que cabe, em primeiro lugar, zelar pela protecção da saúde do menor. Isto não pode querer dizer outra coisa que não seja a atribuição aos pais de um direito de decidir pelo filho no que disser respeito a cuidados de saúde. Dito de outra maneira, são em princípio os pais que, na qualidade de representantes legais do filho, têm o direito de autorizar ou recusar a intervenção ou tratamento sobre este.

Neste sentido, milita também o teor do nº. 2 do artigo 6º. da Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina, onde se lê : “Quando, de acordo com a lei, um menor não tem a capacidade para consentir numa intervenção, a intervenção apenas pode ser efectuada com a autorização do seu representante, de uma autoridade ou de uma pessoa ou entidade designada pela lei”. Em o nº. 3 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde que afirma : “Relativamente a menores e incapazes, a lei deve prever as condições em que os seus representantes legais podem exercer os direitos que lhes cabem, designadamente, o de recusarem a assistência, com observância dos princípios constitucionais definidos”.

Entendimento, aliás, que se subscreve nos termos colocados por ARMANDO LEANDRO: “independentemente, porém da sua qualificação jurídica rigorosa, parece dever-se concluir que o Estado e terceiros têm, em principio, um dever geral de abstenção relativamente a esse poder; assim se respeita um dos aspectos mais relevantes da intimidade da vida familiar”646

.

Importa, contudo, recordar um aspecto que a doutrina tem feito notar relativamente às decisões dos pais relativamente aos filhos em matéria de saúde. Tais decisões não se

645 Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, op.cit., pp. 170, 171 e 225. 646

173 reconduzem à ideia de um verdadeiro e próprio consentimento, uma vez que este é, por definição, um acto pessoal que se traduz na expressão de vontade da pessoa a cujo corpo respeita a intervenção ou tratamento médico. Daqui extraem-se diversas ilações, sendo que a primeira a de que a liberdade pessoal em que assenta o consentimento “não se comunica ao representante legal”647

. A ser assim, a decisão tomada pelos pais ao abrigo do exercício das responsabilidades parentais traduz-se não num consentimento, mas sim numa autorização dos pais para a prática de determinadas intervenções ou tratamentos médicos sobre o filho. Sustentando esta posição, NATHALIE GIRARD afirma que é “impossível para o titular do poder paternal ou mesmo para um tribunal dar um consentimento em nome da criança; Neste caso deve antes falar-se de uma autorização” e ainda que “o titular do poder paternal...dará uma autorização para cuidados de saúde e não um consentimento”648

.

Ou seja, a faculdade que os pais têm de decidir sobre o menor não se funde no direito à autodeterminação dos pais (que, no caso, não serão os pacientes), mas antes no exercício do poder dever de zelar pela sua saúde.

A doutrina costuma apontar excepções ou limites para o exercício, pelos pais, do poder de consentir ou recusar tratamento médico relativamente aos filhos.

Tais apontadas excepções são normalmente três, a saber:

i. As que resultam da acção do Estado no cumprimento de politicas de saúde pública: é, por exemplo, o caso das intervenções médicas, ditadas por razões de saúde pública, que se traduzem na vacinação e sujeição a certos exames para se determinar certas doenças

ii. As que resultam de circunstâncias em que a autorização dos pais não é possível de obter: são situações em que o médico não consegue atempadamente solicitar e obter a autorização dos pais e existe uma situação de urgência relativamente à integridade física ou vida do menor; porque a noção de urgência pode limitar a autorização dos pais, “deve ser interpretada restritivamente”649

.

647

Costa Andrade, Anotação ao artigo 156º .Comentário Conimbricense, cit. p.383.

648 Le consentement du mineur aux soins médicaux, Lés éditions Yvon Blais, Inc., Cowansville, 1993, pp. 48,

49.

649 Rosa Cândido Martins, A criança, o adolescente e o acto médico, o problema do consentimento, op.cit., p.

174 iii. As que resultam da idade e da capacidade de discernimento do menor as situações que aqui se podem conceber respeitam ao que tem sido designado como um novo ramo da capacidade de exercício e de que se passa agora a dar conta.

No documento Declarações antecipadas de vontade (páginas 171-174)

Outline

Documentos relacionados