A divisão entre objetivismo e subjetivismo permeia e em certa medida
fundamenta as demais dicotomias e fronteiras existentes nas ciências sociais. Por
objetivismo, podemos compreender a maneira de pensar que estabelece estruturas,
regularidades, leis, sistemas de relações (etc.) independentes das consciências e
vontades dos agentes; e, por subjetivismo, a maneira de pensar que considera as
percepções, representações e o sentido vivido das práticas, mas sem considerar as
condições sociais e econômicas que fundamentam tais experiências.
Vale lembrar que a dicotomia entre objetivismo e subjetivismo está na base
da origem de diversas teorias e escolas de pensamento, e é uma divisão
especialmente difícil de ser contornada ou desconstruída porquanto, como lembra
Bourdieu, guarda uma forte homologia com outras divisões que organizam a
percepção do mundo social e político:
Quiero volver ahora sobre la más profunda antinomia, en la que todas las divisiones del campo científico-social están fundadas en última instancia, a saber, la oposición entre objetivismo y subjetivismo. Esta dicotomía básica corre pareja a series enteras de otras oposiciones como materialismo versus idealismo, economicismo versus culturalismo, mecanicismo versus finalismo, explicación causal versus comprensión interpretativa. Como un sistema mitológico en el que cada oposición, alto/bajo, macho/hembra, seco/húmedo, está sobredeterminada y mantiene relaciones homólogas con todas las demás, así también estás oposiciones científicas contaminan y refuerzan cada una de las demás para moldear las prácticas y los productos de la ciencia social. Su poder estructurante es el más grande toda vez que mantienen una fuerte afinidad con las oposiciones fundamentales que organizan la percepción ordinaria del mundo social y político, tales como individuo versus sociedad (o individualismo versus socialismo). En efecto, tales parejas de conceptos (paired concepts) están tan profundamente arraigadas en el sentido común tanto científico como profano, que solamente mediante un extraordinario y constante esfuerzo de vigilancia epistemológica, el sociólogo puede tener esperanzas de escapar a esas falsas alternativas. (BOURDIEU, 200013)
Trata-se, portando, de uma dicotomia em relação à qual devemos estar
sempre vigilantes, a fim de que ela não comprometa a construção do objeto da
pesquisa até porque, embora esteja profundamente enraizada no senso comum —
inclusive no senso comum douto — ela é na realidade uma falsa dicotomia, pois
13 “Eu quero voltar agora à antinomia mais profunda, na qual todas as divisões do campo das ciências sociais são fundadas, em última análise, ou seja, a oposição entre objetivismo e subjetivismo. Essa dicotomia básica corre ao lado de séries inteiras de outras oposições, como o materialismo versus idealismo, economicismo versus o culturalismo, mecanicismo versus finalismo, explicação causal versus compreensão interpretativa. Como um sistema mitológico em que cada oposição, alto/baixo, masculino/feminino, seco/molhado, está sobredeterminada e mantém relações homólogas com todas as demais, assim também estas oposições científicas contaminam e reforçam cada uma das demais para moldar as práticas e os produtos da ciência social. Seu poder estruturante é o maior sempre que mantem uma forte afinidade com as oposições fundamentais que organizam a percepção comum do mundo social e político, como indivíduo versus sociedade (ou individualismo versus socialismo). De fato, tais pares de conceitos (paired concepts) estão tão profundamente enraizados no senso comum, tanto científico quanto leigo, que somente através de um esforço extraordinário e constante de vigilância epistemológica, o sociólogo pode ter esperança de escapar dessas falsas alternativas.”
como lembra Alicia Gutiérrez, o social tem dupla existência, nas coisas e nos corpos,
e uma ciência social rigorosa deve dar conta tanto dos aspectos objetivos quanto
dos subjetivos:
En su momento objetivista — objetivismo provisorio —, la Sociología analiza campos de posiciones relativas y de relaciones objetivas entre esas posiciones; en su momento subjetivista, analiza las perspectivas, los puntos de vista que los agentes tienen sobre la realidad, en función de su posición en el espacio social objetivo. (GUTIÉRREZ, 201214)
Objetivismo e subjetivismo não devem ser pensados, portanto, como
alternativas que se excluem, mas como momentos ou etapas de uma mesma
investigação científica. É necessário, inclusive, que a relação entre os momentos
objetivo e subjetivo seja dialógica a fim de se promover uma aproximação adequada
ao objeto. Na presente pesquisa, por exemplo, é possível perceber aspectos
objetivistas na construção do campo das instituições, a partir do que é o quadro dos
caracteres pertinentes, na forma como o habitus é construído — a alusão à metáfora
da pinguinização de Warat é válida — e em certo sentido, indiretamente, na própria
Análise de Conteúdo, que tem origens objetivistas, embora sendo apropriada pelas
abordagens subjetivistas e, na presente pesquisa, tenha sido aplicada sobre
entrevistas semiestruturadas, nas quais aparecem precisamente os aspectos
subjetivistas relacionados à trajetória de cada entrevistado.
Mencionamos anteriormente como a adoção da ciência social reflexiva de
Bourdieu é um convite a ignorar solenemente as fronteiras disciplinares, e é essa
mesma ciência social que permite contornar a dicotomia entre objetivismo e
subjetivismo a partir de um dos seus conceitos fundamentais, o habitus, que é o
instrumento de pensamento adequado para compreender como o social tem a dupla
existência anteriormente mencionada. Por enquanto precisamos retomar o que
dissemos anteriormente sobre esta ser uma pesquisa cuja coleta principal dos dados
14 Tradução nossa: “Em seu momento objetivista — objetivismo provisório —, a sociologia analisa campos de posições relativas e de relações objetivas entre essas posições; em seu momento subjetivista, analisa as perspectivas, os pontos de vista que os agentes têm sobre a realidade, em função de sua posição no espaço social objetivo.”
foi realizada predominantemente dentro do que usualmente se chama de pesquisa
qualitativa, outra questão relacionada ao objetivismo e ao subjetivismo.
Esta posición objetivista está representada hoy en la ciencia social americana por el funcionalismo, las aproximaciones evolutiva y ecológica, o la teoría de las redes, y domina la mayoría de los subcampos especializados tratando las instituciones (tales como organizaciones formales o estratificación) desde un punto de vista externo. En un nivel más “metodológico”, este punto de vista estructuralista está orientado al estudio de mecanismos objetivos o estructuras latentes profundas y de los procesos que las producen y reproducen. Este acercamiento se apoya en técnicas de investigación objetivistas (por ejemplo, encuestas, cuestionarios estandarizados) e incorpora lo que yo denomino una visión tecnocrática o epistemocrática en la que sólo el académico puede captar una imagen completa del mundo social, que los agentes individuales sólo aprehenden parcialmente. (...)
Por otro lado, la sociología puede reducir el mundo social a las meras representaciones que los agentes tienen de él; la tarea de la ciencia se convierte entonces en producción de un meta-discurso, un “informe de informes”, como la planteó Garfinkel, dado por agentes sociales en el curso de sus actividades cotidianas. Hoy día esta posición subjetivista está representada principalmente por la antropología simbólica, la sociología fenomenológica y hermenéutica, el interaccionismo y la etnometodología. (Es verdad que estas dos perspectivas opuestas sólo en raras ocasiones se presentan de la forma pura que estoy describiendo). En términos de método, este punto de vista está generalmente asociado con los denominados métodos “cualitativos” o naturalistas, tales como la observación participante, la etnografía, el análisis del discurso, o el auto-análisis. A los ojos de los científicos sociales objetivistas o “duros”, ello representa la expresión quintaesencial de una sociología “fuzzywuzzy”. Irónicamente, sin embargo, esta forma académicamente despreciada de observar el mundo social está generalmente más cerca de la realidad, más atenta a los aspectos concretos y detallados de las instituciones que en la aproximación objetivista. Por otra parte, esta sociología “blanda” es a menundo más ingeniosa, imaginativa y creativa en sus investigaciones que la ardua maquinaria de esas burocracias encuestadoras que, en nombre de una división del trabajo que otorga el cuestionario a los profesores y relega la labor de encuestado a estudiantes o a entrevistadores profesionales, impide el contacto directo entre el investigador y esa realidad que él o ella pretende describir empíricamente. Adoptar el punto de vista del agente hace al sociólogo subjetivistamente-tendencioso menos propenso a la indulgencia con esas visiones de la vida social arrogantes y omniabarcantes, que ponen al científico en el lugar de la divinidad. (BOURDIEU, 2000, grifamos15)
15 Tradução nossa: “Esta posição objetivista está representada hoje na ciência social americana pelo funcionalismo, as aproximações evolutiva e ecológica, ou a teoria das redes, e domina a maioria dos subcampos especializados tratando as instituições (tais como organizações formais ou estratificação) de um ponto de vista externo. Em um nível mais ‘metodológico’, esse ponto de vista estruturalista está orientado ao estudo de mecanismos objetivos ou estruturas latentes profundas e dos processos que as produzem e reproduzem. Esta abordagem se baseia em técnicas de investigação objetivistas (por exemplo, pesquisas [de opinião], questionários
Como vemos, objetivismo e subjetivismo se manifestam na escolha de
técnicas de coletas de dados e na própria adoção de métodos quantitativos ou
qualitativos — e, eventualmente, dependendo do lugar, no enredamento em uma
determinada disciplina: uma antropologia subjetivista ou uma sociologia objetivista.
Se por um lado já sabemos que essa dicotomia é falsa e uma ciência
rigorosa deve compreender as duas abordagens — objetivista e subjetivista —, por
outro lado, é preciso observar, com o próprio Bourdieu, que embora seja criticada
pelos objetivistas e não goze do mesmo prestígio das abordagens quantitativas em
geral, a perspectiva que usualmente se chama de qualitativa tende a se aproximar
mais da realidade e a ser mais atenta aos detalhes e aspectos concretos das
instituições.
Nesse sentido, confrontar a dicotomia objetivismo versus subjetivismo e
objetivar a valorização do quantitativo — associado ao objetivismo — é um exercício
necessário porque somos constantemente expostos a dados pretensamente
quantitativos incluídos em discursos que tentam legitimar determinadas informações
padronizados) e incorpora o que eu denomino uma visão tecnocrática ou epistemocrática na qual apenas o acadêmico pode captar uma imagem completa do mundo social, que os agentes individuais só apreendem parcialmente. (…)
Por outro lado, a sociologia pode reduzir o mundo social às meras representações que os agentes possuem dele; a tarefa da ciência se converte então na produção de um metadiscurso, um ‘informe de informes’, como proposto por Garfinkel, dado por agentes sociais no curso de suas atividades cotidianas. Hoje em dia essa posição subjetivista está representada principalmente pela antropologia simbólica, pela sociologia fenomenológica e hermenêutica, o interacionismo e a etnometodologia. (É verdade que estas duas perspectivas opostas só se apresentam da forma pura que estou descrevendo em raras ocasiões). Em termos de método, este ponto de vista está geralmente associado com os denominados métodos ‘qualitativos’ ou naturalistas, tais como a observação participante, a etnografia, a análise de discurso, ou a autoanálise. Aos olhos dos cientistas sociais ‘duros’, ele [o ponto de vista subjetivista] representa a expressão quintessencial de uma sociologia ‘ fuzzywuzzy’ [fofinha]. Ironicamente, entretanto, esta forma academicamente desprestigiada de observar o mundo social está geralmente mais próxima da realidade, mais atenta aos aspectos concretos e detalhados das instituições que a aproximação objetivista. Além disso, esta sociologia ‘branda’ é mais engenhosa, imaginativa e criativa em suas investigações que o pesado maquinário dessas burocracias quantitativas [encuestadoras] que, em nome de uma divisão do trabalho que outorga o questionário aos professores e relega o trabalho de pesquisa aos estudantes ou a entrevistadores profissionais, impede o contato direto entre o investigador e essa realidade que ele ou ela pretende descrever empiricamente. Adotar o ponto de vista do agente faz ao sociólogo subjetivamente-tendencioso menos propenso à indulgencia com essas visões da vida social arrogantes e omniabarcantes, que colocam o cientista no lugar de uma divindade.”
e concepções de mundo. Podemos citar exemplos disso no censo, na audiência dos
programas de TV, nas informações mais variadas de jornais e revistas — e.g.
informações como houve um aumento de tantos pontos percentuais em relação ao
ano passado..., ou tantos porcento dos leitores dizem que… —, enquetes em sites
na internet, pesquisas eleitorais etc. Esta problematização se torna especialmente
necessária diante do uso que faremos dos dados relacionados ao ensino superior no
Brasil e em Pernambuco, os dados devem ser tomados — e eventualmente
criticados — como algo útil à pesquisa, e não como a legitimação de uma suposta
verdade objetivista.
Ainda que nem sempre se tenha consciência disso, todos esses apelos à
quantidade legitimam abordagens quantitativas na medida em que se pretendem
legítimos, ou seja, (re)constroem uma legitimidade dos procedimentos quantitativos
ao evocar esquemas de percepção, compreensão e ação, e ao produzir uma noção
de objetividade quantitativa que, embora seja questionável, raramente é
questionada. Na maioria das vezes aceita-se esse apelo ao quantitativo sem uma
reflexão mais profunda, quando se questiona a legitimidade da instituição — e.g.
frases como este instituto sempre dá vantagem aos candidatos do partido… — mas
nunca ao método em si, e é por isso que é necessário fazer uma objetivação, mais
longa do que se gostaria, sobre o quantitativo, sua relação com o qualitativo, e
questões conexas.
Além disso, é preciso mencionar a homologia entre as abordagens
quantitativas — e o próprio objetivismo — e o modelo tipicamente moderno de
racionalidade instrumental — que, como já ficou claro, não se confunde com o
surracionalismo que adotamos —, pois conforme Maria Cecília Minayo (2013
[1993]), “os cientistas sociais que trabalham com estatística visam a criar modelos
abstratos ou a descrever e explicar fenômenos que produzem regularidades”, e essa
busca por regularidades, por padrões, por leis, se relaciona à pretensão de controlar
a vida social como as ciências da natureza permitiram controlar a própria natureza,
praticamente uma máxima de Comte, savoir pour prévoir, prévoir pour pouvoir.
16 16 Tradução nossa: “saber para prever, prever para poder”.O fato de que, por muito tempo, as ciências estiveram ligadas a um modelo
quantitativo ou numérico se relaciona, portanto, à própria pretensão de descobrir um
conhecimento verdadeiro (racional ou empiricamente comprovado, por dedução ou
indução), já que um conhecimento verdadeiro seria, em última análise, aplicável a
todos os casos. Daí não seria difícil se pressupor, implícita ou explicitamente, que a
maneira mais segura de se atingir essa verdade seria analisar todos os casos
existentes ou, pelo menos, todos os casos a que se tem acesso. Pensar dessa
forma é um erro, como lembra Miriam Goldenberg, mesmo nas pesquisas
quantitativas, a subjetividade também está presente:
Anteriormente as ciências se pautavam em um modelo quantitativo de pesquisa, em que a veracidade de um estudo era verificada pela quantidade de entrevistados. Muitos pesquisadores, no entanto, questionam a representatividade e o caráter de objetividade de que a pesquisa quantitativa se revestia. É preciso encarar o fato de que, mesmo nas pesquisas quantitativas, a subjetividade do pesquisador está presente. Na escolha do tema, dos entrevistados, no roteiro de perguntas, na bibliografia consultada e na análise do material coletado, existe um autor, um sujeito que decide os passos a serem dados. Na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc. (GOLDENBERG, 2011)
Como já foi dito, a realização de uma entrevista ou a aplicação de um
questionário coloca para a pessoa que responde questões sobre as quais ela não
necessariamente refletiria. Tais questões são parte da construção do objeto pelo
pouco a pouco, sobre bases industriais e a atividade da produção torna-se o único e permanente objetivo. É essa idade instaurada pelo positivismo, idade ‘pacífica e industrial’, idade em que a ciência, com a descoberta das leis naturais, se empenha em realizar a total submissão da natureza ao homem: saber para prever, prever para poder.
Isto é, segundo Comte, o conhecimento das relações constantes entre os fenômenos torna possível determinar o seu futuro desenvolvimento. A previsibilidade científica permite o desenvolvimento. A previsibilidade científica permite o desenvolvimento das técnicas, e assim o estado positivo corresponde à indústria, no sentido da exploração da natureza pelo homem.
Pode-se notar que a lei dos três estados de Comte revela o caráter de sua utopia, isto é, a sociedade capitalista idealizada à qual ele procura conferir as virtudes de uma sociedade orgânica, historicamente necessária, estágio final da evolução progressiva da humanidade em direção ao espírito positivo. Progresso, como em Condorcet, que é uma lei necessária da história humana e, enquanto tal, legitimadora da ordem burguesa de seu tempo.” (SIMON, 1986, p. 69-70)
pesquisador, assim como todo o processo que envolve a interpretação das
respostas obtidas. Essa adesão aos modos quantitativos em detrimento dos
qualitativos, na realidade, é uma crença ingênua numa verdade como
correspondência plena do objeto cientificamente construído com o real, que seria,
em última análise, um monstro epistemológico. Como já se sabe, o erro é o motor do
conhecimento, e um conhecimento rigoroso é um conhecimento retificado,
construído em aproximações sucessivas.
Necessário relembrar, entretanto, que esse senso comum de apego à
quantidade como verdade permeou as ciências do homem durante muito tempo. Na
sociologia, por exemplo, temos a importância atribuída a Parsons, Merton e
Lazarsfeld, os dois primeiros teóricos por excelência
17e Lazarsfeld cuja formação
estava ligada às ciências exatas (tinha inclusive um doutorado em Matemática), foi o
principal responsável pela adoção do survey como método por excelência da
pesquisa empírica em sociologia.
18Por intermédio da tríade capitolina de Parsons, Merton e Lazarsfeld, a sociologia norte-americana impunha à ciência social um 17 Segundo Becker, embora poucas pessoas tenham estudado a obra de Parsons, foi ele quem estabeleceu a teoria como especialidade: “Parsons leu e digeriu Durkheim, Weber, Pareto, Alfred Marshall, o economista, e escreveu um gigantesco livro teórico, publicado no final dos anos 30, que muito pouca gente leu. Acho que de certa forma ele prestou um grande desserviço, porque se concentrou nos elementos abstratos que havia no trabalho desses autores. Ele prestou um outro grande desserviço, na minha opinião, quando tomou possível para as pessoas terem a teoria como especialidade. Antes dele, acho que ninguém era teórico como especialidade. As pessoas trabalhavam e pensavam sobre os assuntos, pesquisavam e tinham idéias gerais. Isso são coisas conjuntas. Com Parsons a teoria passou a ser um campo específico.
Na realidade, nem a história das idéias nem a filosofia de Parsons foram relevantes para as pesquisas que as pessoas faziam. O que senti, quando chamei para trabalhar comigo pessoas que haviam sido alunos de Parsons, foi que depois de terem aprendido as idéias de Parsons eles ainda precisavam aprender algo mais para poderem se dedicar à pesquisa. As idéias que tinham eram tão abstratas tão gerais que não forneciam nenhuma pista para eles lidar com qualquer estudo de fenômenos sociais concretos.” (BECKER, 2003 [1990], p. 96)
Na mesma entrevista, Becker fala sobre a colaboração entre Lazarsfeld e Merton, o primeiro desenvolvendo métodos do tipo survey, e o segundo fazendo a articulação teórica desse trabalho, conferindo-lhe respeitabilidade acadêmica. Becker observa, ainda, que Samuel Stouffer e Parsons tentaram trabalhar juntos, mas a excessiva abstração das ideias de Parsons inviabilizou a colaboração: “Harvard, com Parsons, tomou-se importante. Stouffer também estava lá, era o pesquisador. Parsons e Stouffer nunca tiveram uma colaboração estreita como Lazarsfeld e Merton. Até que tentaram, mas as idéias de Parsons eram tão abstratas que não foi possível.” (BECKER, 2003 [1990], p. 98)
conjunto azeitado de mutilações das quais me parecia indispensável liberá- la, pelo caminho de um retorno aos textos de Durkheim e de Max Weber, ambos anexados, e desfigurados, por Parsons (a obra de Weber devendo ser ademais repensada de cabo a rabo, com vistas a desprendê-la do revestimento neokantiano com que tinha sido embalada por Aron, seu introdutor na França). Todavia, para combater essa ortodoxia planetária, era preciso desde logo se engajar em pesquisas empíricas teoricamente inspiradas, rechaçando tanto a submissão pura e simples à definição dominante da ciência como a recusa obscurantista de tudo o que pudesse