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Dissemos anteriormente que a concepção relacional de ciência tem um

débito considerável com Kant. Embora não tenhamos a pretensão ou a possibilidade

de fazer uma investigação aprofundada da filosofia kantiana, temos o dever de

advertir que, diferentemente do que possa ser sugerido pelos manuais que lhe

dedicam um breve capítulo, a filosofia kantiana não é tão simples de ser

compreendida, inicialmente porque, como lembra Cassirer, nenhum autor, na história

da literatura e da filosofia, teve uma mudança de estilo mais profunda e substancial

que Kant entre 1770 e 1780. Trata-se de uma obra escrita de uma forma que faz a

maioria dos leitores pensar que o estilo kantiano se destina a mais a dificultar o

entendimento do que expressar adequada e claramente suas ideias (C

ASSIRER

, 1993

[1918], p. 169).

Por fim, e ainda segundo Cassirer (1993 [1918], p. 173-174), há conceitos

mesmo tempo deve ser tudo isso, é mera ficção. Contudo, ao rejeitar esta ficção, contra sua própria intenção Berkeley acaba preparando o terreno para outra compreensão mais profunda do conceito, já que, apesar de combater a representação geral, deixa incólume a generalidade da função representativa. Uma configuração intuitiva concreta, um triângulo com uma certa longitude de lados e uma certa abertura angular pode muito bem representar todos os demais triângulos para o geômetra. Partindo da representação intuitiva de um triângulo, o ‘conceito’ dele não surge simplesmente cancelar certas determinações que a representação contém, mas, ao colocá-las como variáveis. Consequentemente, o que liga as diversas configurações que consideramos como ‘casos’ de um mesmo conceito não é a unidade de uma imagem genérica, mas a unidade de uma regra de transformação em virtude da qual é possível derivar um caso a partir do outro e, finalmente, a totalidade dos casos ‘possíveis’.”

que mudam de sentido de acordo com o lugar que ocupam dentro da estrutura

sistemática do todo da obra, e diversos alunos e comentadores de Kant, por não

terem ciência disso ou não conseguirem acompanhar esse desenvolvimento,

acabaram obtendo apenas meias verdades, uma compreensão parcial do que a obra

tem a oferecer.

Si acogemos la definición de los juicios analíticos y sintéticos, el concepto de la experiencia y de lo apriorístico, los conceptos de lo trascendente y de la filosofía trascendental tal y como se exponen en las primeras páginas de la Crítica de la razón pura con la idea de que estamos ante monedas acuñadas de valor inalterable, necesariamente nos extraviaremos a medida que nos internemos en la obra. Constantemente vemos cómo el autor aborda de nuevo investigaciones que parecían enteras y terminadas, cómo completa, amplía y a veces hace cambiar totalmente explicaciones ya dadas, cómo aparecen de pronto entrelazados, bajo un aspecto totalmente nuevo y en el que cambia también su sentido inicial, problemas que al principio se presentaron sueltos. (CASSIRER, 1993 [1918],

p. 1748)

Diante dessas dificuldades e, sobretudo, diante da possibilidade de um

entendimento inadequado dos conceitos que o próprio Kant retoma e redefine, e

considerando ainda o fato de que uma revisão da filosofia kantiana é necessária ao

presente trabalho justamente porque ela fornece a base a partir da qual Cassirer

constrói sua própria filosofia, o que parece mais adequado é fazer uma leitura de

Kant guiada pelo próprio Cassirer. Dito de outra forma, se faremos uma

apresentação assumidamente breve e parcial do pensamento kantiano, melhor que

ela tenha como fio condutor a leitura do próprio Cassirer.

Como ponto de partida, vale lembrar que é comum entre os comentadores

(e.g. M

ARCONDES

, 2007) dizer que o criticismo kantiano pretende superar a dicotomia

8 Tradução nossa: “Se aceitarmos a definição de juízos analíticos e sintéticos, o conceito de

experiência e do apriorístico, os conceitos do transcendente e da filosofia tal e como são descritos nas primeiras páginas da Crítica da Razão Pura com a idéia que estamos diante de moedas cunhadas e de valor inalterável, necessariamente nos perderemos na medida em que adentremos à obra. Constantemente vemos como o autor aborda novamente investigações que pareciam inteiras e terminadas, como completa, amplia e às vezes faz mudar totalmente explicações já dadas; como aparecem de repente entrelaçados, sob um aspecto totalmente novo e no qual também muda seu sentido inicial, problemas que a princípio pareciam soltos.”

entre racionalismo e empirismo, mas nem sempre as implicações disso ficam claras.

Vimos que desde a antiguidade, a metafísica foi em grande parte guiada por uma

espécie de perspectiva ontológica ingênua. Racionalistas e empiristas partiam da

perspectiva substancialista de que o ser existe e pode ser conhecido (cf. C

ASSIRER

,

1993 [1918], p. 176

9

).

Epistemologicamente, isso começa a mudar com a revolução de Kant, que

no prefácio à segunda edição da sua Crítica da razão pura (Kritik der reinen

Vernunft), faz alusão a Copérnico quando propõe sua mudança de perspectiva em

relação ao conhecimento.

10

Sempre é válido relembrar que Hume havia conduzido o

empirismo a seus limites lógicos, e a proposta de que a experiência era a base de

todo o conhecimento parecia incontestável. Kant, reconhecendo que Hume o havia

despertado de seu sono dogmático,

11

insurge contra a concepção dominante,

segundo a qual o conhecimento era regulado pelo objeto, e propõe que as

investigações sobre o conhecimento devem partir não dos objetos, mas da razão

que o produz.

Assim como Copérnico havia colocado o Sol no centro do sistema, Kant

colocou a razão no foco das investigações. Para Kant a razão é uma estrutura a

priori, ela é anterior e independente da experiência, Seus conteúdos, por outro lado,

são empíricos, dependem da experiência. Kant conclui que não são os sujeitos que

9 Passagem citada no capítulo anterior.

10 “Até hoje se assumiu que todo o nosso conhecimento teria de regular-se pelos objetos; mas todas as tentativas de descobrir algo sobre eles a priori, por meio de conceitos, para assim alargar nosso conhecimento, fracassaram sob essa pressuposição. É preciso verificar pelo menos uma vez, portanto, se não nos sairemos melhor, nas tarefas da metafísica, assumindo que os objetos têm de regular-se por nosso conhecimento, o que já se coaduna melhor com a possibilidade, ai visada, de um conhecimento a priori dos mesmos capaz de estabelecer algo sobre os objetos antes que nos sejam dados. Isso guarda uma semelhança com os primeiros pensamentos de Copérnico, que, não conseguindo avançar muito na explicação dos movimentos celestes sob a suposição de que toda a multidão de estrelas giraria em torno do espectador, verificou se não daria mais certo fazer girar o espectador e, do outro lado, deixar as estrelas em repouso. Pode-se agora, na metafísica, tentar algo similar no que diz respeito à intuição dos objetos. Se a intuição tivesse de regular-se pela constituição dos objetos, eu não vejo como se poderia saber algo sobre ela a priori; se, no entanto, o objeto (Gegenstand) (como objeto (Object) dos sentidos) regular-se pela constituição de nossa faculdade intuitiva, então eu posso perfeitamente me representar essa possibilidade.” (KANT, 2015 [1781/1787], p. 29-30, grifamos)

11 “Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu o meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa uma orientação inteiramente diversa.” (KANT, 1988 [1783], p. 17)

se conformam aos objetos, mas, inversamente, são os objetos que se conformam às

faculdades do sujeito (F

ERNANDES

, 2006). Se a metafísica antiga era ontologia, e

desde Bacon e Descartes — mas, sobretudo com Locke — o conhecimento passa a

assumir um papel de destaque na filosofia, é depois de Kant, que “Ese orgulloso

nombre de ontología, que se atreve a formular, en doctrinas sistemáticas,

conocimientos necesarios y de validez absoluta acerca de las ‘cosas en general’

tiene que ceder el puesto al modesto título de una simple analítica del entendimiento

puro.” (C

ASSIRER

, 1993 [1918], p. 176-177

12

). O giro copernicano propõe, portanto, o

estudo da própria razão:

El hacer “girar al espectador”, del modo en que aquí se entiende, consistirá en que dejemos desfilar ante nosotros todas aquellas funciones de conocimiento de que dispone en general la "razón" y nos las vayamos representando una por una en cuanto a su tipo de vigencia necesario y al mismo tiempo determinado y deslindado de un modo característico. Tampoco en el cosmos del conocimiento racional podemos aferramos, rígidos e inmóviles, a un determinado punto, sino que debemos ir midiendo progresivamente toda la serie de posiciones sucesivas que podemos adoptar ante la verdad y ante el objeto. (CASSIRER, 1993 [1918], p. 18013)

O próprio foco da epistemologia muda. Não se trata mais de discutir se a

verdade está na razão ou na experiência sensível, se existem ou não ideias inatas,

ou se os objetos existem além da experiência sensível. Esse giro copernicano,

detalhado por Cassirer — e que irá influenciar profundamente a filosofia do próprio

Cassirer —, é o que permite uma interpretação adequada de conceitos kantianos

fundamentais, tais como transcendental e subjetividade, em sua complementaridade

e determinação mútua.

12 Tradução nossa: “Este orgulhoso nome de ontologia, que se atreve a formular, em doutrinas sistemáticas, conhecimentos necessários e de validez absoluta sobre as ‘coisas em geral’ tem que ceder lugar ao modesto título de uma simples analítica do entendimento puro.”

13 Tradução nossa: “O fazer girar ao espectador, do modo que aqui se entende, consistirá em que deixemos desfilar diante de nós mesmos todas aquelas funções de conhecimento de que dispõe em geral a ‘razão’ e vamos lhes representando uma por uma no que diz respeito a seu tipo de vigência necessária e ao mesmo tempo determinada e deslindada de um modo característico. Nem mesmo no cosmos do conhecimento racional podemos nos agarrar, rígidos e imóveis, a um determinado ponto, em vez disso, devemos ir medindo progressivamente toda a série de posições sucessivas que podemos adotar diante da verdade e diante do objeto.”

Transcendental, em Kant, se refere ao conhecimento que recai não sobre os

objetos, mas sobre o modo de conhecê-los, sempre e quando esse conhecimento

seja possível a priori. Geralmente se pensa no espaço e tempo como categorias a

priori da filosofia kantiana, mas é importante esclarecer que não é o espaço — ou

determinações geométricas do espaço — que é uma representação transcendental,

o que se pode chamar de transcendental é o reconhecimento da origem não

empírica dessas representações. Nas palavras do próprio Kant:

E aqui faço uma observação cujo efeito se estende a todas as considerações a seguir, e que se deve ter bem em vista, qual seja: que nem todo conhecimento a priori tem de ser denominado transcendental, mas apenas aquele por meio do qual nós sabemos que e como certas representações (intuições ou conceitos) são aplicáveis ou possíveis inteiramente a priori (i. e., a possibilidade do conhecimento ou do uso das mesmas a priori). Por isso, nem o espaço nem qualquer determinação geométrica a priori do mesmo são representações transcendentais; só podem ser denominados transcendentais, isto sim, o conhecimento de que essas representações certamente não têm origem empírica e a possibilidade de elas ainda assim se referirem a priori a objetos da experiência. Do mesmo modo, também seria transcendental o emprego do espaço com relação aos objetos em geral; se ele se limita aos objetos dos sentidos, no entanto, então ele se denomina empírico. A distinção de transcendental e empírico, portanto, pertence apenas à crítica dos conhecimentos e não diz respeito à relação dos mesmos com seu objeto. (KANT, 2015 [1781/1787], p. 99-100)

Casssirer desenvolve essa ideia e chega a conclusão que conceitos como

liberdade, magnitude e número, permanência ou causalidade, também não são

transcendentais em sentido estrito, “(...) esta denominación sólo puede aplicarse, en

rigor, a la teoría que nos enseña que la posibilidad de cualquier conocimiento de la

naturaleza descansa en ellos [nos conceitos] como en condiciones esenciales y

necesarias.” (C

ASSIRER

, 1993 [1918], p. 183

14

).

Entendido em que consiste o transcendental, é necessário compreender a

Subjetividade, como atributo de conceitos fundamentais como espaço e tempo,

14 Tradução nossa: “(…) esta denominação só pode ser aplicada, a rigor, à teoria que nos ensina que a possibilidade de qualquer conhecimento da natureza descansa neles [nos conceitos] como condições essenciais e necessárias.”

magnitude e número, substancialidade e causalidade etc. Como dissemos, essa

subjetividade está intimamente relacionada ao giro copernicano, ela indica que o

ponto de partida não é o objeto, mas as leis específicas do conhecimento ou,

simplesmente, a razão. (cf. C

ASSIRER

, 1993 [1918], p. 183).

Subjetividade, portanto, não se refere ao que se passa no íntimo do

indivíduo, a seus caprichos ou como ele sente e pensa a respeito de alguma coisa.

“Con el sentido que aquí se le da, el concepto de lo subjetivo expresa siempre la

fundamentación en un método necesario y en una ley general de la razón.”

(C

ASSIRER

, 1993 [1918], p. 183

15

). Esse esclarecimento, além de mostrar a

necessidade dessa releitura de Kant, é importante porque a linguagem corrente

contém toda uma filosofia do senso comum que sempre tende a funcionar como um

verdadeiro obstáculo epistemológico. Compreendidos os conceitos de

transcendental e subjetividade, bem como a sua relação mútua, é possível

compreender os objetivos da crítica da razão:

Es ahora, y sólo ahora, cuando se comprende en todo su alcance la frase de Kant de que la antorcha de la crítica de la razón no tiene por qué iluminar las zonas para nosotros misteriosas que quedan más allá del mundo de los sentidos, sino los rincones oscuros de nuestro propio entendimiento. Por “entendimiento” no debe entenderse aquí, en modo alguno, en sentido empírico, la capacidad psicológica de discernimiento del hombre, sino, en un sentido puramente trascendental, la totalidad de la cultura del espíritu. Significa, en primei lugar, aquel conjunto a que damos el nombre de “ciencia” y sus premisas axiomáticas, y en segundo lugar, en un sentido amplio, todas aquellas “ordenaciones” de tipo intelectual, ético o estético que pueden demostrarse y ejecutarse por medio de la razón. (CASSIRER, 1993 [1918], p. 18716)

15 Tradução nossa: “Com o sentido que lhe é dado, o conceito do subjetivo expressa sempre a fundamentação em um método necessário e em uma lei geral da razão.”

16 Tradução nossa: “É agora, e somente agora, quando se compreende em todo o seu alcance a frase de Kant de que a tocha da crítica da razão não tem por que iluminar as zonas para nós misteriosas que ficam além do mundo dos sentidos, mas os rincões escuros do nosso próprio entendimento. Por ‘entendimento’ não deve ser compreendido aqui, de modo algum, em seu sentido empírico, a capacidade psicológica de discernimento do homem, mas, em um sentido puramente transcendental, a totalidade da cultura do espírito. Significa, em primeiro lugar, aquele conjunto a que damos o nome de ‘ciência’ e suas premissas axiomáticas, e em segundo lugar, em um sentido amplo, todas aquelas ‘ordenações’ de tipo intelectual, ético ou estético que podem ser demonstradas e executadas por meio da razão.”

Essa transcrição é importante, também, por apresentar o entendimento

como outro conceito que assume um sentido particular e o foco do sistema kantiano

na ciência, e será visto adiante como o projeto de Cassirer em grande parte consiste

em ampliar esse foco para além da ciência. Aos conceitos já abordados, é

necessário adicionar mais um, também relacionado a transcendental e subjetividade,

o conceito de síntese a priori, graças ao qual a obra de Kant contém uma base

filosófica importante para a ruptura com essa forma substancialista de pensar.

Já vimos que para Kant, a razão é anterior e independente da experiência. É

importante ter isso em mente para que possamos compreender a teorização dos

juízos em Kant. Sempre é válido lembrar que, para Kant, os juízos assumem a forma

de sujeito e predicado, e para ele, os juízos se dividem em duas categorias: Os

juízos analíticos e os sintéticos.

Os juízos analíticos são a priori e tipicamente explicativos, ou seja, eles não

acrescentam nada, não ampliam o conhecimento pois o predicado está contido no

sujeito. Quando dizemos, por exemplo, que o triângulo tem três ângulos, estamos

apenas apresentando uma definição ou explicação que não amplia o conhecimento.

Os juízos sintéticos, por sua vez, são extensivos, ampliam o conhecimento,

neles o predicado não está contido no sujeito, e eles se subdividem em a priori e a

posteriori.

Os juízos sintéticos a posteriori dependem da experiência sensível e, como

já dissemos, são extensivos, ampliam o conhecimento. Quando dizemos: esta é

uma tese de doutorado, fazemos referência a uma experiência concreta que não é

universalizável, já que não necessariamente todas as teses serão de doutorado.

Os juízos sintéticos a priori — ou sínteses a priori —, por seu turno, não

estão limitados pela experiência. As leis da física ou princípios da matemática, por

exemplo, podem orientar a experiência mas sua existência não está limitada à

experiência em si. A melhor forma de compreendê-los é colocá-los em perspectiva

com a forma como os conceitos são construídos no empirismo e na lógica formal.

Vale relembrar que, grosso modo, os empiristas achavam que os conceitos

se formavam a partir da aglutinação de uma série de coisas, as quais seriam

examinadas em busca de características comuns que possam ser aplicadas a todos

os casos e, a partir daí, o conceito seria construído.

A lógica, por sua vez, desenvolve fórmulas e formas mas não examina

conteúdos e origens, as premissas são aceitas mas não são questionadas:

Acepta, por tanto, como dadas las premisas generales de que parte para llegar a una determinada conclusión, sin seguir indagando el fundamento de su vigencia. Pone de manifiesto que si todos los A son b, deberá serlo también necesariamente un determinado A; pero el problema de si y por qué rige la norma hipotética que sirve de premisa se sale completamente del marco de su interés. Por consiguiente, en el fondo, la lógica general no hace otra cosa que desintegrar de nuevo en sus partes, volviendo atrás, determinados complejos de conceptos que previamente ha formado ella misma por la vía sintética. Lo que hace es “definir” un concepto mediante la indicación de determinadas “características” de su contenido, destacando luego del conjunto lógico así formado un aspecto concreto que lo distingue de los demás, para “predicarlo” del todo. Como fácilmente se comprende, este “predicado” no crea ningún nuevo conocimiento, sino que se limita a analizar el que ya poseíamos previamente, para explicarlo y esclarecerlo. Sirve para “analizar los conceptos que tenemos ya de los objetos”, sin que se pare a investigar de qué fuente de conocimiento se derivan estos conceptos para nosotros. (CASSIRER, 1993 [1919], p. 192,17 grifamos)

Há, portanto, também na lógica uma espécie de ontologia ingênua, essa

ontologia pode atingir, por um lado, a coisa que está sendo subsumida nas

premissas, e por outro, incide na afirmação — ainda que implícita — de uma noção

17 Tradução nossa: “Aceita como dadas, portanto, as premissas gerais de que parte para chegar a uma determinada conclusão, sem seguir indagando o fundamento da de sua validade. Ele mostra que, se todos os A são b, deve necessariamente sê-lo também um determinado A; mas o problema do se e porque rege a norma hipotética que serve de premissa sai completamente do âmbito do seu interesse. Por conseguinte, no fundo, a lógica geral não faz outra coisa além de desintegrar de novo em suas partes, voltando atrás, determinados complexos de conceitos que previamente havia formado ela mesma pela via sintética. O que ela faz é ‘definir’ um conceito mediante a indicação de determinadas ‘características’ de seu conteúdo, destacando logo do conjunto lógico assim formado um aspecto concreto que lhe distingue dos demais, para "predicá- lo" do todo. Como facilmente se compreende, este ‘predicado’ não cria nenhum novo conhecimento, mas se limita a analisar o que já possuíamos previamente, para explicá-lo e esclarecê-lo. Serve para "analisar os conceitos que já temos dos objetos", sem que se pare para investigar de que fonte de conhecimento esses conceitos nos são dados.”

de espírito que realiza a referida subsunção e consequente indicação das

características da coisa.

A geometria, por outro lado, elabora conceitos de uma forma bem diferente.

Embora tenha começado como uma arte rudimentar, ligada à prática de medir, sofre

uma revolução (talvez com Tales de Mileto) a partir do momento em que os

geômetras perceberam que não precisavam reproduzir o que viam nas figuras, mas

deveriam, eles mesmos, construí-las (cf. Kant, B XII; Cassirer, 1993 [1919] p. 188-

189). Como observa Cassirer, é ao se conceber e definir a parábola e a elipse que

se cria a condição de sujeição nas quais se encaixam as parábolas e elipses

concretas:

Al concebir la parábola y la elipse no sólo de un modo general, in