Nas linhas anteriores procuramos mostrar em que consiste a entrevista e
apresentamos a classificação de Elisabete Pádua dos tipos de entrevista existentes.
Nessa perspectiva, as entrevistas que foram realizadas para a presente pesquisa
podem ser definidas como sendo semiestruturadas, ou seja, tínhamos um conjunto
de perguntas previamente formuladas — e as categorias a partir das quais elas
seriam analisadas de acordo com a Análise de Conteúdo - AC — mas deixávamos
os informantes livres para falar sobre os assuntos que julgassem relacionados ao
tema principal.
Essa escolha decorreu do fato de já termos um certo conhecimento do
objeto decorrente da nossa própria inserção no campo das faculdades de direito em
Recife, o que — precisamos sempre ter em mente para fins de objetivação — por
um lado facilita o acesso a determinadas instituições e pessoas, criando, por vezes,
um ar de cumplicidade e informalidade que permite o acesso a informações que não
seriam obtidas por pesquisadores alheios ao campo; mas, por outro lado, tende a
fazer com que internalizemos a própria ordem das coisas, que paulatinamente vai se
tornando o normal e, consequentemente, deixariam de ser percebidas sem uma
perspectiva epistemológica adequada. Além da nossa própria inserção no campo em
questão, temos as investigações anteriores,
1algumas inclusive anteriores à presente
pesquisa, as quais certamente contribuíram para a construção do presente trabalho.
Diante da nossa própria posição no campo, achamos oportuno recorrer às
entrevistas semiestruturadas que permitem aprofundar o tema, mas dando um certo
direcionamento no que concerne às informações obtidas, no que diz respeito à sua
realização, entretanto, evitamos ao máximo interferir nas respostas das pessoas
entrevistadas, assim, se formulávamos uma pergunta e a pessoa entrevistada fazia
uma digressão que fugia do tema, deixávamos que ela concluísse e só depois
recolocávamos a pergunta quando fosse oportuno.
Também evitamos interromper a pessoa entrevistada, optamos por utilizar o
smartphone para a gravação, por ser um objeto mais comum do que o gravador, que
poderia inibir o entrevistado, e, além disso, evitamos ficar olhando para o
smartphone ou tomando notas. Embora estivéssemos com papel — o roteiro da
entrevista — e caneta à mão, evitamos, na medida do possível, desviar o olhar da
pessoa entrevistada para o papel, a fim de evitar que ela quebrasse o raciocínio
olhando para o que escrevíamos. Em algumas ocasiões, quando realmente tivemos
que anotar algo, notamos que a pessoa entrevistada desviou os olhos para o papel e
seu semblante ficou menos relaxado.
As entrevistas foram, além disso, individuais, realizadas em restaurantes,
livrarias, cafés, residências dos entrevistados e outros locais que permitiam um nível
de discrição adequada. Basicamente fazíamos o convite e, quando a pessoa
1 Dentre os trabalhos anteriores que de alguma forma influíram na presente pesquisa, merecem destaque: GONÇALVES, 2013; GONÇALVES; ALBUQUERQUE FILHO; MARINHO, 2014; GONÇALVES;
aceitava, nos encontrávamos, explicávamos as questões relacionadas à
confidencialidade, garantindo o anonimato, explicando que tão logo chegássemos
em casa seria feita a transferência da gravação para o computador pessoal do
pesquisador em uma pasta criptografada, e mesmo que, por azar, o smartphone
fosse perdido no caminho, tínhamos softwares que impediam que terceiros tivessem
acesso aos dados e ainda permitiam que os mesmos fossem apagados a partir de
outro telefone ou do computador do pesquisador. Esclarecíamos isso tudo e
combinávamos com o entrevistado que se fôssemos interrompidos por alguém,
apenas suspenderíamos a entrevista.
Foram poucos os casos em que houve interrupção e, no geral, esses
momentos foram aproveitados para deixar a pessoa entrevistada ainda mais
confortável. Nesse sentido, a interrupção mais inusitada se deu em uma entrevista
realizada em um café. A pessoa entrevistada era alguém que conhecíamos apenas
superficialmente — inclusive foi uma surpresa ela ter aceitado o convite para a
entrevista — e se comportava de maneira muito formal, e a tratávamos por senhora
e não você, o que achamos que inclusive seria apropriado para evocar as
disposições de docente, e repentinamente uma senhora já idosa e muito amável que
estava na mesa ao lado, pediu licença e sugeriu que chamássemos a entrevistada
de você, conversou brevemente, desejou feliz Natal e se despediu. Esta interrupção,
um tanto inusitada, longe de causar constrangimento, ajudou a quebrar o gelo e a
partir daí a entrevista fluiu bem melhor.
2Voltando ao procedimento das entrevistas, após esclarecer sobre o sigilo
2 Lamentavelmente, na gravação esta passagem ficou praticamente inaudível, o que conseguimos traduzir com precisão foi apenas o que se segue:
“Pablo: Retomando um pouco a questão dos alunos, as turmas são homogêneas? Como é que a senhora descreve o perfil dos alunos, a senhora já falou mais cedo que há diferenças de turma para turma, mas...
Senhora: Com licença... Pablo: Por favor...
Senhora: [inaudível] chamando ela de senhora... eu vi o pezinho dela tão nervosinho, essa menina tá muito nervosa, porque ela é jovem, você é jovem, então... [inaudível] em respeito a você, meu filho! [risos]
Pablo: muito obrigado! [risos]
Senhora: Um feliz natal pra vocês [inaudível]
Pablo: Feliz natal! Um, ótimo ano novo para a senhora! Pessoa entrevistada: Feliz natal! [risos]