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Adriano Moreira: um crítico do Estado Novo

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 131-134)

Não questionamos alguma consonância de Adriano Moreira com os fundamentos do Estado Novo, pelo menos até ao fim da Segunda Guerra Mundial. O próprio nos confidenciou, que, para mal de Portugal e da evolução política, Oliveira Salazar manteve-se ao leme do governo para lá de 1945 – fim da Segunda Guerra Mundial. Se, naquela altura, tivesse abdicado do poder, sendo que o ajustamento financeiro estava feito e a não participação na Segunda Guerra Mundial tinha sido conseguida, hoje, Oliveira Salazar poderia ser recordado positivamente pela maioria dos portugueses. Ainda segundo o Professor, o mundo que mudara radicalmente não fora mostrado a Salazar. A evolução política internacional levaria Adriano Moreira a desenvolver acções de sen- sibilização em fóruns internacionais, em prol da política ultramarina portuguesa. Referimo-nos, entre outras, às idas às Nações Unidas onde, integrando as diversas delegações, se foi aperce- bendo da inevitabilidade da descolonização. Esta era impossível de travar, concluiu cedo o Pro- fessor, mas a via de o fazer não estava predefinida. Havia que interpretar bem os fundamentos da ocupação portuguesa do Ultramar, a questão da missionação e da própria língua. Aliás, é nesta âncora, a da língua, que Adriano Moreira se funda para defender muito daquilo que é a

226 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra,

2009, p. 314.

sua visão para a evolução do processo ultramarino português. Trata-se de uma visão que não foi, mas poderia ter sido, alternativa à que conhecemos. Constituía, certamente, uma terceira via em alternativa aos integracionistas e àqueles que defendiam uma independência pura e sim- ples. Desta nossa convicção faremos defesa a seu tempo. A forma como Adriano Moreira geriu a sua vida política e intelectual foi sempre pautada pela vontade de valorizar o nacionalismo em que fora educado, mas também de aceitar e defender as mudanças que o tempo cronológico não adiava, embora o tempo afectivo teimasse em manter. Escreve-se no Dicionário de História de Portugal (Supl. 8. Coordenado por António Barreto e Maria Filomena Mónica):

“Em AM, a nação, bem-amada mas não divinizada, serve fins e valores que a transcendem. Nesta ordem de ideias, Portugal devia prestar contas do serviço ao qual se devotará além-mar, aí representando a Europa e o Ocidente. E o eventual incumprimento das suas obrigações de coloni- zador seria duramente penalizado pela progressiva desafeição de populações indígenas e europeias sem o decidido apoio das quais uma defesa essencialmente militar e diplomática estava votada ao fracasso”.228

Para Adriano Moreira, muito mais do que manter territórios ultramarinos, situação que não era sustentável em meados do século XX, era urgente determinar uma outra forma de co- munhão entre os povos de língua lusa. De facto, eram e são hoje laços fundamentais da identifi- cação afectiva e cultural entre os povos que pertenceram ao antigo Império colonial português. A CPLP tornou-se realidade e, com maior ou menor sucesso, tem desempenhado a missão de catalisar as sinergias dos diferentes Estados de língua oficial portuguesa. Moreira há já muito que defende uma forte interligação entre os diferentes Estados que falam português. Por va- riadíssimas vezes, o Professor tem referido que a desagregação do Império luso, politicamente falando, não beliscou em nada as afinidades culturais. Embora, num período subsequente à descolonização, as relações da antiga potência colonial (Portugal) com os novos Estados não fossem nem muito abertas, nem de grande confiança, o que é compreensível, dada a forma como a descolonização foi feita – com recurso a uma guerra. Certo é que o lastro da lusofonia estava e manteve-se presente na matriz cultural desses povos.

O final da Segunda Guerra Mundial apanhou Adriano Moreira já a trabalhar, após ter terminado o curso de Direito. Quando referimos este percurso, é apenas para clarificar a não dependência de Adriano Moreira, em termos financeiros, do próprio Estado, o que o manteve sempre livre para criticar o regime e a administração colonial que o mesmo teimava em manter. Em resposta, indicava soluções para esse estado de coisas. Terá sido essa liberdade e as críticas sistemáticas à administração colonial que, em determinada altura, levaram Salazar a chamá-lo para junto de si. Mesmo quando entrou para o governo, não deixou de assumir claramente o passado de crítica e de oposição.229

228 BARRETO, António ; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento

8, artigo de Manuel Lisboa (sociólogo), Livraria Figueirinhas, Porto. 1999, p. 532.

Na verdade, a jorrada de legislação que Adriano Moreira fez publicar enquanto Ministro do Ultramar, a partir de 1961, tornou-se o conjunto mais apreciável de toda a legislação publi- cada referente às Províncias Ultramarinas. Limitado e de fracas consequências práticas era o conjunto de normas anteriores à sua actividade de legislador sobre o Ultramar. Muitas dessas normas aplicadas às Colónias pouca eficácia produziam, visto o interesse pelo desenvolvimento desses territórios ser limitado, até, pelo menos, à questão da não autonomia levantada pelo artigo 73º da Carta das Nações.

O Professor Adriano Moreira conhecia bem a questão ultramarina, como já referimos. Para além disso, inteirara-se das disposições das grandes potências na ONU face ao apoio que Portugal podia esperar. Contrariamente ao que Salazar pensava, Moreira concluíra que o apoio que era dispensado pelos países tradicionalmente amigos, na questão ultramarina, era cada vez menor. Aliás, informou-nos o Professor que Oliveira Salazar achara sempre um enigma o facto de Adriano Moreira ter antecipado o ano do início da guerra no Ultramar. Questionado pelo Presidente do Conselho sobre essa antevisão, respondeu: “Senhor Presidente, apenas tive um bom professor na escola primária que me ensinou a fazer contas” e continuou a explicar: “eu sabia que, à medida que novos países, antigas Colónias fossem aderindo à ONU, o equilíbrio dos dois terços a nosso favor ir-se-ia alterando e acabaria por se inverter”. Quando essa inversão de facto aconteceu, o apoio que Portugal colhia junto das grandes potências tradicionalmente amigas deixou de existir. Num mundo bipolar, os interesses das superpotências como os EUA e a URSS eram bem mais voláteis que a velha amizade com países como Portugal. Por outro lado, as potências europeias já o não eram verdadeiramente. A Grã-Bretanha rodopiava em redor dos interesses estratégicos norte-americanos e a França perdera peso na cena internacional.

A constatação destas realidades da política mundial por Adriano Moreira fizeram-no de- cidir-se por medidas legislativas que, hipoteticamente, pudessem suster a guerra de libertação dos povos africanos sob tutela lusa. Esse compasso de espera daria tempo para equacionar uma solução negociada. O Professor disse-nos isso mesmo quando lhe perguntámos se com ele mais tempo no Ministério do Ultramar, a independência das Províncias Ultramarinas se teria verifica- do de forma verdadeiramente negociada. Respondeu-nos afirmativamente, acrescentando que, se tivesse sido ele (Adriano Moreira) a suceder a Oliveira Salazar na chefia do Governo, a evo- lução para a democracia teria sido uma realidade num prazo curto230. Já quanto à desafeição que se gerou entre Adriano Moreira e Marcello Caetano, a mesma é do conhecimento público. Nem o primeiro o nega, nem o segundo o evitou, demonstrando-o no curto período em que foi Presidente do Conselho (1968-1974).

Entre 1953 e 1959, Adriano Moreira desenvolvera intensa actividade em prol do progresso do Ultramar Português, servindo, com frequência, de peça fundamental ao lado de Franco No- gueira, nas discussões internacionais sobre o colonialismo em que Portugal era frequentemente visado. A partir de 1958, o Professor passa a desempenhar cargos junto do poder central portu- guês. Questionemo-nos acerca da convicção do Professor em relação ao caminho que o regime tomava, particularmente, após a adesão à ONU em 1955. Seria ele um defensor acérrimo do

regime? Comungaria das orientações que o mesmo dava relativas à questão do artigo 73º da Carta das Nações Unidas e à resolução 1514? Temos plena convicção de que a ligação de Adriano Moreira ao regime era apenas circunstancial sem, no entanto, perder de vista a necessidade de promover alterações nas políticas interna e externa do país, de forma a acompanhar o restante mundo livre. Havia, por isso, que entender a evolução que Salazar não conhecia e, portanto, não defendia. Internamente, o Presidente do Conselho tinha os informadores mais diversos, entre eles, ironicamente, a Dª. Maria, no plano mais caseiro, no sentido da sensibilidade inter- na231. As convicções sociais, económicas e políticas de Adriano Moreira continuavam alicerçadas na doutrina da Igreja e, sem dela se desligar, tentava contribuir para soluções urgentes no go- verno de Portugal metropolitano e ultramarino.

Externamente, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, controlava aquilo que Oliveira Salazar devia ou não conhecer. Este é o pensamento de Adriano Moreira sobre o assunto quando nos referiu232 que “Salazar só conhecia o mundo que Franco Nogueira lhe mos- trava”.

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 131-134)