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Luso-tropicalismo: uma teoria social

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 76-86)

O Luso-tropicalismo é uma teoria criada pelo sociólogo brasileiro Gilberto de Melo Freyre e que se debruça fundamentalmente sobre uma realidade que ele e os seus seguidores consi- deram única: a maneira de os portugueses estarem no mundo. Por seu turno, Adriano Moreira considera Gilberto Freyre o criador de uma nova classificação das civilizações. O sociólogo brasileiro coloca o papel desempenhado por Portugal no mundo ao nível dos desempenhados pelas grandes civilizações. Escreve Adriano Moreira: “(…) Tem por isso razão o grande sociólogo Gilberto Freyre, quando oportunamente repara que na obra de Toynbee, ao extremar e classifi- car as civilizações, falta a consideração desta forma peculiar de estar no mundo que afortuna- damente designou por luso-tropicalismo”.119

Defende Freyre que o português tem dado ao mundo uma mestiçagem única numa dinâ- mica de interacção que permite perpetuar uma criação singular nas relações de e entre povos distintos. Ilídio Amaral escreve o seguinte, referindo-se a Gilberto Freyre:

“Teórico do chamado luso-tropicalismo. Considera que o português se tem perpetuado, dis- solvendo-se sempre noutro povo a ponto de parecer ir perder-se nos angues e culturas estranhas. Mas comunica-lhes sempre tantos dos seus motivos essenciais de vida…Ganhou a vida perdendo-a. É que o português, por todas aquelas predisposições da raça, de mesologia e de cultura… não só conseguiu vencer as condições de clima e de sol desfavoráveis ao estabelecimento de europeus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de gente branca para a tarefa colonizadora unindo-se com mulher de cor”.120

Verdadeiro defensor da posição colonizadora portuguesa no mundo, Gilberto Freyre distingue-a de todas as outras formas desenvolvidas pelas restantes potências coloniais para interagirem com os povos autóctones. Quando, em 1933, o sociólogo publica uma das suas principais obras, Casa-grande & senzala, regista logo nos seus escritos os fundamentos do luso- tropicalismo. A obra desenrola-se à volta de uma exploração açucareira marcadamente seis- centista. O colono branco, senhor da casa grande, organiza à sua volta toda a actividade da

119 MOREIRA, Adriano - Ensaios, Junta de Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e So-

ciais, n.º 34, Lisboa, 1960, p.13

120 AMARAL, Ilídio - A Geografia Tropical de Gilberto Freyre, in Leituras do Tempo [em linha]. Lis-

boa, Universidade Internacional, 1990. Disponível em http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/autores/sul-america- nos/1900._gilberto_freyre.htm. S/data de consulta.

exploração. Trata-se justamente da família patriarcal tipicamente portuguesa e que coordena, aglutinando à sua volta, todos os restantes habitantes da fazenda. Na verdade, este tipo de organização social que, segundo Gilberto Freyre, é próprio do povo português, permitiu uma miscigenação em grande escala, o que, por sua vez, evitou a proliferação do racismo. Isto mes- mo refere Cláudia Castelo, referindo-se a Casa-grande & senzala:

“Este livro toma como objecto de estudo a “condição colonial” no Brasil dos séculos XVI e XVII, mais especificamente no nordeste açucareiro, sob o regime de economia de plantação de base esclavagista, estruturada em torno da casa-grande e da família patriarcal dirigida pelo senhor do engenho. A especificidade dessa sociedade resultaria da intensa miscigenação nela efectua- da, quer no plano biológico, através de frequentes cruzamentos entre brancos, índios e negros, quer no plano cultural, pela adopção recíproca de valores e comportamentos dos vários povos em contacto”.121

São muitos os adeptos das teorias de Gilberto Freyre que encontram na realidade de mestiçagem brasileira um travão ao avanço do racismo que se verificou em outros paragens, mesmo em alguns casos das Américas. O português, ao avançar para o desbravamento de terri- tórios, mesmo que ocasionalmente tenha recorrido à violência sobre as populações autóctones, na generalidade, tratou-as com respeito, fazendo criar alguma tensão entre o que aí existia, culturalmente falando, e a matriz judaico-cristã transportada pelos lusos. É nesta confluência de culturas e no cruzamento das mesmas que reside a especificidade do modo português de estar no mundo. Segundo Cláudia Castelo, Freyre encontra no comportamento português face a novas realidades culturais pontos de tensão que obrigam a que a adaptação seja recíproca:

“Segundo Freyre, no comportamento do português sente-se a tensão entre as duas culturas, a europeia e a africana, a católica e a maometana, a dinâmica e a fatalista… Só levando em linha de conta esses antagonismos de cultura, e a flexibilidade, a indecisão, a harmonia ou a desarmonia deles resultantes, é que se poderia compreender a especificidade da colonização do Brasil, a for- mação sui generis da sociedade brasileira, igualmente equilibrada desde sempre em antagonismos. O autor considera que desse dualismo de cultura e de raça decorrem três características do povo português – a mobilidade, a miscibilidade e a aclimatabilidade – analisadas nas primeiras páginas de Casa-grande & senzala”.122

Para Gilberto Freyre, a política de assimilação cultural praticada pelos portugueses em todas as terras onde se fixaram foi a chave do sucesso da colonização lusa. O criador do Luso- tropicalismo defende mesmo que a realidade brasileira se tornara num exemplo acabado de como a política de assimilação foi a mais correcta. É justo concordar que, na realidade, a socie-

121 CASTELO, Cláudia - Uma incursão no Lusotropicalismo de Gilberto Freyre [em linha], 2011, p. 261.

Disponível em http://www2.iict.pt/archive/doc/bHL_Ano_VI_16_Claudia_Castelo__Uma_incursao_no_lusotropicalis- mo.pdf. Consultado em 06 de Outubro de 2014.

dade brasileira é o fruto de culturas tão díspares como a portuguesa, a africana, a índia, a ja- ponesa, a italiana e tantas outras que ali encontraram abrigo. A mentalidade e cultura judaicas encontraram na tolerância da sociedade brasileira a protecção que não tinham na metrópole. É curioso constatar a aceitação de credos e princípios por tantas almas que se aclimataram ao Brasil. As teorias de Gilberto Freyre tornam-se especial objecto do nosso estudo, na medida em que se prendem com a construção da realidade cultural portuguesa no mundo e, em particular, com a adopção deste pensamento para defesa das posições salazaristas face à manutenção do Ultramar Português, após as vagas de descolonização subsequentes ao fim da Segunda Guerra (1945).

Embora o regime português se aperceba das ideais de Gilberto Freyre ainda no decurso das décadas de 1930 e 1940, é, contudo, a partir de 1945 que Salazar começa a olhar para o luso-tropicalismo como uma boa fundamentação teórico-científica para a defesa do Império nas instâncias internacionais. Isto mesmo escreve Cláudia Castelo:

“Nas décadas de 30 e 40, a política colonial do Estado Novo anda longe do etnocentrismo e, mais longe ainda, das ideias de Freyre. Armindo Monteiro, principal ideólogo da mística imperial, filia-se nas teses do «darwinismo social». Não concebe o relacionamento harmonioso e fraterno, numa base igualitária, entre brancos e negros. «O branco, por agora pelo menos, está destinado a ser o dirigente, o técnico, o responsável. Nos Trópicos faria triste figura a trabalhar com o seu braço, ao lado do nativo. Este é a grande força de produção, o abundante e dócil elemento de consumo que a África oferece»”.123

Gilberto Freyre isola de entre todos o colonizador português. Considerado como único, este colonizador desenvolveu capacidades especiais que o diferenciaram profundamente dos colonizadores espanhóis, franceses e ingleses. A capacidade de respeitar etnias diferentes, a predisposição para a miscigenação, a ambição de sair vitorioso da ocupação de novos territórios muitas vezes hostis conduziram o colono português a uma forma própria de agir e de se rela- cionar. Quando é questionado sobre o perfil do colonizador que se instalou no Brasil, Gilberto Freyre responde:

“Figura vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que o individualize entre os imperialistas mo- dernos. Assemelha-se nuns pontos à do inglês; noutros à do espanhol. Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do conquistador do México ou do Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo do contemporizador. Nem ideais absolutos, nem preconceitos inflexíveis. Embora tenha ficado em nossa história como o implacável escravocrata que só faltou transportar da África para a América a população inteira de negros, foi por outro lado o colonizador europeu que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores, além de revelar-se o menos cruel com os escravos”.124

123 Id. Ibid., p. 85.

Segundo G. Freyre, a particularidade do colonizador português é que, embora tendo um pouco de todos os outros colonizadores europeus, se emancipou e construiu uma civilização própria. Evidentemente que estes particularismos a que Gilberto Freyre alude são apenas ingre- dientes que “fabricaram” esse colonizador. Cláudia Castelo escreve sobre este tema:

“Especificidade das relações estabelecidas pelos portugueses com os povos dos trópicos obedecia, portanto, a um modelo específico, aprendido com os mouros e diferente do adoptado pelos europeus do norte. A capacidade para «confraternizar lírica e franciscanamente» com os afri- canos, ameríndios e asiáticos, para amar as suas mulheres, para incorporar os seus valores… é única no português. Isto porque «soube em tempo extra-europeizar-se e tropicalizar-se ele próprio (…), amorenando-se sob o sol dos trópicos ou sob a acção da mestiçagem tropical. Contudo, ao «dissol- ver-se amorosamente» noutros povos, nunca perdeu «a alma ou o sentido cristão da vida»”.125

Usando expressões criadas por Gilberto Freyre, Cláudia Castelo especifica os particularis- mos desta teoria que serviu para ancorar a política colonialista do Estado Novo.

O regime salazarista herdara a obrigação de valorização do Império e da missão civiliza- dora dos portugueses e, ao assumir as ideias freyrianas como suas, mais não fez que garantir a posse desses territórios ultramarinos sem os quais, na sua visão, a Nação não poderia sobrevi- ver. Esta necessidade conduziu o regime à introdução de alterações jurídicas na designação das possessões de além-mar. Alterações que, no essencial, nada alteraram. São apenas processos ilusórios para o mundo externo que pressionava a descolonizar. As alterações feitas à Constitui- ção pela revisão de 1951 são disso exemplo. Escreve Luís Reis Torgal:

“A modificação mais sensível opera-se em 1951 (lei nº 2.084, de 11 de Junho). É então revo- gado o Acto Colonial, integrando-se as disposições sobre o «Ultramar» no título VII da própria Cons- tituição, exactamente intitulado «Do Ultramar Português». Mas, não há grandes alterações para além das modificações cosméticas que foram peculiares ao regime do pós-guerra. Com efeito, se, por pressões do tempo e para contrariar o referido processo de descolonização, se altera o nome de «Colónias», voltando a chamar-se «Províncias Ultramarinas» (título VII, por exemplo, artigos 134º a 136º), e se elimina a designação de «Império» atribuída aos domínios ultramarinos portugueses, nada mais de essencial se modifica, nomeadamente no que diz respeito à «política indígena», em- bora se possa dizer que se começa a sentir a influência de uma cuidada política assimilacionista, na medida em que as «medidas especiais» aplicadas aos «indígenas» eram já consideradas «como regime de transição» (artigo 141º)”.126

Foi da natureza do próprio regime político português camuflar as situações de coloni-

Lisboa, Classe de Letras, p. 5. Disponível em http://acadciencias.pt/files/Mem%C3%B3rias/Ivan%20Jun- queira/Gilberto%20Freyre%20e%20o%20colonizador%20Brasileiro.pdf. S/data de consulta.

125 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial

portuguesa (1933-1961). Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011, p. 36.

126 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo. Coimbra, 2.ª Edição, Imprensa da Universidade de

zação que prosseguia, usando estratagemas na alteração das aparências de forma a aliviar as pressões internacionais o que, de facto, nunca conseguiu. A prova desta incapacidade está no crescente isolamento internacional que, ainda que relativo, era crescente.

Por outro lado, a exacerbada apetência das superpotências para a ocupação de novos territórios preocupava o regime. Este liderava uma metrópole pobre e que sempre se esquivara a investir nas colónias. Esta realidade encontra-se bem fundamentada no texto de Valentim Alexandre:

“Tal como finalmente se constitui em finais de Oitocentos, o sistema colonial português sofria, no entanto, de um pecado original – a sua dependência de uma metrópole débil, economica- mente atrasada, de fracos recursos financeiros, sem dúvida o elo mais fraco de entre as potências imperiais europeias. (…) daí resultava uma permanente sensação de fragilidades e de insegurança que, por reflexo, contribuía para alimentar e exacerbar o nacionalismo imperial nascido no século XIX”.127

Se é verdade ser o luso-tropicalismo uma teoria valorativa da colonização portuguesa, impõe-se colocar algumas questões de clara pertinência. Terá Gilberto Freyre ignorado as dia- metralmente opostas formas de ocupação verificadas no Brasil, por um lado, e na África, por outro? De facto, enquanto o Brasil é uma terra de encontro de brancos e de negros, onde se desenvolve desde cedo uma economia produtiva segundo os moldes capitalistas, na África, para além da tardia colonização, os brancos subjugam ao seu o poder o negro aí instalado e autócto- ne. A procura de sobrevivência dos brancos não encontrou igual preocupação entre os negros. Estes já eram daquelas paragens. Esta desigualdade pode explicar a maior miscigenação entre brancos e negros no Brasil e a quase inexistência dela na África. Há, portanto, uma clara dife- rença de posicionamento do branco no Brasil e na África. Cremos que a teoria de Freyre não foi apropriada pelo regime português numa perspectiva de emancipação dos povos colonizados, mas que, pelo contrário, essa apropriação funcionou como força motivadora para impor, em meados do século XX, um maior empenho na colonização africana. Tratou-se justamente da «arma» usada pelo regime do Estado Novo, entre outras, para justificar de forma mais ou menos científica a não-aceitação das imposições da ONU, nomeadamente as contidas no artigo 73º das Carta das Nações.

2. 0 Luso-tropicalismo na perspectiva de Adriano Moreira.

Quando pretendemos reflectir acerca do luso-tropicalismo, torna-se inevitável falar do seu fundador – o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. É a ele que se deve a construção desta teoria inovadora e, ao mesmo tempo, explicativa para um fenómeno que Freyre e os seus par- tidários consideram único – a construção do mundo luso. Considera-se, unanimemente, que as

127 PINTO, António Costa (coord.) [et. al.] - Portugal Contemporâneo, Publicações Dom Quixote, Lisboa,

bases do luso-tropicalismo são lançadas pelo seu criador logo nos inícios da década de 30 do século XX. Ao publicar em 1933 a obra Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre inicia a apresen- tação dos fundamentos da sua teoria que, de forma clara, aponta, desde logo, para a realidade social brasileira como um construção portuguesa e única no mundo. Já referenciámos estas considerações anteriormente, pelo que ficaremos por esta simples abordagem. Adriano Moreira escreve a este propósito, no capítulo Revisitar Gilberto Freyre:

“Foi bem lembrado pela Universidade da Beira Interior, à qual pertence a iniciativa deste colóquio sobre o Luso-tropicalismo Revisitado, que o local dos trabalhos fosse a sede da veneranda Sociedade de Geografia de Lisboa em que nos encontramos. Em primeiro lugar porque a Sociedade de Geografia de Lisboa nasceu de uma iniciativa da sociedade civil, liderada por Luciano Cordeiro, no período em que o Ultimatum de 1890 acordou a consciência cívica para as responsabilidades coloniais secularmente assumidas pelo país (…) afirmou a urgência da inventariação e conhecimen- to das múltiplas culturas envolvidas no processo então em curso de redefinição da presença das soberanias europeias nos trópicos, assumiu a especialização dos quadros que seriam responsáveis pelas administrações alienígenas a implantar, e ainda lançou o paradigma da “nação peregrina em terra alheia”, como mais tarde eu próprio lhe chamaria quando, por meados do século, se tornou evidente e urgente identificar as fronteiras culturais que subsistiram para além do destino das fronteiras políticas portuguesas ameaçadas”.128

O Professor Adriano Moreira é, certamente, um dos melhores conhecedores do luso-tro- picalismo e do seu criador, Gilberto Freyre. Moreira eleva mesmo a figura deste como uma das mais proeminentes no tema em análise, na década de 1960: “era o único sociólogo que tentava formular uma teoria geral do fenómeno do encontro de etnias e culturas, no quadro unificador do modelo político da colonização europeia”129. A unidade pretendida, e certamente ainda não alcançada pela CPLP na construção do Mundo Luso, deve-se, em muito, a Gilberto Freyre. Ainda que possamos discordar das suas teorias, e é legítimo fazê-lo, é igualmente lícito avocar o pensamento freyriano no contributo que deu para o lançamento da própria CPLP. Isto mesmo considera Adriano Moreira quando escreve: “Parece razoavelmente apoiada nos factos a iniciativa da Universidade da Beira Interior no sentido de revisitar o luso-tropicalismo na data em que a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa tem uma fronteira limitadora e um conteúdo identificador”.130O Professor Adriano Moreira é, sem dúvida, um dos precursores da própria CPLP.

Adriano Moreira vê nesta teoria a fundamentação para a permanência e preservação dos valores culturais portugueses assentes na língua de Camões, de Pessoa e de outros tantos. É este o lastro sobre o qual repousa a identidade do mundo português que, como pensava Gil- berto Freyre, garantia a sua singularidade. Adriano Moreira refere-se directamente à iniciativa

128 MOREIRA, Adriano; VENÂNCIO, José Carlos (org.) - Luso-Tropicalismo, Uma Teoria Social em Questão.

Veja Editora, Alpiarça, 2000, p. 17.

129 Id., Ibid., p. 18. 130 Id., Ibid., p. 19.

desenvolvida pela UBI, relativa ao lusotropicalismo e à sua análise, da seguinte forma:

“(…) O projecto da Universidade da Beira Interior, com o acento tónico posto na criação literária, na memorialística, na literatura de queixa e de combate, nos sonhos de esperança e de redenção, conviria sublinhar que, que na complexa geografia do espaço da comunidade dos povos de língua portuguesa, esta, com todos os valores que transporta, é de facto, agora em sentido alargado, a Pátria de que falava Pessoa”.131

Para muitos dos iniciais defensores do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, como Adriano Moreira, a teoria continua válida. A globalização iniciada pelos portugueses assentou, antes de mais, numa perspectiva de trocas comerciais, sem dúvida, mas, essencialmente, nas trocas culturais, tendo os portugueses aplicado os princípios de respeito pela pessoa humana. Trata- se, justamente, da assunção do princípio de que a missionação e as relações inter-raciais por ela promovidas conduziram a uma forma peculiar de colonização – a portuguesa. Veja-se, a este propósito, a acção do Padre António Vieira no Brasil face à tentativa de submissão dos índios ao trabalho forçado que alguns lhes exigiam. É no contexto deste pressuposto que alguns autores, nomeadamente Adriano Moreira, comparam variadas teorias face ao colonialismo para, em se- guida, explicarem a validade do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre. Escreve Adriano Moreira: “Tem por isso razão o grande sociólogo Gilberto Freyre, quando oportunamente repara que na obra de Toynbee, ao extremar e classificar as civilizações, falta a consideração desta forma peculiar de estar no mundo que afortunadamente designou por luso-tropicalismo”.132

As particularidades da formação do Estado Português e a própria organização política e social terão influenciado, de forma indelével, também o pensamento de Adriano Moreira.

“O português provém de velhas sociedades comunitárias, cujas raízes entroncam no clã proto-histórico. A sociedade comunitária é uma espécie de família complexa formada por um con- junto de famílias extensas de natureza patriarcal. O governo da comunidade está confiado ao conselho formado pelos chefes de família (…). Nas regiões mais abertas ao progresso a sociedade comunitária desapareceu há muito, ficaram só alguns exemplares refugiados em lugares mais ar- caizantes pela dificuldade de acesso. Porém, as famílias patriarcais mantiveram-se, umas vezes intactas, com as suas características iniciais, ou então foram-se transformando, todavia sem per- der as tendências fundamentais que provêm da sua origem comum. Portanto o Português onde chegou e se fixou procedeu de acordo com a sua tradição. Os homens que o serviam faziam parte do agregado familiar. (…) O Português agia como um ser humano que lida com outros seres humanos, num plano de fraternal convívio, e não me canso de repetir este postulado fundamental. Isto é

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 76-86)