• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3. O aborto na agenda eleitoral de 2010

3.3 A entrada do aborto na agenda jornalística

3.3.7. A disputa da agenda jornalística nos espaços de opinião

A definição da agenda jornalística não é algo estanque ou definido apenas por um bloco coeso e monolítico. Ao contrário, em alguns casos, ela pode ser o resultado de uma intensa competição entre o campo jornalístico e outros campos. Os dados e a análise da pesquisa empírica presente neste trabalho demonstram que houve essa disputa identificada nos editoriais dos jornais analisados que criticaram a abordagem do aborto como temática eleitoral. A temática dos escândalos políticos foi explicitamente defendida como assunto mais relevante e com maior impacto sobre a campanha eleitoral do que a utilização de um tema determinado pela agenda conservadora de grupos religiosos. A comparação entre as menções ao aborto nos textos jornalísticos do primeiro e do segundo turnos demonstra que o campo jornalístico teve que reorientar sua cobertura para a nova agenda.

Antes de uma análise sobre os editoriais, é importante identificar os dados quantitativos sobre a presença do aborto nos textos de opinião dos três impressos observados. Os jornais mencionaram o aborto em 143 textos de opinião divididos entre editoriais, artigos, colunas, entrevistas (tabela 7). Esses textos foram encontrados tanto em espaços tradicionais de opinião (páginas iniciais, reservadas aos editoriais ou a colunistas fixos) como em outros cadernos – Eleições 2010, Rio/Cotidiano/Metrópole, cadernos de cultura, etc.. Portanto, quando nos referimos aos espaços de opinião do jornal, tratamos não de um a editoria específica, mas de um texto de opinião publicado na edição. Por editoria, os textos de opinião foram assim distribuídos:

Tabela 7. Textos de opinião X editoria Editoria/

Seção do jornal

Menções /texto Percentual

O País/ Poder/ Nacional 58 40%

Caderno Eleições 2010 13 10% Opinião 56 39% Rio/ Cotidiano/ Metrópole 4 3% Segundo Caderno/ Ilustrada/ Caderno 2 12 8%

Saúde/ Ciência/ Vida 0 0%

Total de textos 143 100%

Fonte: a autora

Os 143 textos de opinião corresponderam a 28% do universo total de 504 textos presentes nesta pesquisa. Além disso, as menções ao aborto nos textos de opinião distribuídos por jornal demonstram que a Folha de S.Paulo foi o jornal que mais publicou textos com opinião sobre a temática do aborto. Foram 82 textos contra 28 do Globo e 33 do Estado de S. Paulo, o que demonstra uma atenção especial para a polêmica nos espaços para a opinião na Folha:

Tabela 8. Menções ao aborto em textos de opinião por jornal Tipo de Texto/

Jornal

Entrevista Coluna Artigo Editorial Total de textos/jornal O Globo 5 (24%) 11 (15%) 8 (22%) 4 (31%) 28 (20%) Folha de S.Paulo 11 (52%) 49 (67%) 15 (42%) 7 (54%) 82 (57%) O Estado de S. Paulo 5 (24%) 13 (18%) 13 (36%) 2 (15%) 33 (23%) Total de textos 21 (100%) 73 (100%) 36 (100%) 13 (100%) 143 (100%) Fonte: a autora

Os 82 textos publicados na Folha de S.Paulo (tabela 8, linha horizontal) correspondem a 57% dos 143 textos de opinião publicados nos três jornais. O tema mobilizou os colunistas do jornal, que abordaram a temática do aborto em 49 textos, ou 67% do total de 73 colunas, seguidas

de 15 artigos (42% dos 36 textos), 11 entrevistas (52% do total de 21 entrevistas) e sete editoriais (54% de um total de 13 textos nesta categoria).

Os 33 textos do jornal O Estado de S. Paulo correspondem a 23% dos 143 textos de opinião presentes no corpus desta pesquisa. Foram 13 colunas (ou 18% dos 73 textos dessa categoria presentes na pesquisa) e 13 artigos (36% dos 36 artigos), além de cinco entrevistas (24% das 21 entrevistas) e dois editoriais ou 15% dos 13 editoriais presentes na pesquisa.

Já O Globo publicou 11 colunas (15% do total das 73 colunas), oito artigos (22% dos 36 artigos publicados), cinco entrevistas (24% das 21 entrevistas) e quatro editoriais (31% dos 13 editoriais presentes na pesquisa).

Os dados da pesquisa também revelam um paradoxo entre as posições expressas nos textos de opinião e a incorporação do tema na agenda jornalística. O uso da temática do aborto nas eleições foi criticado pela maioria das opiniões expressas nos impressos. Seja por articulistas eventuais ou colunistas fixos dos jornais e mesmo pelos editoriais, a maioria das posições condenou a exploração do assunto no debate eleitoral. Mesmo assim, como vimos, essa agenda foi amplamente explorada pelos meios de comunicação a partir de outubro, quando se tornou uma hipótese plausível a influência da temática do aborto no resultado das eleições. Essa aparente contradição sugere que houve uma confluência de interesses que, embora divergentes no princípio, tornaram-se convergentes no segundo turno eleitoral.

No próximo capítulo, analisaremos os enquadramentos e as vozes presentes nesses textos com mais detalhe. Porém, cabe aqui demonstrar alguns registros gerais:

a) Entrevistas - Nas 21 entrevistas publicadas pelos três veículos (tabela 8), encontramos a

maioria das vozes vinculadas ao campo político e religioso. Foram entrevistadas lideranças políticas como o então deputado Ciro Gomes (PSB), o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, assim como candidatos à Presidência no primeiro turno (Plínio de Arruda Sampaio, Marina Silva), e pesquisadores acadêmicos, como Francisco Oliveira, além da personagem religiosa símbolo da cruzada antiaborto naquelas eleições, o católico d. Luiz Gonzaga Bergonzini, que foi ouvido pelo Estado

de S. Paulo em 1o de outubro e pela Folha de S.Paulo em 7 de outubro. As entrevistas em geral foram críticas ao uso do aborto como estratégia de campanha, ou mesmo procuravam justificar os argumentos dos candidatos para o assunto. A exceção foi Bergonzini. A Folha de S.Paulo foi o

veículo que publicou a maior parte das entrevistas (11). Além dos já citados, o jornal paulista ouviu as opiniões de três mulheres que em anos anteriores assumiram publicamente ter feito aborto e criticavam a condução do debate eleitoral: Soninha Francine, dirigente do PPS e integrante da campanha de José Serra (PSDB), a então apresentadora do SBT Hebe Camargo, e Eva Blay, que assumiu a vaga de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no Senado em 1993 e sofreu forte preconceito na época por ter defendido a descriminalização do aborto. O que se percebe é que as entrevistas estavam voltadas para os enquadramentos do debate eleitoral e seus efeitos conservadores e moralistas, além da abordagem voltada ao contexto das estratégias das candidaturas para enfrentar a discussão.

b) Colunas - As colunas e os artigos seguem em geral um padrão. As colunas são textos

publicados periodicamente por profissionais com vínculos empregatícios com as empresas de comunicação. Esses colunistas publicam textos nos espaços fixos para opinião. São profissionais socialmente reconhecidos como expoentes do campo jornalístico, como Eliane Cantanhêde, Josias de Souza, Vinicius Torres Freire, Valdo Cruz, Danuza Leão, José Simão, Ruy Castro, Renata Lo Prete e Suzana Singer, para citar alguns vinculados à Folha de S.Paulo, jornal que dedicou mais espaço para colunas de opinião. Mantendo a mesma característica, O Globo mantinha as colunas de Merval Pereira, Zuenir Ventura, Luiz Garcia e Miriam Leitão e, no

Estado de S. Paulo, Dora Kramer e Marcelo de Morais eram colunistas fixos. Em sua grande

maioria, trata-se de colunistas vinculados profissionalmente à empresa. A exceção nessa categoria foram as presenças do ex-prefeito Cesar Maia, de d. Odilo Scherer e de Luiz Fernando Vianna, todos da Folha de S.Paulo, explicitando publicamente a condenação à prática do aborto. No que se refere às colunas, podemos afirmar que praticamente a totalidade dos textos tinha como enquadramento central a critica ao uso do aborto como parte das estratégias da campanha eleitoral e condenava seu efeito moralista e conservador.

c) Artigos - Já os 36 artigos publicados nos três impressos tinham como característica serem

textos com autores de um espectro mais amplo de profissionais, fora do corpo funcional das redações. Nos 36 artigos, encontramos autores como Frei Betto, Fernanda Torres, Mauro Paulino (diretor do Datafolha), Bertrand de Orleans e Bragança, Denis Rosenfield, Aldo Fornazieri e Antonio Carlos de Almeida Castro, advogado que declarou ter vivido a experiência de três

abortos realizados por suas parceiras (CASTRO, 2010, p. A2) . Em geral, os autores dos artigos têm presença esporádica (alguns publicaram a convite do jornal). Também foram encontrados jornalistas que são colunistas, mas publicaram artigos, em geral textos complementares a reportagens, tendo como objetivo aprofundar as análises do trabalho jornalístico. Os enquadramentos dos artigos também foram mais amplos. O foco central permaneceu sendo as críticas ao uso do aborto como estratégia eleitoral e seus efeitos negativos na sociedade. Mas também houve textos com criticas contundentes à postura “oportunista” de mudar de posição sobre a descriminalização do aborto para conquistar a vitória eleitoral.

Outline

Documentos relacionados