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Capítulo 3. O aborto na agenda eleitoral de 2010

3.3 A entrada do aborto na agenda jornalística

3.3.4 Menções diárias ao aborto

Quando observamos a frequência diária com que o aborto foi referido nos textos jornalísticos, ficam mais evidentes os mecanismos do agendamento. Chama a atenção a mudança no comportamento da cobertura jornalística ao comparar os dois períodos eleitorais. Pela análise diária dos textos jornalísticos percebe-se que o tema do aborto estava presente em textos jornalísticos desde o período inicial da observação, em 11 de julho. No total de referências, os jornais O Globo e O

Estado de S. Paulo possuem a mesma quantidade de textos, 152 (30% cada um). Já a Folha de S.Paulo explorou um pouco mais o tema, considerando as 200 menções (40%) diárias, conforme a

tabela 3:

Tabela 3. Menções diárias ao aborto por jornal, entre 10 de julho e 31 de outubro

Jornal N. de menções Frequência

O Globo 152 30%

Folha de S.Paulo 200 40%

O Estado de S. Paulo 152 30%

Total 504 100%

Fonte: a autora.

Na análise das referências diárias, percebe-se que a temática do aborto esteve presente em textos desde o início de julho, mas sem destaque. Em um determinado momento, porém, houve uma presença mais intensa. Nos dias 23 de julho, com cinco (5) menções (três no Globo e uma na

Folha e uma no Estadão), e 25 de julho, com quatro (4) menções (três no Globo e uma na Folha de S.Paulo). À parte esses dois dias, o aborto foi sempre um tema de baixa atenção na mídia, como

demonstra o gráfico 3:

Gráfico 3. Menções diárias ao aborto, de 11 de julho a 31 de outubro de 2010

0 5 10 15 20 25 30 35 11/7 18/7 29/7 10/8 21/8 26/8 9/9 20/9 26/9 1/10 6/10 11/10 16/10 21/10 26/10 31/10 N úme ro de m ençõe s ao abort o

Fonte: a autora.

O episódio que mobiliza o noticiário em 23 e 25 de julho é a publicação no site oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) de um artigo do principal ativista religioso antiaborto e ferrenho opositor da candidatura de Dilma Rousseff (PT), o bispo de Guarulhos, d. Luiz Gonzaga Bergonzini. Sem tratar do assunto antes, no dia 23, O Globo registra em um canto de página que a entidade religiosa retirou do site oficial na internet o artigo, depois da repercussão negativa que o texto provocou. Apesar da atitude da entidade, a matéria registra que o bispo reiterou sua posição em entrevista ao jornal, “classificando a petista como uma ‘abortista’, que tenta mascarar seu pensamento sobre a descriminalização do aborto no país para evitar prejuízo nas urnas” (“CNBB tira de site texto de bispo contra Dilma”; ver SUWWAN, 2010, p. 15).

A Folha de S.Paulo publicou na primeira edição do dia 23 de julho que o bispo de Guarulhos, d. Luiz Bergonzini, havia divulgado “uma nota pregando boicote a Dilma em missas de 37 paróquias da cidade por causa do apoio do PT à descriminalização do aborto e pelas teses defendidas no PNDH3”. O jornal registra que a nota chegou a ser publicada no site da CNBB, complementando que o religioso afirma que o PT é “contrário aos valores da família”. A matéria não permaneceu na segunda edição do jornal (que fecha por volta das 23h) (“Bispo diz que Dilma é pró-aborto e prega boicote em missas”; ver ZAMBELLI, 2010). O Estado de S. Paulo, por outro ângulo, avançou para as estratégias do PT e dedicou a abertura da página à orientação dada pelo presidente Lula para que seu chefe de gabinete e “ex-seminarista”, Gilberto Carvalho, aproximasse a candidata petista da Igreja Católica, organizando visitas e a acompanhando em encontros e conversas com religiosos católicos. O texto registra a preocupação do presidente Lula “com a disseminação de rumores que têm criado mal-estar entre religiosos e a candidata do PT, Dilma Rousseff (PT). [...] Lula quer evitar que Dilma seja carimbada como defensora do aborto e ganhe a antipatia de bispos e padres” (“Assessor de Lula busca aproximar Dilma de católicos”; ver ROSA, 2010b, p. A8).

No dia 25 de julho foram quatro menções ao aborto, três textos na reportagem de O

Globo e um pequeno texto, também na reportagem, na Folha de S.Paulo. O jornal carioca

abre uma página para apresentar o resultado de uma pesquisa feita pelo veículo com seus leitores e internautas para que votassem nas promessas dos candidatos que considerassem

relevantes, produzindo o “promessômetro”. O aborto estava em oitavo lugar das mais votadas. Em seguida o texto concentrou-se em explorar a proposta de Marina Silva (PV), posicionando-se contra o aborto e propondo um plebiscito e na opinião de cientista político sobre o acerto da candidata ao buscar uma saída dúbia, pois acumularia pontos dos dois lados (DE OLHO, 2010)28.

A editoria O País, do Globo, ainda apresenta um pequeno texto na mesma página em que o aborto é citado, mas o centro da abordagem é a pouca familiaridade do candidato a presidente José Serra (PSDB) com seu vice, Índio da Costa (DEM). O texto informa que, durante uma fala no Rio, Índio da Costa disse: “Serra não é como estes políticos que falam em querer liberar a maconha, querer liberar o aborto”. A nota registra que essa declaração “atropela o aliado Fernando Gabeira”, candidato do PV ao governo do Rio e defensor histórico destes temas (“Um vice ainda pouco afinado com Serra”, ver UM VICE, 2010, p. 12). A terceira referência feita pelo

Globo nesse dia informa que a candidata Dilma Rousseff (PT) assumiu o compromisso no

encontro da Associação das Assembleias de Deus no Brasil de “não defender ou se declarar a favor da liberação do aborto e outros temas polêmicos” (“Dilma muda discurso para evangélicos”, ver DILMA, 2010a, p. 16).

Já a Folha de S.Paulo dedica um pequeno box para registrar que a candidata petista enfrentou manifestação de evangélicos, no Distrito Federal, ao visitar a Convenção Nacional das Assembleias de Deus (“Dilma enfrenta manifestação de evangélicos no DF”; ver DILMA, 2010b, p. A10).

Por esses registros, ainda em julho, é possível perceber que o campo político e setores do campo religioso já articulavam estratégias que usavam a temática do aborto como instrumento político. No entanto, o tema não chamava a atenção da mídia, ou não foi considerado relevante o bastante para receber um espaço de destaque.

O gráfico 3 confirma a mudança na intensidade e frequência das menções diárias no final de setembro, a partir dos dias 29 e 30. De uma média inicial de um a três textos por dia, a edição de 30 de setembro, por exemplo, teve um salto para 12 menções, indicando que o assunto tornou- se relevante e passou a ser tratado em vários textos na mesma edição. Além das doze menções no dia 30 de setembro, outros dez textos mencionaram o aborto no dia seguinte, 1o de outubro. A partir do dia 5 de outubro, dois dias após a eleição em primeiro turno, e já com os resultados da

28 No acervo on-line do Globo, há uma segunda edição da mesma página 12 em que a matéria “De olho nas

primeira votação apurados, o aborto passa a ser tratado de forma intensa e diária pelos três jornais observados.

Em outro recorte, as menções diárias divididas por mês também demonstram que foi no mês de setembro que o campo jornalístico passou a tratar do assunto, confirmando a frequência/intensidade como uma das características do agendamento. Na imagem 4, abaixo, é possível perceber a mudança nas menções ao aborto com um crescimento vertiginoso a partir de setembro:

Gráfico 4. Menções acumuladas por mês, de julho a outubro de 2010

Fonte: a autora.

Na imagem mensal, é possível visualizar a concentração da abordagem ao aborto no mês de outubro, confirmando o agendamento a partir do segundo turno. Nos dois primeiros meses de observação, julho e agosto, foram encontrados 25 textos (5% do total) em cada mês, considerando as referências nos três jornais analisados. Em setembro foram 32 citações (6% do total). O salto nas menções ocorre exatamente no dia 30 de setembro, com 12 registros somente nessa data. É quando O Globo e O Estado de S. Paulo citam pela primeira vez em suas manchetes o aborto como tema da disputa eleitoral. O Globo, por exemplo, tratou do assunto na manchete, em duas reportagens (incluindo a de capa) e na coluna de Merval Pereira, importante colunista do jornal. O

Estado de S. Paulo abordou o assunto em quatro reportagens, incluindo a capa. Já a Folha de S.Paulo citou o tema pela primeira vez na capa do dia anterior, 29 de setembro, quando registrou

0 50 100 150 200 250 300 350 400

Julho Agosto Setembro Outubro

25 (5%) 25 (5%) 32 (6%) 422 (84%) N úme ro de m ençõe s

a queda nas intenções de voto a Dilma Rousseff (PT) e o aborto como uma das hipóteses para explicar a perda de votos. No dia 30 de setembro, tratou do aborto em cinco textos: três reportagens, a coluna de José Simão (Ilustrada) e uma nota na coluna fixa da editoria política do jornal, o Painel.

Os dois últimos dias do mês de setembro marcam uma mudança editorial profunda na cobertura eleitoral dos três jornais observados. Conforme demonstra o gráfico 4, acima, do total de 504 textos que compõem o corpus desta pesquisa, 422 (84%) estão publicados nas edições de outubro. Isso significa que houve um reordenamento na agenda da mídia na virada para o segundo turno das eleições presidenciais.

3.3.5 A concentração da temática do aborto nas reportagens: a construção da notícia na

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