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Capítulo 4. A construção do discurso sobre o aborto no debate eleitoral

4.4 Análise dos dados

4.4.1 Enquadramentos predominantes e seus principais registros nos jornais

4.4.1.1 Aborto como estratégia eleitoral

Na análise por jornal, proporcionalmente, o Estado de S. Paulo foi o impresso com mais quantidade de textos nesse enquadramento. Foram 85 registros (56% dos 152 textos), seguidos pela Folha de S.Paulo com 101 textos (50% do total de 200 textos com menções ao aborto), e de

O Globo com 76 textos (50% do total de 152 textos). Um exemplo de enquadramento nesta

categoria foi a reportagem do Estadão, com chamada de capa, logo depois da eleição em primeiro turno (ROSA; ANDRADE, 2010). O texto na capa registra que

a estratégia de campanha para recuperar votos perdidos após a polêmica sobre o aborto prevê discurso de ‘valorização da vida’ por parte de Dilma. O tom aparecerá na reestreia do programa na TV. O Movimento Nacional de cidadania pela Vida divulgou nota atacando Dilma por declarações ‘oportunistas, ambíguas e eleitoreiras (SOB PRESSÃO, 2010, capa).

Percebe-se nesse enquadramento a ênfase numa ação estratégica, reveladora de uma intencionalidade da campanha de Dilma Rousseff (PT) no ajuste do discurso em direção ao

eleitorado religioso. O texto contempla “o outro lado” vocalizado por um grupo social antiaborto condenando a candidata por sua postura “eleitoreira”. Tal construção, em que pese estar registrando “os fatos”, vem imbuída de um sentido: o de “revelar”, através da manifestação da entidade antiaborto, a estratégia “oportunista” da candidata petista na busca dos votos religiosos. Nesse exemplo, encontram-se dois enquadramentos centrais que demonstram ser possível um texto jornalístico conter mais de um enquadramento relevante para a interpretação dos acontecimentos. Porém, com base na metodologia adotada neste estudo, é possível identificar os enquadramentos predominantes, ou seja, as principais interpretações e controvérsias apresentadas sobre os eventos e temas políticos e a ênfase que prevaleceu no texto (PORTO, 2004, p. 93). Nesse caso, a ênfase predominante está voltada para as estratégias eleitorais adotadas pelos candidatos. O segundo enquadramento entra como reforço à ideia de uma ação estratégica com interesses políticos (eleitoreiros), personificados na voz da entidade antiaborto que condena as atitudes da petista.

Outro exemplo do enquadramento voltado para as estratégias dos candidatos foi a manchete da Folha de S.Paulo de 6 de outubro de 2010, no momento em que os jornais ainda manifestavam uma certa “surpresa” com a realização do segundo turno e o noticiário estava voltado para acompanhar as ações e estratégias dos candidatos petista e tucano na nova conjuntura32. A manchete do jornal desse dia destacava que o PT discutia “retirar de seu programa a defesa da descriminalização do aborto”. De acordo com o texto, “para petistas e aliados do PMDB, a exploração do tema na internet fez a candidata Dilma Rousseff perder votos entre eleitores religiosos – que migraram para a evangélica Marina Silva – e levou ao segundo turno contra José Serra (PSDB)” (PT, 2010, capa).

Além de evidenciar a presença da internet como um novo canal em que a temática do aborto foi explorada no primeiro turno, o texto também destacou o que considerou como evidências da estratégia do PT - e de instituições religiosas - para a abordagem e condução da temática na campanha eleitoral uma vez que o tema tomou importância estratégica no segundo turno. No caso do PT, o enquadramento do texto demonstrou a “capitulação” de alguns dirigentes quanto à posição histórica do partido para o assunto. Já os atores do campo religioso foram

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Apenas como reforço, no capítulo 3 registramos o noticiário do final de setembro que indicava a possibilidade de vitória de Dilma Rousseff (PT) no primeiro turno e a surpresa com o resultado que levou para o segundo turno, fato creditado entre outros aspectos, pelo uso da temática do aborto contra Dilma, promovida por segmentos religiosos e apoiadores da candidatura Serra (PSDB).

ressaltados como representantes das instituições formais da Igreja Católica que também atuavam no debate público com o objetivo de disputar uma orientação aos eleitores:

[...] Dilma defendia a legalização33, mas hoje se diz pessoalmente contra. Segundo José Eduardo Cardozo, que coordena a campanha ao Planalto, a posição pró-aborto não é unânime no PT. “Foi um erro ser pautado internamente por algumas feministas”, declarou André Vargas, secretário de Comunicação do PT. Ontem, a CNBB entrou no debate e lançou a campanha “Em defesa da vida” (PT, 2010, capa).

A característica principal dos textos nesse enquadramento foi demonstrar uma “intencionalidade estratégica” na utilização do aborto tanto pela candidata Dilma Rousseff e seu partido (PT) como pela Igreja Católica. Esse registro demonstra que os atores de campos distintos (político, religioso e o jornalístico com a seleção e construção do texto) atuavam e competiam entre si para a definição das controvérsias do debate público, em que o aborto foi um instrumento dessa disputa. A análise do agendamento (capítulo 3) e, agora, dos enquadramentos serve para mostrar quando e como o campo jornalístico entrou no processo, ao ajustar sua agenda e, então, dar visibilidade e amplo destaque para o tema a partir da virada para o segundo turno.

Na perspectiva do candidato José Serra (PSDB) a polêmica sobre o aborto servia para o tucano reforçar sua posição no eleitorado religioso: “Enquanto Dilma Rousseff divulgava uma nota citando o evangelho e comprometendo-se a não mudar a legislação sobre o aborto, a campanha de José Serra divulgava santinhos, assinados pelo candidato, com a frase ‘Jesus é a verdade e a vida’” (FREIRE, 2010, p. 11; o texto também aparece na capa d’O Globo do dia 16 de outubro).

Tais estratégias foram reforçadas para os leitores numa reportagem sobre a primeira pesquisa IBOPE do segundo turno, encomendada pelos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo. O levantamento revelou que a intenção de voto em Serra “mais que dobra” na comparação entre o último levantamento no primeiro turno. De acordo com o texto jornalístico, tal resultado evidenciava que o candidato tucano “conquistou grande parte do voto evangélico e católico do Brasil”, tendo a preferência de 52% dos evangélicos declarados contra 41% da candidata Dilma Rousseff (PT) (BATISTA, 2010, p. 9).

33Apesar de o texto afirmar que Dilma Rousseff seria “a favor” do aborto, o máximo que esta pesquisa detectou

foram declarações favoráveis à descriminalização do aborto, ressaltando que era preciso considerar o tema como um “caso de saúde pública” pelas consequências provocadas pela prática em condições clandestinas.

Ao mesmo tempo, o noticiário revelava que havia uma estratégia por parte da candidatura tucana de explorar eleitoralmente assuntos polêmicos, conforme registrou O Globo ao divulgar a determinação do TSE de suspender uma propaganda de telemarketing, contratada por José Serra (PSDB) para propagar mensagens pelo telefone contra Dilma em temas como o aborto e as denúncias de corrupção contra a ex-ministra Erenice Guerra (TSE, 2010, p. 15).

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