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CAPÍTULO 2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA

2.3 Modalidades constitucionais de família

2.3.2 União Estável

2.3.2.1 A dissolução da união estável no Brasil

Ao contrário do casamento - em que a sentença de divórcio dispõe de eficácia desconstitutiva -, como o início e o fim das uniões informais independem de atuação estatal, a ação de reconhecimento e dissolução da união estável possui natureza declaratória, sendo assim denominada porque quando as partes buscam a tutela estatal a convivência já se encontra rompida, razão pela qual tecnicamente não se trata somente de um feito resolutório. E tal como ocorre no divórcio, nela não se discute culpa, servindo a respectiva sentença apenas para o efeito de reconhecer a existência da união e identificar o período de convivência. Em Portugal, a união de facto dissolve-se em razão do falecimento, vontade ou casamento de um dos seus membros (nº 1º do art. 8º da Lei nº 7/2001). Para fazer valer direitos que dela dependam, a dissolução por vontade de um dos seus membros deve ser declarada judicialmente (nº 2º do art. 8º da Lei nº 7/2001).

Na forma da Lei nº 9.278/1996, no Brasil as ações de reconhecimento e dissolução de união estável são processadas e julgadas nas Varas de Família do foro do domicílio do guardião do filho incapaz, do último domicílio do casal ou do domicílio do réu, tendo como objetivo produzir efeitos patrimoniais quanto à partilha dos bens comuns, na fixação dos alimentos e na definição de direitos sucessórios (inciso I do art. 53 do CPCB de 2015). Mesmo que o ajuizamento vise tão somente à

obtenção de benefícios previdenciários, cujo respectivo órgão no máximo poderá atuar como assistente simples, a competência para julgamento não se desloca para a Justiça Federal. A pensão por morte ao companheiro sobrevivente obedece a exigências específicas: somente será concedida se o falecimento ocorreu após 24 meses de contribuição e se a união teve início há mais de dois anos do óbito, correspondendo a 50% do benefício e somente vitalícia se o beneficiário tiver até 35 anos de expectativa de vida, ou seja, se tiver 44 anos ou mais. Abaixo dessa idade, o cálculo é diferenciado, sendo que se o companheiro supérstite contar com idade inferior a 21 anos, somente terá direito a receber o benefício por três anos258.

Assim como no divórcio, a ação de reconhecimento e dissolução da união estável pode ser litigiosa e consensual. Por meio de escritura pública ou ação declaratória, os companheiros podem buscar de forma consensual o reconhecimento e a dissolução da união, havendo divergência de entendimento entre a doutrina e a jurisprudência quanto à possibilidade de dissolução por escritura pública, se houver nascituro ou filho incapaz, quando as questões referentes à prole já foram resolvidas pela via judicial, conforme explicado no item anterior. Quando a ação for consensual, a petição inicial deve ser assinada por ambos os companheiros, fazendo-se necessária a definição acerca da partilha dos bens comuns, dos alimentos entre os conviventes, do modelo de guarda, dos alimentos e do regime de convivência dos filhos incapazes259, sendo obrigatória a intervenção do Ministério Público (inciso II do art. 178 e art. 689 do CPCB de 2015), facultada às partes a realização consensual de partilha extrajudicial por meio de contrato particular, mesmo tendo havido a aquisição de bens imóveis, válido e eficaz perante as partes, mas sem efeito perante terceiros (art. 731 e art. 732 do CPCB de 2015).

258Lei nº 13.135, de 17-06-2015. “D.O.U.” (18-06-2015).

259 Art. 731. “A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais,

poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão: I- As disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; II- As disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges; III- O acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e IV- O valor da contribuição para criar e educar os filhos. Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658”; Art. 732. “As disposições relativas ao processo de homologação judicial de divórcio ou de separação consensuais aplicam-se, no que couber, ao processo de homologação da extinção consensual de união estável”.

Quando litigiosa a dissolução, não há exigência de que seja cumulada com outras, admitindo-se sentença parcial, nos termos dos incisos I e II do art. 356 do CPCB de 2015, para a definição do período de convivência, prosseguindo em seus ulteriores termos quanto aos demais pontos controvertidos (art. 693 do CPCB de 2015). É possível a propositura da ação de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem, cuja legitimidade, ativa ou passiva, é dos herdeiros, admitida a legitimidade ativa da viúva em face da suposta companheira260, em caso de separação de fato, quando o falecido era casado no regime da comunhão universal. Havendo herdeiros, constitui hipótese de litisconsórcio necessário261, sob pena de nulidade, conforme estatui a regra do art. 114 do CPCB de 2015262. Da mesma forma, a legitimidade ativa é reconhecida à viúva se o casamento do falecido, celebrado após a união, ocorreu no regime da separação de bens263. É autorizado o pedido de reserva de bens em sede de inventário, com o fim de resguardar direitos do companheiro sobrevivente, enquanto tramita a ação declaratória da união, consoante a dicção do §2º do art. 628 do CPCB de 2015. O STJ, igualmente, admite o reconhecimento incidental da união estável no pedido de inventário quando a união for comprovada por provas documentais incontestáveis264.

260 “(...) A viúva tem legitimidade para promover ação declaratória de inexistência de união estável do

seu falecido marido com a ré (...)” (STJ, REsp 328.297/RJ (2001/0078883-7), Quarta Turma, relator ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgamento em 16-10-2001, DJ de 18-02-2002).

261 “(...) 1. Em ação de dissolução de sociedade de fato cumulada com partilha de bens imóveis ajuizada

em face de homem casado sob o regime da comunhão universal, deve a esposa figurar no pólo passivo da demanda, ante o litisconsórcio passivo necessário (...)”. (STJ, REsp 885.951/RN (2006/0173248-0), Quarta Turma, relator ministro Luís Felipe Salomão, julgamento em 28-04-2009. DJE de 11-05-2009).

262Art. 114. “O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação

jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”.

263 “(...) 1. Existe interesse jurídico na declaração de união estável vivenciada pela parte autora e pelo de cujus, em momento anterior ao casamento celebrado sob o regime da separação de bens, bem como na partilha de bens eventualmente adquiridos pelo esforço comum durante a sociedade de fato (...)”. (STJ, REsp 680.980/DF (2004/0109182-7), Quarta Turma, relator ministro João Otávio de Noronha, julgamento em 17-09-2009, DJE de 05-10-2009).

264“(...) O reconhecimento de união estável em sede de inventário é possível quando esta puder ser

comprovada por documentos incontestes juntados aos autos do processo. Em sede de inventário, a falta de determinação do marco inicial da união estável só importa na anulação de seu reconhecimento se houver demonstração concreta de que a partilha será prejudicada pela indefinição da duração do relacionamento marital. Na inexistência de demonstração de prejuízo, mantém-se o reconhecimento”. (STJ, REsp 1685935/AM 2016/0262393-9, Terceira Turma, relatora ministra Nancy Andrighi, julgamento em 17-08-2017, DJE de 21-08-2017).

Embora não seja necessário formalizar a dissolução da união estável, que termina com o fim da convivência, mesmo havendo consenso entre as partes, não é possível a utilização de escritura pública, por previsão expressa no art. 733 do CPCB de 2015, existindo nascituro ou filhos incapazes, a despeito do apontado entendimento doutrinário quando as questões relativas à prole tenham sido objeto de embora decisão judicial.