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O vínculo matrimonial e seus efeitos em relação aos filhos e à esposa:

CAPÍTULO 1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO DE FAMÍLIA

1.2 O vínculo matrimonial e seus efeitos em relação aos filhos e à esposa:

A influência da autoridade do pater familias remonta ao Direito Romano, em que ao tempo da Lei das XII Tábuas prevalecia a agnatio ou parentesco civil, através do qual o filho pertencia ao pai e a esposa renunciava a sua família de origem, passando a devotar os antepassados do marido. Para o Direito Romano, família em sentido estrito correspondia a um grupo de pessoas submetidas à potestas (autoridade) do pater familias pelo casamento ou a fatos posteriores a ele. Era a chamada família

proprio iure, caracterizada pelo parentesco civil ou agnação.

Já família em sentido lato correspondia a um conjunto de pessoas descendentes do mesmo tronco ancestral, cujo liame continuava a existir após a morte do pater familias, quando a potestas passava a ser exercida pelo filho varão do de

cujus. Era a família communi iure, originada do alargamento ou expansão da família proprio iure, uma vez que o vínculo agnatício não se extinguia entre aqueles que

estavam sob a proteção do falecido70. Com o enfraquecimento da religião e a ascensão de Justiniano, por meio do Corpus Juris Civilis, foi promovida a revisão do Direito Romano, passando a prevalecer a cognatio ou o parentesco biológico.

70SANTOS, Severino Augusto dos - Iustae nuptiae vel matrimonium Direito Romano, cristianismo e reflexos sobre o Direito Civil brasileiro. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2015. Tese de doutoramento. p. 12-13. [Consultado29/09/2018]. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28939/3/Iustae%20nuptiae%20vel%20matrimonium.pdf.

No Brasil, antes da Carta Política de 1988, as relações parentais eram legalmente diferenciadas conforme sua formação pelo casamento. A filiação gerada fora do matrimônio era qualificada como ilegítima porque o Estado não admitia a sua possibilidade de formar cidadãos socialmente capazes71, salvando-se de tal sorte os legitimados pelo casamento posterior dos pais (per subsequens matrimonium). O art. 332 do CCB de 1916 estabelecia que, no parentesco legítimo, a filiação procedia do casamento, sendo o contrário ilegítimo, e natural, originado da consanguinidade, ou civil, resultante da adoção.

Se além de não serem casados existisse algum impedimento ao matrimônio dos genitores, os filhos seriam considerados espúrios. Esses, por sua vez, eram subdivididos em adulterinos e incestuosos, sendo os primeiros advindos do casamento de um ou de ambos os pais, enquanto aqueles, qualificados de incestuosos, correspondiam aos nascidos de parentesco próximo entre os pais. De todo modo, os filhos não havidos do casamento não eram titulares de qualquer direito, já que o valor social da filiação repousava na proteção garantida pelo matrimônio à prole conjugal.

O já citado Decreto nº 3.200/1941, ao dispor sobre a organização e proteção da família, garantiu a gratuidade de reconhecimento dos filhos naturais, assim compreendidos aqueles nascidos de pais ainda solteiros, sem impedimento para o casamento, proibindo menção à circunstância de ser legítima ou ilegítima a filiação nas certidões de registro civil, salvo mediante requerimento do próprio interessado ou determinação judicial.

No caso do matrimônio, se um dos cônjuges negasse consentimento para que residisse no lar conjugal o filho natural reconhecido do outro, caberia ao pai ou à mãe, que o reconheceu, prestar-lhe fora do seu lar assistência igual à prestada ao filho legítimo, incluindo o pagamento de alimentos (arts. 14 e 15 do Decreto nº 3.200/1941). Em sua redação original, o art. 16 do Decreto nº 3.200/1941 dispunha que a autoridade parental caberia ao genitor que primeiro reconheceu o filho, “salvo destituição nos casos previstos em lei”.

71LEHMANN, Heinrich - Derecho de Família. Madrid: Revista de Derecho Privado, vol. 4 (1953), p.

Posteriormente, o Decreto-lei nº 5.213/194372, modificando a sistemática anterior, estabeleceu, na hipótese de reconhecimento por ambos, a autoridade parental paterna, exceto mediante decisão judicial proferida no interesse do menor. Em nova redação, estabelecida pela Lei nº 5.582/197073, no caso de reconhecimento por ambos, o menor ficaria sob a autoridade parental materna, salvo se da decisão houvesse prejuízo ao menor, ou de outra pessoa idônea da família de qualquer dos genitores, verificado que o filho não deveria permanecer em poder da mãe ou do pai.

A cultura da filiação nupcialista começou a sofrer os influxos socioculturais com a edição do mencionado Decreto-lei nº 4.737/1942, que tratou do reconhecimento do filho natural. Tal diploma estabeleceu que o filho havido fora do matrimônio poderia ser reconhecido, espontânea ou forçadamente, após o desquite74.

Posteriormente, a Lei nº 883/1949 revogou o Decreto-Lei nº 4.737/1942. A Lei nº 883/1949 autorizou o reconhecimento, voluntário ou forçado, do filho adulterino, finda a sociedade conjugal também pela morte e não apenas pelo desquite75. Na vigência do casamento, o reconhecimento do filho adulterino constituía ofensa ao outro cônjuge e era capaz de provocar a ruína do matrimônio. Rompida a sociedade conjugal pelo desquite ou morte, não havia mais razão para impedir o reconhecimento, proibindo-se, a partir da edição do referido diploma, qualquer referência à filiação no Registro Civil.

Todavia, na redação original do art. 2º da Lei nº 883/1949, o filho reconhecido herdaria somente a metade do que coubesse aos irmãos legítimos, circunstância que uma vez mais revelava o caráter conservador da legislação vigente, cuja construção era edificada sob parâmetros de moralidade destinados à preservação do casamento.

A Lei do Divórcio, alterando a redação do §1º do art. 1º e do art. 2º da Lei nº 883/1949, permitiu o reconhecimento do filho ilegítimo por meio de testamento cerrado na vigência do casamento de qualquer dos cônjuges, reconhecendo o direito à

72Decreto-Lei nº 5.213, de 21-01-1943. “D.O.U.” (25-01-1943).

73Lei nº 5.582, de 16-06-1970.“D.O.U.”(17-06-1970 retificado em 29-06-1970).

74Art. 1º. “O filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser reconhecido

ou demandar que se declare sua filiação”.

75Art. 1º. “Dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos cônjuges o reconhecimento

herança em igualdade de condições, qualquer que fosse a natureza da filiação. Já a Lei nº 7.250/198476, promovendo nova modificação na Lei nº 883/1949, permitiu o reconhecimento judicial do filho havido fora do casamento pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos consecutivos (§2º do art. 1º).

Em matéria de adoção, a Lei nº 3.133/1957 atualizou a disciplina jurídica prevista no CCB de 1916. Pela legislação civil então vigente, só poderiam adotar os maiores de 50 anos sem filhos legítimos ou legitimados. O adotante deveria ser pelo menos 18 anos mais velho que o adotado. Era vedada a adoção sem o consentimento do guardião do menor ou do seu curador. O vínculo de adoção poderia ser dissolvido se as duas partes conviessem e se o adotado cometesse ato de ingratidão contra o adotante. A adoção produziria efeitos se sobreviessem filhos ao adotante, salvo se provado que o filho estava concebido no momento da adoção.

Modificando a sistemática do CCB de 1916, a Lei nº 3.133/1957 diminuiu para mais de 30 anos a idade para ser adotante, que deveria ser 16 anos mais velho que o adotado. Sendo os adotantes casados, somente era permitida após cinco anos de casamento. A adoção necessitava apenas do consentimento do adotado ou do seu representante legal, podendo consensualmente ser dissolvida pelas partes e nos casos de deserdação. E ainda, quando o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolveria a sucessão hereditária. No ato da adoção, seriam declarados os apelidos da família que o adotado passaria a utilizar, podendo conservar os dos pais biológicos, acrescentar os do adotante ou adotar somente os do adotante.

Posteriormente, a Lei nº 6.697/1979 promoveu significativa modificação na relação parental. Pelo referido diploma, eram considerados menores de idade pessoas até 18 anos, em situação irregular77, e entre 18 e 21 anos, nos casos expressos em lei. O então denominado Código de Menores diferenciava a adoção simples da adoção plena.

76Lei nº 7.250, de 14-11-1984. “D.O.U.” (16-11-1984).

77Assim considerados os menores: a) Privados de condições essenciais de vida; b) Vítimas de maus

tratos; c) Em perigo moral; d) Sem representação ou assistência legal; e) Com desvio de conduta; f) Autores de infração penal.

A primeira era destinada ao menor em situação irregular. Condicionava-se à autorização judicial, devendo o interessado indicar, no requerimento, os apelidos de família que usaria o adotado, precedida de estágio de convivência com o menor, pelo prazo que a autoridade judiciária fixasse, podendo ser dispensado se o adotando tivesse menos de um ano de idade.

Já a adoção plena atribuía a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com pais biológicos e demais parentes, salvo os impedimentos matrimoniais, sendo cabível até os sete anos de idade para aqueles que se encontrassem em privação de condições essenciais à subsistência, saúde e instrução.

A adoção plena também caberia em favor de menor com mais de sete anos, que já estivesse sob a guarda dos adotantes, deferida após período mínimo de um ano de convivência com os requerentes, somente admitida a pessoas casadas há mais de cinco anos, dos quais pelo menos um dos cônjuges tivesse mais de 30 anos, exigência dispensada caso comprovada a esterilidade de um deles e a estabilidade conjugal.

Também era autorizada a adoção plena no caso de viuvez, desde que o menor tivesse mantido convivência de três anos com o cônjuge falecido. Os cônjuges separados judicialmente, após três anos de casamento, igualmente poderiam requerê- la, caso acordassem sobre a guarda do menor, após a separação judicial. Nas certidões do registro nenhuma observação poderia constar sobre a origem do ato, sendo a adoção irrevogável, ainda que aos adotantes viessem a ter filhos biológicos, que seriam equiparados aos adotados em direitos e obrigações. A disciplina legal da adoção de criança e de adolescente no Brasil encontra-se atualmente prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que será objeto de abordagem no capítulo seguinte, já que editado após a promulgação da CFB de 1988.

A modificação da situação jurídica da mulher na família percorreu trajetória ainda mais complexa. E assim ocorreu porque a construção das identidades entre os gêneros, ao longo da história humana, costuma ser configurada a partir da dicotomia entre as esferas pública e privada, com papéis definidos segundo modelos naturais.

Para elas, mesmo quando direitos lhes são abstratamente reconhecidos, um longo hábito, revelado em costumes seculares, vem impedindo sua expressão concreta. Se no Gênese, Eva aparece extraída de um “osso supranumerário” de Adão, a mulher em Aristóteles sofria de certa “deficiência natural”, o que para São Tomás de Aquino a transformava em um “homem incompleto”.

Assim, o lugar atribuído ao homem e à mulher na sociedade não é produto de diferenças biológicas, mas corresponde à manifestação de relações sociais baseadas em estruturas de poder, histórica e culturalmente delimitadas. Com isso, se ainda no presente salários mais altos e postos mais importantes na política não lhes são reservados, tal ocorre porque o prestígio que reveste a posição ocupada pelo homem na sociedade é fruto de uma história construída sob a perspectiva masculina78.

No sistema normativo, a situação de inferioridade feminina remonta ao Direito Romano, em que a mulher, destituída de personalidade jurídica, tinha sua posse transmitida do pai ao marido, posse que, no caso de viuvez, era transmitia para a família do cônjuge falecido. O Brasil, mesmo após sua independência, continuou valendo-se das Ordenações Filipinas, que por mais de 300 anos mantiveram em vigor o conservadorismo do poder patriarcal vivido na Idade Média.

O regime das Ordenações permitia que o marido aplicasse castigos corporais à esposa filhos, estabelecendo uma série de vedações à mulher, que não podia ser testemunha em testamento público, nem tutora ou curadora em caso de novas núpcias, salvo se viúva “vivesse honestamente”. Além disso, o exercício da autoridade parental era exclusividade do marido, que decidia sobre a maioria dos atos civis, cuja prática dependia de sua autorização.

A disciplina legal até então vigente foi modificada pelo Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, que dispôs sobre o casamento civil. No período precedente ao CCB de 1916, o Decreto nº 1.839/ 1907 (Lei Feliciano Pena)79 marca o início das modificações da situação da mulher no casamento, ao promover o cônjuge sobrevivente na ordem de sucessão hereditária, passando a suceder antes dos

78BEAUVOIR, Simone de, op.cit. p.12 e 17.

colaterais. No regime jurídico das Ordenações, aquele somente era chamado a suceder se não houvesse descendentes, ascendentes e colaterais até o décimo grau80.

O advento do diploma civil de 1916 manteve a supremacia masculina na condução da família, reservando ao marido a direção da sociedade conjugal; a representação legal81 e a fixação do domicílio da família; a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher; o direito de autorizar a profissão da esposa, fixando sua residência fora do teto conjugal e o encargo de mantença da família, salvo se casados pela separação de bens, quando cabia à mulher concorrer proporcionalmente para as despesas do casal com os rendimentos dos seus bens.

Quanto a esse último aspecto, a imposição ao marido dos encargos financeiros em relação à família foi justificada por Clóvis Bevilácqua (1859-1944), autor da primeira versão do CCB de 1916, com fundamento nos deveres conjugais atribuídos distintamente ao homem e à mulher, em correspondência aos papéis desempenhados por cada um na sociedade: ao marido destinava-se o espaço público, cabendo à esposa a garantia do bem-estar emocional dos membros da família, sendo a perda de sua autonomia “compensada” com a respeitabilidade social atribuída pelo casamento.

Na comparação com o direito anterior, o CCB de 1916 representou relativo progresso no status da mulher casada, já que o sistema das Ordenações atribuía ao homem o direito de exigir obediência da mulher, autorizando-o a castigá- la, tal como aos criados ou discípulos, filhos e escravos. Referida evolução, observa- se da redação original do art. 240 do CCB de 1916, ao garantir à mulher a condição de companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família, assumindo pelo casamento os apelidos do marido. No mesmo sentido, a lei civil de 1916 autorizou o exercício da autoridade parental à esposa, na falta ou impedimento do marido, situação semelhante à administração dos bens dos filhos, admitida àquela em caráter excepcional, nos termos dos arts. 380 e 385.

80ALMEIDA, Cândido Mendes - Ordenações Filipinas [em linha]. [s.n.]. Rio de Janeiro, 1870.

[Consultado 08/09/2018]. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242733.

81Mantida pela pelo Código de Processo Civil de 1939, que impedia a mulher de ingressar em juízo

As reivindicações pela ampliação dos direitos civis da mulher na sociedade brasileira remontam a 1919, ano em que foi apresentado o primeiro projeto de lei sobre o voto feminino. Desde então, o movimento feminista, liderado por Bertha Lutz (1894-1976), influenciou na garantia do direito ao voto, na proibição de distinção por sexo ou estado civil e no acesso de mulheres às carreiras públicas, previstos na CFB de 1934.

Por meio do Decreto nº 21.076/193282, que instituiu o Código Eleitoral, foi garantido o voto feminino no Brasil, facultativo e restrito às solteiras e viúvas, que exerciam atividade remunerada, incorporado à CFB de 1934. Posteriormente, a Lei nº 48/193583, que modificou o Código Eleitoral de 1932, tornou o voto feminino obrigatório, sem considerar, no entanto, a situação da mulher casada, que permanecia sujeita às limitações estabelecidas pelo CCB de 1916, somente equiparado ao voto masculino pelo Código Eleitoral de 196584.

Assim, o Projeto de Lei nº 736/193785 (denominado simplesmente de Estatuto da Mulher) previu a eliminação de qualquer restrição à mulher, baseada no sexo ou estado civil, assegurando a liberdade de exercício profissional sem interferência do marido; proibindo a demissão em caso de gravidez; garantindo a administração própria de cada cônjuge dos bens que lhes pertencessem exclusivamente e a administração dos bens comuns a ambos; adotando como regime legal a comunhão parcial de bens e assegurando à concubina (como então era denominada a companheira) direito sucessório e previdenciário.

Contudo, a implantação do regime ditatorial no país pela CFB de 193786 inviabilizou a sua aprovação, abolindo, inclusive, os direitos conquistados pela CFB de 1934, como a proteção do emprego de mulheres grávidas e a garantia de acesso das mulheres às carreiras públicas.

Em 1943, por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a mulher recebeu proteção parcial, comparativamente ao previsto na CFB de 1934,

82Decreto nº 21.076, de 24-02- 1932. “D.O.U. Seção 1” (26-02-1932). 83Lei nº 48, de 04-05-1935. “D.O.U. Seção 1” (08-05-1935).

84Lei nº 4.737, de 15-07-1965. “D.O.U.” (19-07-1965 retificada em 30-07-1965). 85Projeto de lei nº 736/1937. “D.P.L.” (de 19-10-1937).

86Constituição Federal de 1937, de 10-11-1937. “D.O.U” (de 10-11-1937, republicada em 11-11-1937,

expressa na autorização presumida de seu marido para o exercício de atividade assalariada. Entretanto, a lei trabalhista garantia ao homem o direito de exigir o término do contrato de trabalho da esposa, caso julgasse ameaçada a ordem familiar ou considerasse perigoso o trabalho desenvolvido. Assim, o diploma legal de 1916 permanecia presente na vida das mulheres brasileiras.

A Lei n° 4.121/1962, aprovada após 10 anos de tramitação, foi resultado de um projeto bem menos ambicioso do que aquele proposto por Bertha Lutz. Embora tenha banido do ordenamento jurídico brasileiro a incapacidade feminina, anulando normas consideradas discriminadoras, o então chamado Estatuto da Mulher Casada manteve o marido como representante legal da família e chefe da sociedade conjugal, função que passa a exercer com a colaboração da mulher, permanecendo, porém, com a responsabilidade exclusiva de administrar os bens particulares e comuns, preservando, ainda, como regime legal do casamento, o da comunhão universal.

O mesmo tratamento vigorou no ordenamento jurídico português até a reforma do CCPort. de 197787, em que a chefia familiar, a administração e disposição do patrimônio conjugal eram atribuições do marido, mesmo quando próprio da mulher, a quem competia o governo doméstico.

A Constituição Portuguesa de 1976 assegurou a isonomia parental e patrimonial entre os cônjuges, embora com resquícios da legislação anterior. O CCPort. (art. 1676º), por exemplo, autoriza a renúncia da vida profissional de um dos cônjuges em favor da vida em comum, geradora de pensão compensatória quando da dissolução do vínculo, amplamente comum à esposa.

No Brasil, o Estatuto da Mulher Casada conferiu à esposa a condição de colaboradora do marido no exercício da autoridade parental, até então desfrutada supletivamente, preservando-lhe a titularidade quando após a viuvez contraísse novo casamento. Caso divergissem, prevalecia a decisão do pai, ressalvado o direito da mãe de recorrer ao juiz para a solução de eventual controvérsia. No caso de desquite, os filhos menores ficariam com cônjuge inocente. Se ambos fossem culpados, ficariam em poder da mãe, salvo se disso resultasse prejuízo de ordem moral para eles.

A lei também garantiu à mulher a fruição de bens adquiridos com o seu trabalho, denominados de bens reservados, atribuindo tal natureza aos bens adquiridos com os rendimentos daqueles e aos sub-rogados. Todos passariam a constituir um patrimônio separado, cuja administração seria exclusiva da mulher, com exceção dos imóveis, que não podiam ser alienados sem autorização do marido.

Nesse ponto, ao estabelecer que os frutos do trabalho não mais seriam partilhados pelos casais no regime da comunhão universal, como até então estabelecido pelo Código Civil, a Lei n° 4.121/1962 significou, na prática, perda de acesso à renda do marido, já que a maioria das mulheres ainda não participava do mercado de trabalho. Novamente a justificativa apresentada possuía cunho penalizante, de conteúdo moral, pois o contrário, afirmava o relator do então Projeto de lei, deputado Milton Campos (1900-1971), abriria caminho para “instabilidades” no interior da família.

O Estatuto colocou a salvo os bens particulares do cônjuge e a sua meação nos comuns na execução por dívidas firmadas por apenas um deles, estranhas aos interesses do núcleo familiar88, permitindo, ainda, o exercício profissional da mulher fora do lar sem anuência do marido, além de autorizá-la a recorrer à Justiça caso a fixação do domicílio da família pelo marido a prejudicasse.

Garantiu, também, caso o regime não fosse o da comunhão universal, o direito de usufruto ao cônjuge viúvo sobre a quarta parte dos bens do cônjuge falecido, havendo filhos deste ou do casal, e sobre a metade se não houvesse filhos, e

88Sobre o assunto, durante muito tempo a doutrina e a jurisprudência questionaram se seria possível

materializar a meação do cônjuge responsável pela dívida na constância do casamento. Havia basicamente três posicionamentos: a) Somente era possível a materialização quando dissolvida a sociedade conjugal, já que no regime da comunhão a propriedade é apenas ideal na massa indivisa, sobre a qual o cônjuge não pode dispor enquanto perdurar a sociedade, sendo inalterável o regime de bens na vigência do casamento; b) É possível a materialização da parte ideal na vigência da sociedade conjugal por ter o Estatuto permitido a responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges sobre a sua