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A dissolução no casamento na Constituição Federal de 1988 e suas

CAPÍTULO 2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA

2.3 Modalidades constitucionais de família

2.3.1 Casamento

2.3.1.1 A dissolução no casamento na Constituição Federal de 1988 e suas

De modo geral, transita-se, nas legislações, entre os conceitos de divórcio sanção e divórcio remédio, não fugindo à regra a lei brasileira. Em Portugal, por exemplo, até o advento da já mencionada Lei nº 61/2008, era entendimento pacífico a imperatividade dos deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, cuja violação culposa autorizava a extinção do vínculo. Referida lei eliminou a figura da culpa (divórcio sanção), acolhendo a modalidade divórcio fracasso ou constatação da ruptura. Com isso, o casamento tornou-se cada vez mais identificado a “factos de comunhão de vida”, sem imposição de deveres jurídicos e restrições à cessação, de maneira que o descumprimento de tais deveres não gera a dissolução do vínculo conjugal ou a obrigação de indenizar194.

Nas legislações onde era admitido, o divórcio como sanção sempre foi baseado na ideia de culpa de um ou de ambos os cônjuges, motivada pelo descumprimento das obrigações matrimoniais. Tal solução, todavia, nunca foi a que mais agradou ao legislador, nem aos casais em conflito, motivo pelo qual sempre foi incentivada a separação ou o divórcio por mútuo consentimento, como tradução do divórcio remédio, afastando-se as noções de culpa ou ilicitude.

Assim, quando o §6º do art. 226 da CFB de 1988, em sua redação original, estabeleceu que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos” o enfoque da legislação passou a ser o rompimento da affectio maritalis, expresso no limite temporal de existência do

193Nesse sentido, entendem Maria Berenice Dias (DIAS, Maria Berenice, op. cit., p. 188), Sílvio

Rodrigues (RODRIGUES, Sílvio - Direito Civil: Direito de Família. 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, vol. 6, p. 83) e Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, Caio Mário da Silva - Instituições de Direito Civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. 5, 2011, p. 85).

casamento ou separação de fato duradoura. Nos termos do citado dispositivo chamava-se de divórcio indireto aquele autorizado após um ano de separação judicial, e de divórcio direto, o permitido após dois anos de separação de fato. A constitucionalização do divórcio representou uma tentativa de deixar de incentivar os cônjuges a procurar causas jurídicas para justificar o rompimento, tais como o adultério, injúria e abandono do lar.

Entretanto, referidas circunstâncias continuaram presentes mesmo após a alteração da legislação civil ocorrida em 2002, conforme dispõe o art. 1.573 do CCB de 2002. De maneira semelhante, em Portugal, a mencionada Lei nº 61/2008 deixou de exigir a comprovação da culpa de quaisquer dos cônjuges para autorizar o chamado divórcio sem consentimento. Com isso, não mais se atribui penalidades ao pretenso culpado pelo término conjugal, interessando ao direito apenas estabelecer as consequências pessoais, parentais e patrimoniais da extinção do vínculo matrimonial (art. 1781°, al. d, arts. 1790° a 1792° do CCPort). Todavia, o divórcio sem consentimento deve ser fundamentado na prova de “factos legalmente previstos”, a saber: a) Separação de fato por um ano consecutivo, assim compreendida quando não mais existe comunhão de vida entre os cônjuges e o propósito, de um ou de ambos, de não restabelecimento; b) Alteração das faculdades mentais do outro cônjuge há mais de um ano, cuja gravidade comprometa a vida em comum; c) Ausência de um dos cônjuges por tempo não inferior a um ano; d) Quaisquer outros fatos que, independentemente de culpa, mostrem a ruptura definitiva do casamento.

Desse modo, segundo a lei civil portuguesa, eventual descumprimento dos deveres conjugais interessa apenas para caracterizar a ruptura fática e definitiva do casamento, nos termos do art. 1781° do CCPort. Alguns autores, no entanto, com fundamento no referido dispositivo, defendem que a lei continua a atribuir penalidade ao cônjuge culpado. Mas segundo Carlos Pamplona Corte-Real195, o direito atribuído ao cônjuge lesado de reparação por dano, nos termos gerais da lei civil, não se refere à culpa, erradicada em matéria de casamento, mas sim a danos causados como se terceiro fosse (v.g. ofensas à integridade física, homicídio, violência doméstica etc.), não propriamente relacionados aos deveres conjugais.

No Brasil, alterando a legislação divorcista, a Lei nº 8.408/1992196 passou a autorizar a separação judicial pedida pelo cônjuge que provasse a ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo (e não mais de cinco anos) e a impossibilidade de sua reconstituição, diminuindo de para um ano o prazo para o pedido de conversão da separação judicial em divórcio, e para fins de contestação. Além disso, a citada Lei nº 8.408/1992 permitiu que a mulher continuasse a adotar o nome de casada, se o retorno ao nome de solteira acarretasse prejuízo para a sua identificação, distinção entre o seu nome de família e dos filhos e em caso de dano grave reconhecido em decisão judicial (art. 25 da Lei do Divórcio). Antes disso, a também mencionada Lei nº 7.841/1989 revogou o art. 38 da legislação divorcista, que o permitia uma única vez. O mesmo diploma legal estabeleceu, nos termos previstos pela CFB de 1988, a possibilidade do divórcio direto, comprovado o prazo de separação de fato de dois anos consecutivos, conforme a dicção do caput do art. 40 da Lei do Divórcio.

Já o CCB de 2002, de modo geral, atualizou a disciplina divorcista conforme as modificações até então ocorridas, nos termos dos arts. 1.572, 1.573 e 1.580197. Assim, o citado diploma civil não só manteve as hipóteses de separação judicial (caput do art. 1.573), como as ampliou (parágrafo único do art. 1.573), autorizando o magistrado a “(...) considerar outros fatos que tornem evidente a

196Lei nº 8.408 de 13-02-1992. “D.O.U.” (14-02-1992).

197Art. 1.572. “Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro

qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.§1º. A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.§2º. O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.§3º. No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal”; Art. 1.573. “Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: I- Adultério; II - Tentativa de morte; III- Sevícia ou injúria grave; IV- Abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V - Condenação por crime infamante; VI - Conduta desonrosa. Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”; “Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. §1º. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. §2º O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

impossibilidade da vida em comum”. Restava, desse modo, preservado o sistema dualista ou binário de dissolução da sociedade conjugal. Dentre as modificações, o diploma civil de 2002 eliminou a cláusula de dureza prevista nos §§1º e 2º do art. 5º e art. 6º da Lei do Divórcio, que impedia a separação judicial se aquela agravasse as condições pessoais ou a doença do outro cônjuge, ou determinasse, em qualquer caso, consequências morais para os filhos menores. Desse modo, segundo o CCB de 2002, na hipótese de separação judicial por cônjuges por ruptura da vida em comum há mais de um ano ou doença moléstia mental grave, que agravasse as condições pessoais ou a enfermidade, ou que impactasse moralmente os filhos menores, a separação não mais poderia ser negada, aplicando-se somente a reversão, em favor do enfermo, dos bens que levou para o casamento e, se assim o permitisse o regime de bens, a meação dos adquiridos na constância do casamento. Na prática, a comunicabilidade só não se aplicaria no regime da comunhão universal de bens, já que nos demais cada cônjuge conservava patrimônio distinto.

Quanto ao nome dos cônjuges, em face do princípio constitucional da igualdade, o CCB de 2002 estendeu a ambos o direito de acrescentar ao seu o sobrenome do outro, conforme o §1º do art. 1.565, do codex civil, além de manter os termos do parágrafo único do art. 25 da Lei do Divórcio, que estabelece a perda do direito do uso do nome no caso de culpa na ação da separação judicial, excepcionando as hipóteses de prejuízo para a identificação, distinção com o nome dos filhos e dano grave reconhecido na decisão judicial (art. 1.578 do CCB de 2002). Já o §2º do art. 1.571do CCB de 2002 autorizou no divórcio direto, ou na conversão da separação judicial em divórcio (divórcio indireto), a manutenção do nome de casado, exceto, no último caso, se diferentemente disposto na sentença de separação.

No tocante aos filhos, manteve-se a sistemática vigente, segundo a qual o divórcio não modificaria os direitos e deveres dos pais, atribuindo-se a guarda a quem revelasse melhores condições de exercê-la, segundo o caput do art. 1.579 do CCB de 2002. No particular, a Lei nº 13.058/2014198, alterando o CCB de 2002, estabelece como regime legal o modelo de guarda compartilhada, equilibrando o tempo de convivência entre os genitores, tendo em vista os interesses dos filhos. Assim, a

guarda compartilhada passa a ser regra no ordenamento jurídico brasileiro, caso ambos os genitores se encontrem em condições de exercê-la, salvo se um deles declarar que não deseja, quando então a guarda será unilateral, sem prejuízo do seu deferimento a terceira pessoa, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade (art. 1.583 do CCB de 2002).

Os alimentos entre cônjuges foram disciplinados pelo art. 1.704 do CCB de 2002, distinguindo-se os alimentos côngruos ou civis dos alimentos necessários, sendo os primeiros destinados à manutenção do padrão social existente ao tempo do matrimônio (caput do art. 1.704 do CCB 2002) e os segundos destinados estritamente à sobrevivência, descritos no seu parágrafo único. Pelo CCB de 2002, o cônjuge culpado faria jus aos alimentos necessários (art. 1.704). No caso de separação judicial por mútuo consentimento, o art. 1.574 do CCB de 2002 diminuiu de mais de dois para mais de um ano de casados o prazo para sua autorização, admitida a recusa pelo juiz quando entendesse que o pedido não preservava os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.

Seguindo a sistemática adotada em países como Portugal199, no Brasil a já mencionada Lei n° 11.441/2007 rompeu o monopólio estatal na dissolução do casamento, admitindo-se a realização do divórcio por escritura pública perante o tabelião, nos termos do CPCB de 2015, incluídos dentre os chamados procedimentos de jurisdição voluntária, por inexistir conflito entre as partes. Assim, passou a ser facultada a via administrativa para a dissolução do casamento, quando não há filhos

199Onde o divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido na Conservatória do Registro Civil

(CCPort. art. 1773º, nº 1), assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, podendo ser determinada a prática de atos e a produção de prova. O acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais é enviado ao Ministério Público. Se o parquet considerar que o acordo acautela os interesses dos menores, ou tendo os cônjuges alterado o acordo nos termos por ele indicados, o divórcio será decretado pelo conservador. Caso os requerentes não concordem com as alterações e/ou se os acordos apresentados não acautelarem os interesses de um dos cônjuges, o processo será apreciado pelo Tribunal da comarca a que pertença a Conservatória (CCPort., art. 1775º). O divórcio por mútuo consentimento, ou divórcio por causa não revelada, pressupõe acordo de vontades. Nele os cônjuges não precisam revelar a causa do rompimento, dispondo sobre a partilha dos bens (ou pedido de elaboração de acordo), alimentos, responsabilidades parentais (quando não previamente regulado judicialmente), o destino da casa de morada da família e animais de estimação (CCPort., art. 1775°, nº 1), havendo progressiva facilitação do divórcio por mútuo consentimento, tanto na inexistência de imposição de prazo de duração do casamento, quanto no procedimento a ser observado, já que a partir da Reforma de 2008, a lei civil deixou de exigir acordo dos cônjuges quanto às matérias definidas no art. 1775° do CCPort..

nascituros ou incapazes, sem prejuízo de opção pela via judicial, segundo previsto no art. 733 da lei civil adjetiva. Da escritura deverão constar estipulações sobre pensão alimentícia, partilha dos bens, manutenção do nome de casado ou retorno ao nome de solteiro, sendo que no silêncio se presume que o cônjuge que adotou o sobrenome do outro assim irá permanecer, sendo possível sua exclusão a qualquer tempo em nova escritura pública. A lei não exige que as partes compareçam ao Cartório de Notas, já que se trata de negócio jurídico, sendo possível que se façam representar por procurador (advogado ou defensor público) com poderes especiais. Por força do art. 46 da citada Resolução CNJ n° 35/2007, o tabelião pode se recusar a proceder ao registro da dissolução administrativa do casamento se entender que há indícios de prejuízos a um dos cônjuges ou em caso de dúvida sobre a declaração de vontade, devendo sua manifestação ser fundamentada e por escrito.

Embora a lei processual civil e a Resolução do CNJ estabeleçam que na escritura deva constar a descrição e partilha dos bens comuns, tanto o CPCB de 2015 quanto o CCB de 2002 autorizam a partilha em momento posterior ao divórcio. Assim, dispõem o parágrafo único do art. 731 do CPCB 2015 e art. 1.581 do CCB de 2002. Enquanto isso, os bens ficam em estado condominial, podendo a partilha ser feita por contrato particular, não gerando, todavia, efeitos perante terceiros. Quando realizada por escritura pública é indispensável que seja averbada no registro de casamento, já que se antes da partilha um dos divorciados resolve se casar é obrigatório o regime da separação legal de bens, nos termos do inciso I do art. 1.641 do CCB de 2002. Embora a lei seja omissa, a doutrina admite a reconciliação pela via administrativa200, salvo pretendendo os cônjuges alterar o regime de bens, quando se torna imperioso que a pretensão seja deduzida pela via judicial (§2º do art.1.639 do CCB de 2002).

Finalmente, por força da Emenda Constitucional n° 66/2010, a legislação divorcista sofreu nova e profunda alteração. A referida emenda modificou a redação do §6º do art. 226 da CFB de 1988 nos seguintes termos: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Ao deixar de estipular prazos e a necessidade de individualizar as causas do término conjugal, a modificação constitucional consagrou

o divórcio como a única forma de dissolução do casamento. Estava, enfim, afastado o sistema dualista ou binário de dissolução da sociedade conjugal. Atribuída feição mais ética e humanizada ao término do casamento, cessou-se a ingerência do Estado no âmbito privado, deixando de submeter à exposição desnecessária a intimidade conjugal, autorizando o magistrado a transformar as ações de separação em divórcio201. Sob a proteção de um Estado mínimo, em concretização do princípio da dignidade, do direito à liberdade e à intimidade na vida privada, passou a ficar a critério dos cônjuges a decisão sobre a vida matrimonial.

No entanto, assim como ocorreu com a Lei do Divórcio, a extinção tácita da separação judicial recebe resistências da parte da doutrina que entende que a aludida emenda apenas autorizou a dissolução do casamento pelo divórcio sem, contudo, revogar o disposto no Código Civil. Tal entendimento baseia-se na regra do §1º do art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil202, que estabelece que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”, bem como no §2º, segundo o qual “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.

Outro argumento, levantado a favor da manutenção do instituto da separação judicial, é que não cabe ao Estado impor a dissolução do vínculo do matrimônio, sobretudo em relação àqueles que ainda demonstram dúvida quanto ao caminho a adotar, na medida em que a manutenção do instituto da separação judicial favoreceria a possibilidade de reconciliação do casal. Nessa direção, segundo o CCPort., a separação judicial de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, mas extingue os deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos, produzindo relativamente aos bens os efeitos que produziria a dissolução do casamento. A separação judicial, com ou sem consentimento, pode resultar na reconciliação ou na dissolução do matrimônio, sendo a ela aplicadas as disposições do divórcio com suas adaptações. Pode ser convertida em divórcio após um ano do trânsito em julgado da sentença, se requerida por uma das partes, não sendo

201FARIAS, Cristiano Chaves de & ROSENVALD, Nelson, op. cit., p. 349.

202Decreto-lei nº 4.657, de 04-09-1942. “D.O.U.” (09-09-1942, retificado em 08-10-1942 e retificado

necessário o decurso do prazo, caso pedida a conversão por ambos os interessados (art. 1.795° D do CCPort).

Sustenta-se, igualmente, para justificar a permanência do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico brasileiro, que a quantificação dos alimentos está vinculada à análise da culpa de quem os pleiteia, estando referida discussão afeta aos limites da ação de separação judicial. Para esses autores, o cônjuge culpado pela separação não faria jus aos alimentos civis, assim compreendidos aqueles destinados a manter o padrão de vida, mas aos alimentos necessários, daí a necessidade em admitir sua permanência no sistema normativo nacional. Por fim, há quem defenda que a extinção tácita da separação judicial promove a banalização do casamento, em virtude da facilidade na sua dissolução.

Tais argumentos, contudo, segundo doutrina e jurisprudência majoritárias, não se coadunam com o perfil constitucional atribuído ao divórcio pela Emenda Constitucional nº 66/2010. Em primeiro lugar porque quanto à vigência da lei ordinária, a propósito do conflito entre a Constituição sobrevinda e leis anteriores, o STF sustenta a produção dos efeitos revocatórios da Lei Fundamental em face do princípio da hierarquia das normas, de forma que a incompatibilidade entre o dispositivo constitucional e a já existente legislação infraconstitucional seria resolvida pelo fenômeno da não recepção203. Quanto à possibilidade de arrependimento e reconciliação do casal, ainda que não mais subsistisse o instituto da separação judicial, tal circunstância não impediria a reconciliação do casal, já que havendo dúvida ou necessidade de prazo de reflexão, a separação de fato ou informal, assim entendida aquela que ocorre no plano físico, caracterizada pelo distanciamento corporal ou afetivo dos cônjuges, preservaria o interesse do casal. Ademais, caso as partes divorciadas se reconciliem, podem contrair novo matrimônio. No que toca à quantificação da culpa para fins de alimentos, é possível ação autônoma ou discussão na própria ação de divórcio para fins de identificar o alcance da obrigação alimentar

203“(...) Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente. (...) A

Constituição sobrevinda não torna inconstitucional leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. (...) Seria ilógico que a Lei Fundamental, por ser superior, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias (...)”. (STF, ADI nº 21/600-DF, Tribunal Pleno, relator ministro Paulo Brossad, julgamento em 06-02- 1992, DJ de 21-11-1997).

(civil ou necessária) e não propriamente na ação de separação judicial. Finalmente, o argumento da banalização do casamento pela facilitação do divórcio não se sustenta porque não faz sentido imaginar que alguém decidiu casar simplesmente porque ficou mais fácil romper o casamento, ao passo que o contrário pode acontecer, ou seja, a diminuição dos entraves legais à dissolução estimular as pessoas a oficializarem suas uniões. A facilidade do término, nesses termos, ao invés de enfraquecer o vínculo conjugal, assegura-lhe maior vigor e substância, ao substituir uma longevidade forçada pela intensidade do afeto.

A família, fundada na pluralidade, na afetividade e no eudemonismo, atribui novo sentido ao direito, onde aquela passa a ser o instrumento de realização dos seus integrantes e de aperfeiçoamento da própria sociedade, só assim justificando a atuação estatal. As críticas ao sistema dualista ou binário - bem como ao cumprimento do prazo de dois anos de separação de fato para o divórcio direto-, sempre partiram do pressuposto de que a intervenção do Estado exerce função instrumental na realização dos membros da família. Desse modo, se havia liberdade