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Aspectos legislativos, doutrinários e jurisprudenciais da evolução das relações familiares no direito brasileiro

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ASPECTOS LEGISLATIVOS, DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS DA EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES FAMILIARES NO DIREITO BRASILEIRO

ALDY MELLO DE ARAÚJO FILHO

Dissertação de Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-Políticas

Orientadora:Professora Doutora Mónica Martinez de Campos

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ASPECTOS LEGISLATIVOS, DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS DA EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES FAMILIARES NO DIREITO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Departamento de Direito para a obtenção do título de Mestre em Direito, na área de Especialização em Ciências Jurídico-Políticas, conferido pela Universidade Portucalense

ALDY MELLO DE ARAÚJO FILHO

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Aos meus pais, com quem vivencio a experiência familiar em sua dimensão plena e definitiva.

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AGRADECIMENTOS

Ao Criador, pelo dom de existir e pela capacidade de ser resiliente (“Tudo posso Naquele que me fortalece”. Filipenses 4:13).

Aos meus pais, Maria do Carmo Soares de Araújo e Aldy Mello de Araújo, pelo amor e apoio incondicionais. Ao meu pai agradeço, igualmente, pelo imprescindível auxílio na revisão do texto e na pesquisa bibliográfica.

Ao professor Doutor Sérgio Victor Tamer, e a toda a equipe do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública (CECGP), pela oportunidade de realizar uma nova e desafiadora etapa de minha trajetória profissional.

À professora Doutora Mónica Martinez de Campos, cujo conhecimento e experiência acadêmica, aliada à sua disponibilidade durante o árduo percurso da investigação, a mim garantiram o conforto e a segurança necessários para o desenvolvimento das temáticas abordadas. Manifesto aqui, prezada professora, minha profunda admiração e gratidão.

Ao Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, na pessoa do defensor público-geral Alberto Pessoa Bastos, pelo apoio institucional.

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“É certo; nem sempre a vida é entendível. E pode-se tocar a vida sem se entender; pode-se não adotar a mesma escolha do outro; só não se pode deixar de aceitar essa escolha, especialmente porque a vida é do outro e a forma escolhida para se viver não esbarra nos limites do direito. Principalmente porque o direito existe para a vida, não a vida para o direito”. (Cármen Lúcia Antunes Rocha).

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RESUMO

Analisam-se as mudanças sociais que, historicamente, nortearam a dimensão atribuída à família no Brasil, no período compreendido entre a Idade Média e os dias atuais. Investigam-se as influências do Estado Liberal na edição do Código Civil brasileiro de 1916, bem como os reflexos da descentralização do direito privado, com a passagem para o Estado do Bem-Estar Social. Aborda-se a disciplina normativa das relações parentais e conjugais no período anterior à Carta Política de 1988 (Decreto nº 3.200/1941, Decreto-lei nº 4.737/1942, Lei nº 883/1949, Lei nº 3.133/1957, Lei nº 4.121/1962 (Estatuto da Mulher Casada), Lei nº 6.515/1977 (Lei do Divórcio), Lei nº 6.697/1979 (Código de Menores) e Lei nº 7.250/1984). Analisam-se a constitucionalização do Direito de Família, e seus reflexos na interpretação da legislação ordinária sobre a matéria, à luz das diretrizes constitucionais da dignidade humana, igualdade, proibição ao retrocesso, solidariedade, afetividade e pluralismo. Estudam-se os aspectos gerais relativos às relações de filiação, após o advento da Constituição Federal de 1988, destacando-se o regime jurídico da adoção, estabelecido pela Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Lei nº 8.560/1992, que regula o processo de investigação de paternidade, e a Lei nº 13.058/2014, que trata da guarda compartilhada. Analisam-se as alterações promovidas pela Constituição Federal de 1988 na Lei nº 6.515/1977 (Lei do Divórcio), as modificações produzidas pelas Leis nº 7.841/1989, nº 8.408/1992, nº 10.406/2002 e n° 11.441/2007, bem como as discussões relativas à abolição do sistema dualista ou binário de dissolução da sociedade conjugal, objeto da Emenda Constitucional nº 66/2010. Estudam-se as modalidades constitucionais de família: casamento, união estável e monoparentalidade. Abordam-se a natureza, modalidades e efeitos jurídicos do casamento. Investiga-se o processo evolutivo da união estável, semelhanças e distinções com o matrimônio, a disciplina jurídica de sua dissolução e os aspectos controvertidos das uniões paralelas e poliafetivas, à luz do disposto nas Leis nº 8.971/1994, nº 9.278/1996 e nº 10.406/2002 (Código Civil de 2002), da doutrina e da jurisprudência. Estudam-se as características e o tratamento destinado pela legislação infraconstitucional à família monoparental. Sob a perspectiva do

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direito comparado, analisam-se o divórcio litigioso, o divórcio requerido por ambas as partes, a dissolução extrajudicial do vínculo matrimonial, a separação de pessoas e bens, natureza e efeitos da união de facto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo no ordenamento jurídico português. Aborda-se a dimensão tentacular atribuída às modalidades de família não previstas na legislação brasileira, destacando-se as famílias trans, parentais ou anaparentais, ectogenéticas, coparentais, recompostas e multiespécie. Analisa-se a controvérsia acerca da eficácia jurídica negativa e positiva das normas programáticas de família estabelecidas na Constituição Federal de 1988. Investiga-se a atuação do Judiciário nacional, a partir dos precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, no reconhecimento da união estável e do casamento homoafetivo, da coexistência de filiação biológica e socioafetiva (multiparentalidade) e da igualização sucessória entre cônjuges e companheiros, à luz do princípio da separação dos poderes e do modelo de sobre/interpretação, característico do neoconstitucionalismo. Analisam-se as variáveis sociopolíticas que influenciam a atuação do Legislativo e Judiciário na disciplina familista pátria, a partir da análise do Projeto de Lei do Senado Federal nº 470/2013, que propunha a criação do Estatuto das Famílias, e do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n° 6.583/2013, que cria o Estatuto da Família, e seus impactos para o futuro do Direito de Família no país.

Palavras-chave: Família; Constitucionalização; Normas programáticas; Pluralismo

das Entidades Familiares; Neoconstitucionalismo; Princípio da Separação dos Poderes; Direito Português.

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ABSTRACT

We analyze the social changes that, historically, guided the dimension attributed to the family in Brazil, in the period between the Middle Ages and the present day. The influences of the Liberal State in the edition of the Brazilian Civil Code of 1916 are investigated, as well as the reflexes of the decentralization of the private right, with the passage to the State of the Social welfare. It addresses the subject of the discipline of parental and conjugal relations in the period prior to the Political Charter of 1988 (Decree nº 3.200/1941, Decree-law nº 4.737/1942, Law nº 883/1949, Law nº 3.133/1957, Law nº 4.121/1962 (Statute of Married Woman), Law nº 6.515/1977 (Divorce Law), Law nº 6.697/1979 (Children's Code) and Law nº 7.250/1984). The constitutionalization of Family Law, and its reflections on the interpretation of ordinary legislation on the subject, is analyzed in the light of the constitutional guidelines of human dignity, equality, prohibition against retrogression, solidarity, affectivity and pluralism. The general aspects related to the relations of affiliation are studied, after the advent of the Federal Constitution of 1988, with emphasis on the legal regime of adoption, established by Law nº 8.069/1990 (Statute of the Child and Adolescent), Law nº. 8.560/1992, which regulates the paternity investigation process, and Law nº 13.058/2014, which deals with shared custody. The alterations promoted by the Federal Constitution of 1988 in Law nº 6.515/1977 (Divorce Law), the changes produced by Laws nº 7.441/1989, nº 8.408/1992, nº 10.406/2002 and nº 11.441/ 2007, are analyzed, as well as the discussions concerning the abolition of the dualist system or the binary dissolution of the conjugal society, object of Constitutional Amendment nº 66/2010. We study the constitutional modalities of family: marriage, stable union and single parenthood. The nature, modalities and legal effects of marriage are discussed. The evolutionary process of stable union, similarities and distinctions with marriage, the juridical discipline of its dissolution, and the controversial aspects of parallel and polyphonic unions are investigated, in light of Laws nº 8.971/1994, nº 9.278/1996 and nº 10.406/2002 (Civil Code of 2002), doctrine and jurisprudence. The characteristics and the treatment destined by the infraconstitutional legislation to the single-parent family are studied. From the perspective of comparative law, the legal

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divorce, the divorce required by both parties, the administrative dissolution of the marriage bond, the separation of persons and property, the nature, the effects of the “de facto” union and the marriage between persons of the same sex are analyzed in the portuguese legal system.

We address the tentacular dimension attributed to the family modalities not provided for in Brazilian legislation with highlight to trans, parental or anaparental, ectogenetic, coparental, recomposed and multispecie families. The controversy about the negative and positive legal effectiveness of the family program norms established in the Federal Constitution of 1988 is analyzed. We investigate the work of the national judiciary, based on the precedents of the Federal Supreme Court and the Superior Court of Justice, on the recognition of homosexual union stable and homosexual marriage, the coexistence of biological and socio-affective affiliation (multiparentality) and the equalization of inheritance between spouses and companions, in the light of the principle of separation of powers and of the over-interpretation model, characteristic of neo-constitutionalism. The sociopolitical variables that influence the Legislative and Judiciary actions in the family discipline are analyzed, based on the analysis of the Federal Senate Bill nº 470/2013, proposing the creation of the Families Statute, and the Chamber of Deputies Bill nº 6.583/2013, which creates the Family Statute, and their impacts on the future of Family Law in the country.

Keywords: Family; Constitutionalisation; Programmatic standards; Pluralism of

family entities; Neo-constitutionalism; Principle of separation of powers; Portuguese right

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AC - Estado do Acre

AC - Apelação Civil

ADC - Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADO- Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

ADC (MC) - Medida Cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADFAS- Associação de Direito de Família e das Sucessões

ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AFDC - Aid to Familes With Dependent Children

AGRG - Agravo Regimental

AGU - Advocacia-Geral da União

AL - Alínea

AM - Estado do Amazonas

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ANAJURI - Associação Nacional dos Juristas Evangélicos do Brasil

AP - Estado do Amapá

APA - Associação Americana de Psiquiatria

APGL - Association des parents et futurs parents gays e lesbiens

API - Abono de Genitor Só

ARE - Agravo em Recurso Extraordinário

ARESP - Agravo em Recurso Especial

ART - Artigo

ASF - Abono de Sustento Familiar

BA - Estado da Bahia

BPE - Boletim de Publicação Externa

CCB - Código Civil Brasileiro

CCPort - Código Civil Português

CDH - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

CE - Estado do Ceará

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CFP - Conselho Federal de Psicologia

CGJ - Corregedoria-Geral da Justiça

CGJ/RS - Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

CID - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde

CLBR - Coleção das Leis do Império do Brasil

CNBB - Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

CNAF - Caixa Nacional de Abonos Familiares

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

CPB - Código Penal Brasileiro

CPCB - Código de Processo Civil Brasileiro

DCD - Diário da Câmara dos Deputados

DCN - Diário do Congresso Nacional

DF - Distrito Federal

DJ - Diário de Justiça

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DJE/CNJ - Diário de Justiça Eletrônico do Conselho Nacional de Justiça

DNA - Ácido desoxirribonucléico

DNV - Declaração de Nascido Vivo

DOU - Diário Oficial da União

DPL - Diário do Poder Legislativo

DPE/MA - Defensoria Pública do Estado do Maranhão

DPVAT - Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre

DR - Diário da República

DSF - Diário do Senado Federal

DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

DETRAN - Departamento de Trânsito

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

EDCL - Embargos de Declaração

FPE - Frente Parlamentar Evangélica

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IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família

INSEE - Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos

INSS - Instituto Nacional de Seguro Social

IPPF - International Planned Parenthood Federation

ITS - Instituto de Tecnologia e Sociedade

LC - Lei Complementar

LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

LGBTI- Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais

LGBTT - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

LGBTQ - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Queers

LGBTTTQQIAA - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Transexuais, Queers, Questionando, Intersexuais, Assexuais e Aliados

LRP - Lei de Registros Públicos

MA - Estado do Maranhão

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MEC - Ministério da Educação

MI - Mandado de Injunção

MP - Medida Provisória

MPF - Ministério Público Federal ou Procuradoria-Geral da República

MT - Estado do Mato Grosso

OEA - Organização dos Estados Americanos

OMS - Organização Mundial de Saúde

ONU - Organização das Nações Unidas

PA - Estado do Pará

PDC - Projeto de Decreto Legislativo

PE - Estado do Pernambuco

PI - Estado do Piauí

PL - Projeto de Lei

PLS - Projeto de Lei do Senado

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PNBE - Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNLD - Programa Nacional do Livro Didático

PR - Estado do Paraná

PRB - Partido Republicano Brasileiro

PROS - Partido Republicano da Ordem Social

PSB - Partido Socialista Brasileiro

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira

PSL - Partido Social Liberal

PSOL - Partido Socialismo e Liberdade

PT - Partido dos Trabalhadores

RCL - Reclamação Constitucional

RE - Recuso Especial

REsp - Recurso Especial

RJ - Estado do Rio de Janeiro

RS - Estado do Rio Grande do Sul

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SC - Estado de Santa Catarina

SE - Estado de Sergipe

SP - Estado de São Paulo

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

STP - Stop Trans Pathologization

SUSEP - Superintendência de Seguros Privados

TJ - Tribunal de Justiça

TO - Estado do Tocantins

TSE - Tribunal Superior Eleitoral

UJUCASP - União dos Juristas Católicos de São Paulo

UNB - Universidade de Brasília

UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

USP - Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS...10

INTRODUÇÃO...20

CAPÍTULO 1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO ...32

1.1 Antecedentes históricos. O Código Civil de 1916 ...32

1.2 O vínculo matrimonial e seus efeitos em relação aos filhos e à esposa: evolução legislativa ...39

1.3 A dissolução do casamento: análise da redação original da Lei do Divórcio...50

CAPÍTULO 2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO ...55

2.1 Aspectos gerais ...55

2.2 Princípios informativos ...62

2.3 Modalidades constitucionais de família...71

2.3.1 Casamento ...71

2.3.1.1 A dissolução no casamento na Constituição Federal de 1988 e suas modificações posteriores ...88

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2.3.2 União Estável ...100

2.3.2.1 A dissolução da união estável no Brasil ...115

2.3.2.2 União simultânea e união poliafetiva...118

2.3.3 Monoparentalidade ...127

CAPÍTULO 3 O DIREITO DE FAMÍLIA E OS PARADOXOS DA ATUAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO E DO JUDICIÁRIO NO BRASIL ...136

3.1 Famílias plurais e legislação ordinária brasileira: hipótese de omissão inconstitucional?...136

3.2 Atuação da jurisprudência no reconhecimento do casamento igualitário e da união estável homoafetiva; no reconhecimento concomitante da filiação biológica e socioafetiva e na igualização da relação sucessória entre cônjuges e companheiros: fundamentos e aspectos controvertidos ...167

3.3 Perspectivas legislativas: análise do PLS nº 470/2013 e do PL nº 6.583/2013 ...210

CONCLUSÃO ...239

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INTRODUÇÃO

A família constitui o fundamento basilar de qualquer organização social, ocupando espaço central na esfera política. Se em seu desenho contemporâneo, de traço menos endogâmico e mais arejado, é identificada como o espaço de cooperação e assistência entre seus integrantes, o papel que desempenha no desenvolvimento da sociedade e do Estado apresenta variações no tempo e no espaço, modificando-se na medida do progresso social da cultura de cada época1, o que implica reconhecê-la como categoria cultural e não como simples fato da natureza.

Ao logo da história, a família costuma ser apontada como o organismo social que mais sofreu mudanças em extensão e significado, sendo ainda hoje compreendida de maneira diferente conforme o sistema político, econômico e cultural considerado. Nas civilizações primitivas, embora de maneira não homogênea, relacionamentos sexuais ocorriam entre os integrantes de uma mesma tribo, gerando estruturas de parentesco indefinidas, em que somente a genitora era conhecida. Mais tarde tais relações passaram a ser estabelecidas entre membros de tribos diferentes, com caráter de exclusividade, inobstante a tolerância à poligamia. No Egito antigo, o casamento entre irmãos era permitido como forma de preservação da pureza do sangue do faraó. A própria origem da expressão família, que vem do latim famulus2, remonta à ideia de um conjunto de escravos pertencentes a um único dono.

Ainda nos dias de hoje, em algumas sociedades orientais, é frequente a escolha dos cônjuges pelos genitores, em muitos casos conhecidos somente por ocasião do casamento. O Islã admite a poliginia, forma de poligamia que permite aos homens o casamento com até quatro mulheres simultaneamente. Nas fronteiras entre o Tibet e o Nepal, dada a escassez da terra, é comum a poliandria, em que é possível o

1ENGELS, Friederich - A origem da família, da propriedade e do Estado. 4ª ed., Lisboa: Editorial

Presença, 1980, p.81-82.

2Segundo Pontes de Miranda, a expressão designava os escravos que trabalhavam de maneira

legalizada na agricultura familiar das tribos ladinas na Itália. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti - Tratado de Direito de Família. Vilson Rodrigues Alves (atualização). Campinas: Bookseller, 2001, p. 57-58.

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casamento de dois ou mais irmãos com a mesma mulher como forma de preservação do patrimônio familiar.

No mundo ocidental a família tem como antecedente o modelo romano, similar ao observado na Grécia antiga, de natureza patriarcal, monogâmica e hierarquizada. Não por outra razão o Direito Romano é apontado como o fundamento do direito privado. Nele a família era compreendida como um pequeno Estado, autônomo em relação a qualquer poder exterior, onde o pater desempenhava a função de soberano.

A família romana stricto sensu representava o agrupamento de pessoas, sem vínculo biológico, com base na mesma religião, em que o patriarca, denominado de pater familias, era responsável pela preservação e direção do culto aos seus antepassados. A ele era outorgada a chefia da unidade familiar e a administração do patrimônio comum, exercendo simultaneamente o papel de dirigente político, sacerdote e juiz (domesticus magistratus), com direito de vida e morte (jus vitae

necisque) sobre a esposa, filhos e escravos.

Membro sui juris da família, somente o pater era reconhecido como sujeito de direitos, sendo os demais considerados alieni juris, desprovidos da titularidade de qualquer direito, condição que autorizava, inclusive, sua alienação pelo patriarca. O casamento religioso, voltado à concepção de um descendente do sexo masculino, tinha como objetivo a preservação da religião doméstica.

Com o advento do Cristianismo, alçado à condição de sacramento, o matrimônio passou a servir à finalidade de remediar a concupiscência e assegurar a concepção e a educação da prole. Na Lei das XII Tábuas encontram-se previstas suas formas mais primitivas: a confarreatio3, a coemptio4 e o usus5, por meio das quais a mulher era transferida ao poder ou ao manus do marido, rompendo vínculos com a família de origem, cuja devolução era possível na hipótese de descumprimento do

3Denominado de matrimônio por comunhão, a confarreatio consistia na celebração solene e religiosa

do matrimônio realizada pelo patriciado romano.

4Chamado de matrimônio por aquisição, a coemptio era a compra da mulher pelo noivo mediante o

pagamento de um dote.

5Chamado de matrimônio por coabitação, o usus consistia na convivência sob o mesmo teto entre

marido e mulher pelo período de um ano sem interrupção, após o qual aquela poderia ser devolvida à família de origem, caso assim decidisse o marido.

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débito conjugal, quando, então, recebia o repúdio da sociedade, antecedente remoto do divórcio. Caso incorresse em adultério, a consequência era sua punição com a morte.A expressão manus expressava o poder doméstico do chefe da família sobre todos que a integravam. Enquanto a palavra família significava domínio do poder,

manus correspondia ao próprio poder. A mulher poderia contrair casamento sine manus (sem manus), hipótese em que, embora fosse assegurada a autoridade do

marido, permanecia sob a dependência financeira do pai ou tutor.

A feição rural e a natureza extensa da família, caracterizada pelo grande número de membros, então considerados unidades de produção, prevaleceu da Idade Média (séculos V ao XV) até o último século da Idade Moderna (séculos XV ao XVIII). Como a realidade econômica era baseada na agricultura, e seu desempenho necessitada de mão-de-obra, as construções familiares revelavam numerosas estruturas de poder com predomínio das relações patrimoniais.

Assim, durante todo esse tempo, por trás da família estavam a religião e o patrimônio doméstico, cuja finalidade era promover a procriação e a transmissão patrimonial, funcionando como instrumento de legitimação social e manutenção do poder político. Através do dote, a família da esposa estabelecia com outras famílias alianças que a auxiliassem nos seus desígnios públicos ou sociais, situação que pouco se alterou na Idade Moderna6.

O fenômeno social da chamada lei de contínuo estreitamento familiar, resultado do processo migratório do campo para as cidades, inaugurado com a Revolução Industrial no século XVIII, foi responsável por uma nova organização de família, promovendo significativa alteração em sua estrutura. Na França, em 1767, surgiu o casamento civil, que manteve a finalidade de preservação do culto religioso, tal qual o modelo romano, afastado de qualquer conotação afetiva.

A industrialização, ao provocar larga mobilidade humana e social, retirou a família do centro do sistema produtivo. A concentração urbana, substituindo a atividade desempenhada no campo pelo trabalho nas fábricas, aliada a emancipação feminina, caracterizada pelo ingresso da mulher no mercado de trabalho, relativizaram

6CAMPOS, Diogo Leite de & CAMPOS, Mónica Martinez de - Lições de Direito de Família.

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sua finalidade reprodutiva. Por outro lado, quando as reivindicações femininas passaram a encontrar fundamentos econômicos, tanto o homem burguês quanto o operário - no último caso em razão da concorrência com os salários mais baixos destinados às mulheres-, começaram a considerar a emancipação feminina como ameaça à propriedade privada, razão pela qual, sob o pretexto de preservação da solidez da família, voltaram a pregar o seu retorno ao ambiente doméstico7.

A migração do campo para os grandes centros urbanos deu origem à família formada pelo casal e seus filhos, chamada de família nuclear. Embora tenha sido no contexto da Revolução Industrial que a família deixou de representar a estrutura básica da organização produtiva, a transição da família alargada, do período pré-industrial, para a família nuclear só se verifica no século XX, com a diminuição da taxa de natalidade, muito embora, em certas zonas, o número de membros da família tenha até aumentado no decurso da industrialização, inclusive porque como a família, até o século XVIII, era compreendida como unidade de produção, também no seu conceito estavam incluídos os empregados, daí sua característica extensa.

Assim, referida transição deve ser atribuída ao maior número de trabalhadores no campo do que na cidade, e não ao maior ou menor número de trabalhadores. Além disso, quando surgiram aos filhos oportunidade profissionais distintas das unidades produtivas familiares, aqueles passaram a abandonar a casa paterna, o que acabou repercutindo no seu número de membros8.

Por outro lado, a convivência em espaços menores acabou por gerar maior aproximação entre seus integrantes, inaugurando a passagem para uma compreensão mais aberta ou abstrata de família, em que os indivíduos são confrontados com decisões pessoais, em oposição a seu caráter orgânico ou de grupo concreto9. A partir daí o determinismo imposto pelo nascimento passa a ser substituído pelo controle racional das decisões, prevalecendo a liberdade no estabelecimento de vínculos

7BEAUVOIR, Simone de - O segundo sexo: fatos e mitos. Sérgio Milliet (tradutor). 3ª ed., Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 2016, p. 20.

8CAMPOS, Diogo Leite de & CAMPOS, Mónica Martinez de, op. cit., p. 42-44 e 47.

9Na perspectiva adotada por Karl Popper, segundo a qual a natureza abstrata ou despersonalizada de

uma sociedade é consequência da perda do seu caráter orgânico. (POPPER, Karl - A sociedade aberta e seus inimigos. Milton Amado (tradutor). 3ª ed., Belo Horizonte: Itatiaia, 1998. vol. 1. p. 189-190).

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pessoais, firmados por meio de relações de intercâmbio e cooperação, em que laços afetivos podem se sobrepor a características biológicas.

Nesse cenário, a família perde a identificação original de grupo de pessoas unidas por uma religião comum, voltada ao desempenho de atividade rural, alcançando o sentido de união afetiva. Centradas no convívio de identidades e guiadas pela socioafetividade, as formações familiares começaram a visar à legitimação de experiências pessoais, substituindo-se sua natureza religiosa, política e econômica, baseada na ancestralidade e no casamento, pela ideia de comunidade, ancorada em vínculos de afeto e solidariedade.

Já a era da “modernidade líquida” dos tempos atuais, assim denominada por Zygmunt Bauman10, caracterizada por mudanças rápidas e imprevisíveis, vem impactando a capacidade humana de estabelecer vínculos afetivos, gerando relações cada vez mais flexíveis, estimuladas pelos desejos conflitantes de apertar os laços e mantê-los frouxos, em que se espera desfrutar dos prazeres do convívio e, simultaneamente, evitar os “horrores da clausura”.

Nesse sentimento de ambiguidade, parcerias passam a ser substituídas por “redes”, ou seja, por um turbilhão de caminhos sobre os quais se pode deslizar, sem maior compromisso ou engajamento, onde é igualmente fácil conectar-se e cortar a conexão. Assim, em virtude da substancial alteração das estruturas de parentesco a que servia - e de onde extraía vigor e valorização-, a definição do amor romântico, contida na expressão “até que a morte nos separe”, foi substituída pelo “vamos ver como funciona”, cuja conotação já temporária mudou para “vamos ficar juntos”, em sentido ainda mais maleável, segundo o qual não se deve esperar que compromissos assumidos durem para sempre.

Na proximidade virtual “a distância não é obstáculo para se entrar em contato - mas entrar em contato não é obstáculo para se permanecer à parte”11, o que, ao lado de exigir das relações menos esforço para serem estabelecidas, também significa menos tempo para serem rompidas. Sob tal perspectiva, passa-se a acreditar que o próximo amor será uma experiência mais estimulante que a atual, e bem menos

10BAUMAN, Zygmunt - Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Carlos Alberto

Medeiros (tradutor). Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 08-09,12,19,25,28,30,54 e 63.

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excitante da que virá depois, fazendo dele “uma hipoteca baseada num futuro incerto e inescrutável”12.

Movidas pelo impulso, como qualquer outra relação de consumo ou transação comercial, as parcerias passam a ser descartáveis, afinal não se imagina que não possam ser substituídas por versões novas e aperfeiçoadas. Assim, conclui Bauman13 “(...) “formar uma família” é como pular de cabeça em águas inexploradas e de profundidade insondável”.

As mudanças do fenômeno familiar remetem à ideia de que aquela constitui o elemento fundamental para a compreensão da política, da cultura e da economia, ocupando espaço central nas questões sociais, sobretudo nos dois últimos séculos, como causa e consequência14. Em razão disso, redefinições na estrutura familiar, provocadas pela constituição de novos processos de organização, integram de maneira permanente o rol das preocupações dos Estados.

O presente estudo, visando compreender as consequências dos referidos processos no modelo brasileiro, propõe-se a investigar o traçado evolutivo da família no país, a partir da análise das variáveis que influenciaram sua construção legislativa, doutrinária e jurisdicional. À luz do direito comparado, alguns aspectos do ordenamento jurídico português também serão abordados. Destaca-se que o tema escolhido é de interesse à atividade profissional do autor como defensor público do Estado do Maranhão, já que as demandas de família representam 48,8% do trabalho desenvolvido pelo órgão no Brasil15.

Essencial à entrega adequada da prestação jurisdicional16, a criação das Defensorias Públicas corresponde à primeira onda renovatória do processo civil,

12 BAUMAN, Zygmunt, op.cit., p.23. 13Idem, p.61.

14CAMPOS, Diogo Leite de & CAMPOS, Mónica Martinez de, op. cit., p. 39 e 44-45. 15III Diagnóstico Defensoria Pública no Brasil. Brasil: Ministério da Justiça, 2009, p. 194.

16Art. 134. “A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,

incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal” (redação dada pela Emenda Constitucional nº 80/2014)”. (caput do art. 134 da CFB de 1988).

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assim considerada aquela resultante da estruturação institucional de meios de acesso à Justiça17.

Ao concretizar o modelo público de assistência jurídica, integral e gratuita, a populações vulneráveis, sua existência no sistema constitucional brasileiro, ao lado de outras funções igualmente qualificadas como essenciais à Justiça, dialoga com um projeto de construção estatal, plural e democrático, voltado, sobretudo, à primazia da dignidade humana e à proteção dos direitos humanos18.

E como o indivíduo, em sua dimensão social, econômica e cultural, constitui o ponto de partida da atuação do órgão, e a família seu reduto de existência, a pesquisa, desenvolvida sob a perspectiva de favorecer a integralidade da experiência entre o direito e a sociedade, visa refletir sobre os desafios que a compreensão do fenômeno familiar brasileiro impõem ao exercício da atividade defensorial e ao próprio funcionamento do Sistema de Justiça nacional.

O processo de investigação seguirá o método indutivo, desenvolvido sob o domínio teórico-interpretativo dos fatos sociais. A análise empírica da realidade visa refletir sobre as modificações ocorridas no ordenamento jurídico brasileiro, a partir dos marcos legais definidos na pesquisa, cujo caráter exploratório implica na coleta de novas informações, formulando os problemas em que estão inseridas as discussões propostas.

A identificação dos elementos narrativos textuais, dissensos argumentativos, conceitos, princípios e institutos jurídicos, será realizada por meio da matriz bibliográfica eleita e do estudo dos precedentes jurisprudenciais relacionados ao tema, aplicando-se no último caso a metodologia de análise de decisões19, tendo

17 São consideradas, respectivamente, a segunda e a terceira ondas renovatórias a proteção de interesses

sociais difusos e a busca da efetividade da jurisdição. (CAPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant - Acesso à Justiça. Ellen Gracie Northfleet (tradutora). Porto Alegre: Fabris, 1988 apud ROSENBLATT, Ana, KIRCHNER, Felipe, BARBOSA, Rafael Vinheiro Monteiro &CAVALCANTI, Ricardo Russel Brandão - Manual de mediação para a Defensoria. Brasília: Cead/Enam, 2014, p. 30).

18Art. 3º-A. “São objetivos da Defensoria Pública: I- A primazia da dignidade da pessoa humana e a

redução das desigualdades sociais; II- A afirmação do Estado Democrático de Direito; III- A prevalência e efetividade dos direitos humanos; e IV- A garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (incluído pela Lei Complementar nº 132/2009)”. (art. 3º-A da LC nº 80/1994). (Lei complementar nº 80, de 12-01-1994. “D.O.U.” (13-01-1994).

19FREITAS FILHO, Roberto & LIMA, Thalita Moraes - Metodologia de análise de decisões – MAD

[em linha]. Brasília: Universitas Jus Uniceub. nº 21 (julho/dezembro 2010), p. 08. [Consultado 20/08/2017]. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/jus/article/view/1206.

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como recorte objetivo a evolução do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro, a partir dos paradigmas decisórios do STF e do STJ, escolhidos em virtude da sua contribuição na aplicação da lei e influência na produção legislativa sobre matéria20.

O capítulo 1 é destinado à evolução legal da compreensão do sentido de família no Brasil, iniciando com a análise da dimensão atribuída pelo CCB de 191621. Até à CFB de 1988, diversos diplomas contribuíram para relativizar o seu aprisionamento a padrões convencionais. Em razão da colonização portuguesa, o CCB de 1916 a regulava unicamente pelo casamento, dada a influência das Ordenações Filipinas de 1595 e a base comum no Direito Canônico.

O predomínio do matrimônio na cena histórica brasileira justifica a escolha do CCB de 1916 como marco inicial da pesquisa, já que referido diploma, inspirado pela moral religiosa, consolidou um padrão familiar verticalizado, baseado na supremacia masculina, expresso em conjunto de normas imperativas, que condenavam configurações distintas dos quadros legais à invisibilidade social, punidas com a negativa de inserção no sistema normativo.

A primeira parte do estudo investiga, assim, as consequências operadas por tais invisibilidades no cenário social brasileiro, bem como os diplomas legislativos que iniciaram as mudanças nas relações familiares brasileiras: o Decreto nº 3.200/194122, o Decreto-Lei nº 4.737/194223, a Lei nº 883/194924, a Lei nº 3.133/195725, a Lei n° 4.121/1962 (Estatuto da Mulher Casada)26, a Lei n° 6.515/1977 (Lei do Divórcio)27 e a Lei nº 6.697/1979 (Código de Menores)28.

20Grosso modo, o STF é o guardião da Constituição Federal, competindo-lhe o julgamento dos recursos

extraordinários contra decisões julgadas em única ou última instância pelos tribunais inferiores, que possuam repercussão geral (art. 102 da CFB de 1988). O STJ é o guardião da legislação federal,

cabendo-lhe o julgamento dos recursos especiais contra decisões julgadas em única ou última instância pelos tribunais ordinários (Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Território) (art. 105 da CFB de 1988).

21Lei nº 3.071, de 05-01-1916.“D.O.U. Seção 1” (05-01-1916). 22Decreto nº 3.200, de 19-04-1941. “D.O.U.” (19-04-1941). 23Decreto-Lei nº 4.737, de 24-09-1942. “D.O.U.” (26-09-1942). 24Lei nº 883, de 21-05-1949. “D.O.U.” (26-10-1949). 25Lei nº 3.133, de 08-05-1957.“D.O.U.” (09-05-1957). 26Lei nº 4.121, de 27-08-1962. “D.O.U.“ (03-09-1962). 27Lei nº 6.515, de 26-12-1977. “D.O.U.” (26-12-1977).

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O Decreto nº 3.200/1941, ao dispor sobre a organização e proteção da família, estabeleceu o procedimento para o reconhecimento dos filhos naturais, assim considerados aqueles nascidos de genitores solteiros e sem proibição para o casamento. Por seu turno, o Decreto-lei nº 4.737/1942 tratou do reconhecimento de filhos naturais após o desquite, figura jurídica que permitia a separação do casal sem outro casamento. Já a Lei nº 883/1949, ao revogar o Decreto-Lei nº 4.737/1942, permitiu o reconhecimento de filho havido fora do casamento, dissolvida a sociedade conjugal pelo desquite ou morte, admitindo o reconhecimento do filho adulterino, não abrangendo o filho incestuoso, somente permitido pela Lei nº 7.841/198929.

A Lei nº 3.133/1957, por sua vez, atualizou o instituto da adoção previsto no CCB de 1916, diminuindo a idade para adotar e ser adotado, estabelecendo, ainda, no caso de adoção, suas hipóteses de dissolução, sucessão hereditária e uso dos apelidos de família. Por seu turno, a Lei nº 4.121/1962 restabeleceu a capacidade civil da mulher na constância do casamento, alterando parcialmente o CCB de 1916. Apesar das críticas ao seu conteúdo, referido diploma marca o início da mudança da situação jurídica da mulher no ordenamento jurídico brasileiro.

Já a Lei n° 6.515/1977 iniciou o processo de dessacralização da família no Brasil, produzindo efeitos também na eliminação de tratamentos diferenciados segundo a origem da filiação. Em razão das alterações ocorridas ao longo de décadas, desde a sua redação original, o estudo da legislação divorcista será retomado no capítulo seguinte, sob os contornos estabelecidos pelo Texto Constitucional de 1988, finalizando com o estudo da Emenda Constitucional nº 66/201030, que representa a culminância do declínio parcial da intervenção do Estado nas relações familiares no Brasil.

Finalmente, a Lei nº 6.697/1979, que instituiu o Código de Menores, diferenciou a adoção simples da adoção plena, tornando o ato irrevogável, além de equiparar os adotados em direitos e obrigações aos filhos biológicos. O estudo da legislação sobre a adoção será retomado no capítulo seguinte, dadas as alterações

29Lei nº 7.841, de 17-10-1989. “D.O.U.” (18-10-1989).

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promovidas pela Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)31, editada após o advento da Carta Federal de 1988.

O capítulo 2 analisa a dimensão atribuída à família pela CFB de 1988, cuja raiz antopocêntrica elevou os direitos da personalidade ao centro das formações familiares, alterando a visão monossistêmica do direito privado e reescrevendo a cartografia dos mapas familiares no país, sob a influência dos princípios irradiados da Lei Fundamental, considerados os vetores interpretativos dos microssistemas jurídicos positivados na legislação nacional, também objeto de investigação. Analisam-se, nesse momento, as principais mudanças promovidas pela CFB de 1988, com enfoque na igualização dos direitos conjugais e paterno-filiais.

No que toca à isonomia da filiação, a citada Lei nº 7.841/ 1989 e a Lei nº 8.560/199232, por terem sido editadas após a CFB de 1988, complementam o estudo iniciado no capítulo anterior. A Lei nº 7.841/1989 revogou o art. 358 do CCB de 1916, que proibia o reconhecimento dos filhos incestuosos e os adulterinos, nos seguintes termos: “Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos”. Como o reconhecimento do filho adulterino já havia sido permitido pela Lei nº 883/1949, a Lei nº 7.841/1989, na prática, estendeu ao filho incestuoso o reconhecimento de sua filiação, eliminando-se qualquer distinção entre filhos, conforme a dicção do §6º do art. 227 da CFB de 198833.

A Lei nº 8.560/1992, por sua vez, reafirmando o mesmo preceito constitucional, regulamentou a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Abordam-se, também no capítulo 2, as três modalidades de família com previsão constitucional: o casamento, a união estável e a monoparentalidade.

No item destinado ao estudo do casamento, matriz estrutural do Direito de Família brasileiro, destacam-se as discussões acerca de sua natureza, espécies, efeitos jurídicos e causas de invalidade. Em seguida, analisam-se o divórcio na CFB de 1988 e alterações posteriores, a possibilidade de dissolução matrimonial pela via

31Lei nº 8.069, de 31-07-1990. “D.O.U.”(16-07-1990 e retificado em 27-09-1990) 32Lei nº 8.560, de 29-12-1992. “D.O.U.” (30-12-1992).

33Art. 227. “(...) §6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os

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administrativa, objeto da Lei n° 11.441/200734, bem como as repercussões da Emenda Constitucional nº 66/2010, responsável pela extinção do sistema dualista ou binário de dissolução da sociedade conjugal no país.

No tópico destinado ao estudo da união estável, serão analisadas sua evolução social e legislativa, características, semelhanças e diferenças com o casamento, a disciplina jurídica de sua dissolução, bem como as discussões em torno das uniões simultâneas e poliafetivas, à luz da doutrina e da jurisprudência.

No último item do capítulo 2 investigam-se os aspectos centrais em torno da constitucionalização do modelo da família monoparental. Estudam-se suas origens, conceito, causas determinantes, características e questões relacionadas à ausência de regulamentação infraconstitucional. Abordam-se, ainda, as questões relacionadas ao ônus feminino da monoparentalidade no Brasil e as experiências de proteção estatal no direito comparado.

O capítulo 3 aborda as principais modificações operadas pelo CCB de 2002 no Direito de Família e seus impactos no modelo brasileiro, à luz das reflexões produzidas pela doutrina especializada, para quem a atuação do legislador infranconstitucional, limitada à regulamentação do casamento e da união estável, deixou de garantir proteção à estrutura familiar tentacular, da qual são exemplos as famílias trans, ectogenéticas, parentais ou anaparentais, coparentais, recompostas e multiespécie, abordadas em seus aspectos gerais.

Analisa-se, ainda, o tema da eficácia jurídica das normas constitucionais de família, à consideração do seu caráter programático. A partir da distinção entre normas concretas e abstratas, investiga-se se a ausência de regulamentação ordinária, apontada pela doutrina, revela omissão inconstitucional, bem como a controvérsia acerca da eficácia positiva das normas programáticas.

Abordam-se os paradoxos da atuação do Poder Legislativo e do Poder Judiciário na disciplina familista, bem como o papel exercido pela Justiça na interpretação do Direito de Família brasileiro e o sistema de partilhas institucionais entre os Poderes da República, através do estudo dos precedentes jurisprudenciais que

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admitiram a união estável e o casamento entre casais do mesmo sexo35|36|37, a multiparentalidade38|39|40 e a isonomia sucessória entre cônjuges e companheiros41|42, colocados na agenda pública nacional através da intervenção do Poder Judiciário.

A metodologia de análise de decisões, especialmente aplicada nesse ponto da pesquisa, ocorrerá em três planos distintos. Num primeiro momento, identificado o problema a partir do recorte institucional proposto, a pesquisa exploratória procederá ao agrupamento dos dados expressos nas decisões.

O segundo momento é o da investigação sobre os princípios, conceitos e institutos presentes nos julgados, cuja interpretação visa identificar os argumentos utilizados pelos magistrados. O terceiro momento é o da reflexão sobre o sentido da prática decisória, a partir do qual serão analisadas suas implicações e feitas as escolhas dos desdobramentos teóricos possíveis.

Analisam-se, por fim, os principais aspectos do PLS 470/201343 e do PL n° 6.583/201344 em torno do debate ideológico travado no Congresso Nacional acerca e sobre o conceito de família e os possíveis impactos para o futuro do Direito de Família no país.

35STF, ADI nº 4277/DF, Tribunal Pleno, relator ministro Carlos Ayres Britto, julgamento em

05-05-2011, DJE nº 198 de 13-10-2011.

36STF, ADPF nº 132/RJ, Tribunal Pleno, relator ministro Carlos Ayres Britto, julgamento em

05-05-2011, DJE nº 198 de 13-10-2011.

37STJ, REsp nº 1183378/RS 2010/0036663-8, Quarta Turma, relator ministro Luís Felipe Salomão,

julgamento em 25-10-2011, DJE de 01-02-2012.

38STF, RE nº 898060/SC, Tribunal Pleno, relator ministro Luiz Fux, julgamento em 21-09-2016, DJE

nº 187 de 23-08-2017.

39STF, Repercussão Geral n° 622 fixada no RE nº 898060/SC, relator ministro Luiz Fux, Tribunal

Pleno, julgamento em 21-09-2016, DJE nº 187 de 23-08-2017.

40STJ, REsp nº 1618230 RS 2016/0204124-4, Terceira Turma, relator ministro Ricardo Villas Boas

Cueva, julgamento em 28-03-2017,DJE de 10-05-2017.

41STF, RE n.º 878.694/MG, Tribunal Pleno, relator ministro Carlos Roberto Barroso, julgamento em

10-05-2017, DJE nº 238 de 08-11-2018.

42STF, RE n.º 646.721/RS, Tribunal Pleno, relator ministro Marco Aurélio de Mello, julgamento em

10-05-2017, DJE nº 238 de 08-11-2018.

43Projeto de lei do Senado nº 470, de 12-11-2013, autora senadora Lídice da Mata. “D.S.F. nº 188”

(13-11-2013).

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CAPÍTULO 1 A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

1.1 Antecedentes históricos. O Código Civil de 1916

Através da história, os homens estabelecem certo padrão de comportamento e tendem a fixá-lo em locais determinados, produzindo pensamentos ou representações através dos quais buscam compreender a vida individual e coletiva. A tendência em ocultar a realidade social através de tais representações, seja na família, na política, no trabalho ou na religião, é o que Marilena Chauí45 denomina de ideologia, instrumento de controle social, que por meio da influência se manifesta pela dissuasão, desencorajamento e condicionamento, e pelo exercício do poder, através de impedimentos e sanções, na distinção atribuída a Félix Oppenheim46.

Dada sua conexão com a moral, que nasce com a formulação de mandamentos e vedações, integrando um conjunto de regras anteriores ao direito, de caráter consuetudinário ou impostas pelos titulares do poder, a função primeira da lei foi restringir os espaços de liberdade e não ampliá-los. Disso resulta a ideia de que os códigos de conduta foram criados para proteger o grupo em seu conjunto e não o indivíduo.

Atribui-se ao jusnaturalismo a elaboração de uma doutrina sobre moral e direito que fez o indivíduo seu ponto de partida, quando, então, a questão moral passa a ser considerada não apenas sob o ângulo da sociedade, operando a passagem do código de deveres para o código dos direitos. A doutrina individualista, característica do liberalismo jurídico dominante nos séculos XVIII e XIX, ao priorizar o indivíduo em relação ao Estado, inverte a relação direito e dever. Com ela surgem para os indivíduos primeiro os direitos e depois os deveres, e para o Estado primeiro os deveres depois os direitos. Referida inversão modifica a noção de justiça e a

45CHAUÍ, Marilena - O que é ideologia [em linha]. [s.l.]. [s.n.]. José E. Andrade (revisor), 1980, p. 8-9

e 13. [Consultado 08/05/2017]. Disponível em: http://bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-books/Marilena%20Chau%ED-1.pdf.

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finalidade do Estado, em que justo é tratar cada um de modo à satisfação pessoal de suas necessidades47.

Manifestações das lutas da classe burguesa europeia contra o despotismo dos Estados absolutistas, inspirados pelos ideais iluministas, os direitos considerados fundamentais para todos os seres humanos, originalmente expressos nas Declarações do final do século XVIII, surgiram e se afirmaram como direitos do indivíduo.

Institucionaliza-se um conjunto de garantias do ser humano, cuja finalidade básica consiste no respeito à sua dignidade, por meio de proteção contra o arbítrio estatal e do estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade, daí resultando a ideia central do processo de asserção dos direitos humanos48 na história: a de que tais direitos não regem as relações entre iguais; é direito de proteção dos vulneráveis, operando nas relações de desigualdade em favor daqueles que necessitam de proteção, como forma de mitigar os efeitos desse desequilíbrio.

De caráter antiestatal, expressão formal das necessidades pessoais, surge a chamada primeira geração de direitos humanos, que corresponde aos direitos civis e políticos. Como no absolutismo a obrigação política traduzia-se no dever de obediência dos súditos às leis emanadas do soberano, tais direitos se apresentaram como expressão de resistência ou oposição ao Estado, individuais quanto ao modo de exercício (porque afirmados individualmente); quanto ao sujeito passivo (cujo titular o exerce em relação aos demais indivíduos, tendo como limite o reconhecimento do direito do outro) e quanto à titularidade (o homem na sua individualidade)49.

No interior das relações familiares, a queda da figura centralizadora do monarca é tributada ao poder do patriarca burguês, quando, então, a família ganha importância disciplinar como célula formadora dos cidadãos e perpetuadora das condições de poder.

47BOBBIO, Norberto - A era dos direitos. Carlos Nelson Coutinho (tradutor). Rio de Janeiro: Campus,

1992, p. 56-58.

48Em que pesem divergências de terminologia, opta-se pela expressão direitos humanos, em virtude de

sua habitual utilização nos diplomas internacionais.

49LAFER, Celso - A reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 127.

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Nesse cenário, a progressiva laicização do Estado, assim compreendido o seu processo de afastamento em relação à Igreja, culminou no final do século XIX, com a edição do Decreto nº 181/189050, na passagem da noção sacrossanta de família para o advento da chamada ideologia do Estado. Referido decreto instituiu o casamento civil no Brasil antes mesmo da CFB de 189151, que separou a Igreja do Estado. Na prática, contudo, tanto no plano social quanto na esfera política, o elemento religioso nunca foi abandonado, embora com a pretensa despolitização da religião, a secularização das normas jurídicas tenha consolidado a hegemonia estatal52. Nesse sentido, para Diogo Leite de Campos e Mónica Martinez de Campos53, a família continuou sendo a célula básica da Igreja, sendo a própria Igreja em miniatura “(...) com o seu local afectado ao culto (a capela das casas nobres, o crucifixo na parede das casas modestas), a sua hierarquia chefiada pelo pai”. Inspiradas no Direito Canônico, a preservação da ordem familiar era atribuída ao

pater familias, garantida com aplicação de severas penalidades à esposa e filhos, que

iam da privação de recursos materiais a punições físicas e morais.

Sob a ótica do individualismo, caracterizado pela garantia formal dos direitos fundamentais, a codificação do direito privado apresentava-se como única forma de assegurar a ordem estatal. Até à edição da citada Lei nº 3.071/1916, que instituiu o CCB de 1916, diversas normas disciplinaram o Direito Civil no Brasil, conforme se depreende da regra contida no seu art. 1.807 que, ao revogar ordenações, alvarás, leis, decretos, resoluções, usos e costumes, demonstrava o verdadeiro cipoal que constituía a legislação civil brasileira de então54.

Com o advento do CCB de 1916, a defesa da propriedade privada passa a ocupar o vértice da pirâmide dos valores estatais, dando continuidade a um movimento inaugurado ainda no Império, em que além da proteção da moral, a função

50Decreto nº 181, de 24-01- 1890. “C.L.B.R.” (24-01-1890).

51Constituição Federal de 1891, de 24-02-1891. “D.O.U.” (24-02-1891).

52 LEITE, Fábio Carvalho - Estado e religião. A liberdade religiosa no Brasil. Curitiba: Juruá, 2014, p.

74-76.

53CAMPOS, Diogo Leite de & CAMPOS, Mónica Martinez de, op. cit., p. 46 e 85.

54RODRIGUES, Sílvio - Breve histórico sobre o Direito de Família nos últimos 100 anos [em linha]. Revista Da Faculdade De Direito da Universidade de São Paulo, vol. 88 (01-01-1993), p. 240.[Consultado 07/09/2018]. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2318-8235.v88i0p. 239-254.

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da família circunscrevia-se aos limites do direito à propriedade, de conformação herdada do Code Civil francês de 1804.

Resultado do movimento das codificações, ao Código Civil atribuía-se a efetividade das normas jurídicas mais relevantes. Tal movimento, iniciado com o citado Decreto nº 181/1890, serviu de base para a primeira parte do livro de Direito de Família do CCB de 1916, delegando-se à Constituição papel secundário de mera representação de ideias e princípios, destituída de força vinculante, ainda que figurasse no patamar mais importante do sistema normativo.

O CCB de 1916, expressando essa nova ideologia, embora não tenha-se ocupado com uma definição de família, negou proteção jurídica a quem vivenciasse relacionamento diverso do casamento, limitando-se a regular a convivência conjugal, o parentesco e as relações de filiação.

Dos 304 artigos do livro de Direito de Família do CCB de 1916, 149 eram dedicados ao casamento, reunindo um conjunto de regras que estabeleciam desde as formalidades preliminares à celebração até a sua dissolução, o que fazia da família constituída pelo vínculo indissolúvel do matrimônio o elemento estrutural do Direito de Família brasileiro, ideia que perdurou na CFB de 193455, na CFB de 194656 e na CFB de 196957.

A família de que cuida o legislador de 1916 é inspirada no privilégio da varonia. A união resultante do casamento era indissolúvel. O homem era o chefe da sociedade conjugal. Heterossexual e marcada pela impessoalidade, a família voltava-se à procriação, possuía natureza patriarcal e era caracterizada pela prevoltava-sença de mecanismos sociais de natureza autoritária, baseados na criação e preservação de hierarquias rígidas. À esposa e filhos cabia o dever de obediência ao pater familias. O pai transforma-se em verdadeira fonte de criação do direito, ao impor normas de

55Art. 144, caput. “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do

Estado”. (Constituição Federal de 1934, de 16-07-1934. “D.O.U.” (16-07-1934 - Suplemento e republicado em 19.12.1935)

56Art. 163, caput. “A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à

proteção especial do Estado”. (Constituição Federal de 1946, de 19-09-1946. “D.O.U. Seção 1 (19-09-1946).

57Art. 175, caput e §1º. “A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Podêres

Públicos. §1º O casamento é indissolúvel (...)”. (Constituição Federal de 1969, Emenda Constitucional nº 01, de 17-10-1969. “D.O.U.” (20-10-1969, retificado em 21-10-1969 e republicado em 30-10-1969).

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organização interna58. O casamento estabelecia distinções entre os cônjuges, atribuindo à esposa capacidade relativa para a prática dos atos da vida civil. Assim estabeleciam o inciso II do art. 6º e o art. 233 do CCB de 191659.

Marcado pela asfixia do afeto, o patriarcalismo constitui o elemento característico da dimensão atribuída à família pelo CCB de 1916, descortinando núcleos familiares constituídos por motivos de ordem política e econômica com suporte na aquisição de patrimônio60. Nela, relações físicas baseadas em vínculos externos prevaleciam sobre interações de natureza subjetiva. Como sociedade fechada, na dimensão atribuída a Karl Popper61, seus integrantes não eram responsáveis pelas próprias decisões e não havia possibilidade de escolha.

Por outro lado, a influência da moral62 sobre o direito resultou no caráter punitivo da legislação civil, que ao tornar invisíveis situações da vida real excluía direitos oriundos de relações advindas da informalidade. O estatuto civilista aceitava a anulação do casamento se a mulher não fosse mais virgem, também afastada da herança se revelasse “comportamento desonesto”.

O filho nascido fora do casamento era impedido de buscar os direitos oriundos da filiação. Em garantia do cumprimento do dever de fidelidade conjugal, não lhes eram reconhecidos o direito aos alimentos e à herança. A única exceção se encontrava no inciso I do art. 363 do CCB de 1916, que permitia ao investigante da paternidade vitória na demanda, se provasse que ao tempo da sua concepção sua mãe

58CAMPOS, Diogo Leite de & CAMPOS, Mónica Martinez de, op. cit., p. 83.

59Art. 6º. “São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, nº 1), ou à maneira de os exercer: (...) II-

As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal”; Art. 233. “O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe: I- A representação legal da família. II- A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311). III- Direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV). IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III). V- Prover a manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.”

60BARROS, Sérgio Resende de - A ideologia do afeto. Revista brasileira de Direito de Família. Porto

Alegre: Síntese e IBDFAM, vol.14 (2002), p. 06-07.

61POPPER, Karl, op. cit., p. 187-189.

62Aldy Mello de Araújo define moral como um agrupamento de normas aplicadas pelos indivíduos na

sociedade sobre o que consideram certo e errado. Trata-se de parâmetros comportamentais estabelecidos por dado sistema cultural, expressos em valores e convenções, cujo objetivo é regular a ação humana. (ARAÚJO, Aldy Mello de - A ética como prática humana. São Luís: Edufma, 2015, p. 38-39.).

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estava concubinada com o pretendido pai. Nesse caso, para o legislador a fidelidade da mulher ao concubino presumia a filiação.

De todo modo, os filhos considerados ilegítimos, não se encontravam sob a autoridade parental63 e não poderiam adotar o nome do pai. As raras menções que o CCB de 1916 fazia ao concubinato (como eram chamadas as uniões informais) manifestavam o propósito de proteger a família resultante do casamento. Nesse sentido, dispunham o inciso VI do art. 248, o art. 1.777 e o inciso III do art. 1.719 do CCB de 191664.

Além disso, quanto ao regime patrimonial no casamento, o Código dispunha sobre o regime dotal, definido como um conjunto de bens que a mulher levava para a sociedade conjugal. Com isso, uma parte dos seus bens era transferida ao marido para que ele pudesse arcar com o sustento do casal na constância do casamento. São características desse período o modelo de família fundado no casamento, a discriminação dos filhos, a hierarquização, o patriarcalismo, a indissolubilidade do matrimônio e o não reconhecimento das uniões informais, denominadas de concubinato65.

Após a Primeira Guerra Mundial, inicia-se a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, quando a garantia da igualdade formal passa a ser substituída pela garantia da igualdade substancial, visada pelo chamado Estado do Bem-Estar Social. Impulsionada pela industrialização, como reivindicação de uma nova classe social excluída das conquistas da burguesia europeia na luta contra o absolutismo, surge a segunda geração dos direitos humanos, que corresponde aos direitos sociais, econômicos e culturais, colocados em destaque no final do século XIX e integrados

63As expressões pátrio poder e poder familiar, por remeterem à ideia de hierarquia, ascendência e

supremacia, não mais se coadunam com o caráter contemporâneo de família. Por essa razão, o presente estudo opta pela adoção uniforme do termo “autoridade parental”, em afirmação ao sentido horizontal atualmente atribuído às relações familiares.

64Art. 248. “Independentemente de autorização, pode a mulher casada: (...) VI- Promover os meios

assecuratórios e as ações, que contra o marido lhe competirem, em razão do dote, ou de outros bens dela sujeitos à administração marital (arts. 263, 269 e 289)”; Art. 1.177. “A doação de cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal (arts. 178, § 7º, nº VI, e 248, nº IV)”; Art. 1.719. “Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários: (...) III- A concubina do testador casado”.

65GONTIJO, Juliana - Direito de Família no Código Civil de 10/01/02 [em linha]. [s.l]. [s.n.]. p. 19.

[Consultado 03/03/2018]. Disponível em:

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pela primeira vez no sistema constitucional no México (1917) e na Alemanha (1919), considerados direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade66.

Transita-se, assim, de uma pretensão de omissão dos poderes públicos, característica do esquema Liberal, para uma proibição de omissão, ou seja, do direito de exigir que o Estado se abstenha de interferir nos direitos, liberdades e garantias para o direito de exigir que o Estado intervenha no sentido de assegurar prestações aos cidadãos67.

Dentre as características do Estado Social do século XX destacam-se a publicização das normas de família, assim identificado o processo de crescente intervenção legislativa infraconstitucional de caráter imperativo, composto por normas ius cogens, inderrogáveis pela vontade dos particulares68, bem como a descentralização do direito privado, voltada a suprir as lacunas do Código Civil, como forma de atender às demandas por igualdade material.

Quanto ao último aspecto, o fenômeno da descodificação originou a formação de um polissistema integrado por leis setoriais editadas ao longo da vigência do estatuto civilista de 1916. Parte da doutrina interpretava a fragmentação normativa como prejudicial à unidade do sistema. Nesse sentido, era a opinião de Orlando Gomes69:

“A reforma já se vem processando desordenadamente pelo método das mutilações e enxertos, empregado ao sabor das improvisações, sob a influência de aspirações ou mesmo de paixões momentâneas. Êsse processo é manifestamente condenável, quando mais não seja porque rompe a unidade do Código, quebra o espírito de sistema e desarticula a necessária ordenação lógica dos preceitos. Para atualizá-lo nas partes que passou a reclamar alterações mais

66ARAÚJO FILHO, Aldy Mello de - A evolução dos direitos humanos. Avanços e perspectivas. São

Luís: EDUFMA; AAUFMA, 1997, p. 57.

67CANOTILHO, Joaquim José Gomes - Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contribuição para compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1994, p.365.

68Dentre as quais são exemplos, ainda hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, os deveres

matrimoniais (art. 231 do CCB de 2002); o reconhecimento da filiação, não sujeito a termo ou condição (art. 361 do CCB 2002) e a impossibilidade de alteração do conteúdo da autoridade parental (art. 384 do CCB de 2002). (GONTIJO, Juliana, op. cit. p. 30).

69GOMES, Orlando - A reforma do Código Civil, publicações da Universidade da Bahia. [s.n.].

Bahia:1965. p. 20 apud DAYELL, Carlos - Aspectos polêmicos do estatuto jurídico da mulher casada (Lei nº 4.121, de 27-08-62) [em linha]. Revista de informação legislativa, vol. 8, nº 31 (jul/set 1971). Revista de direito da Procuradoria Geral do Estado de Goiás, nº 07. p. 99. [Consultado 17/09/2018]. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180500.

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