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CAPÍTULO 2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA

2.3 Modalidades constitucionais de família

2.3.2 União Estável

2.3.2.2 União simultânea e união poliafetiva

No Brasil, seguindo a tradição ocidental, as uniões familiares seguem o preceito monogâmico. A monogamia, segundo Gustavo Tepedino265, constitui regra que proíbe múltiplas relações matrimonializadas, embora não se trate propriamente de princípio de Direito de Família. Para Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk266, a monogamia possui função ordenadora da família, expressando um conjunto de normas morais, cujo objetivo é a defesa de interesses patrimoniais, litteris:

“O Estado tem interesse na mantença da estrutura familiar, a ponto de proclamar que a família é a base da sociedade. Por isso, a monogamia sempre foi considerada função ordenadora da família. A monogamia não foi instituída em favor do amor. Trata-se de mera convenção decorrente do triunfo da propriedade privada sobre o estado condominial primitivo. Serve muito mais a questões patrimoniais, sucessórias e econômicas. Embora a uniconjugalidade disponha de valor jurídico, não passa de um sistema de regras morais. De qualquer modo, seria irreal negar que a sociedade ocidental contemporânea é, efetivamente, centrada em um modelo familiar monogâmico, mas não cabe ao Estado, em efetivo desvio funcional, se apropriar deste lugar de interdição”.

Segundo a lei civil brasileira, enquanto não extinto o vínculo conjugal pela morte, divórcio ou invalidação do casamento, é vedada a união matrimonial ou estável entre pessoas civilmente casadas, permitida a união estável se as partes estiverem separadas de fato ou judicialmente, nos termos declinados no inciso VI do art. 1.521 e §1º do art. 1.723 do CCB de 2002. Quanto ao casamento, a bigamia é tipificada como crime (art. 235 do CPB), somente permitido novo matrimônio após o

265TEPEDINO, Gustavo - Temas de Direito Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.18

266RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski - Famílias simultâneas e monogamia. In: PEREIRA, Rodrigo da

Cunha (coordenador). Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Afeto, ética e família e o novo Código Civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p 198.

divórcio. No mesmo sentido, em Portugal, pessoas casadas (art. 1601°, al. c do CCPort) ou unidas de facto (art. 2°, al. c da Lei nº 7/2001) não podem constituir casamento ou união de facto, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens. Sobre o tema há grande divergência doutrinária. Nomes da literatura jurídica especializada defendem que o elo constitutivo do afeto deve prevalecer sobre a vedação legal à duplicidade das uniões, de modo a albergar, também, no conceito de família, relacionamentos paralelos. Para Carlos Cavalcanti Albuquerque Filho267, o sistema monogâmico encontra-se em crise, na medida em que a sociedade tem-se tornado mais tolerante a novas configurações familiares. No mesmo sentido, segundo Renata Miranda Goecks e Vitor Hugo Oltramari268, a realidade de uniões simultâneas, estabelecidas de boa-fé, não pode ter o reconhecimento oficial ignorado pelo direito. Indo mais além, para Maria Berenice Dias269, na medida em que não há mais qualquer distinção em relação às filiações adulterinas ou incestuosas, a CFB de 1988 “tolera” a infidelidade e, em âmbito infraconstitucional, quando o CCB de 2002, dispondo sobre os deveres jurídicos dos companheiros, substitui a expressão fidelidade por lealdade, parece indicar que para aqueles não existe a obrigação de ser fiel. Na defesa da família simultânea, a autora sustenta que a infidelidade, desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, não é mais causa para a ação de separação judicial, e que não reconhecer efeitos jurídicos a tais relações acaba por resultar no enriquecimento ilícito do parceiro infiel, em afronta ao princípio da dignidade humana, já que as uniões assim constituídas - chamadas pela doutrina majoritária de concubinato adulterino-, autorizam a anulação de doações, suspendem o encargo alimentar e impedem o “concubino de testador casado” de ser nomeado herdeiro ou legatário, não havendo, na lei civil, sequer remissão ao direito das obrigações para que seja feita analogia às sociedades de fato. Nesse sentido, dispõem o inciso V do art. 550, o art. 1.642, o caput do art.1.708 e o inciso III do art. 1.801 do CCB de 2002. De forma

267ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti - Famílias simultâneas e concubinato adulterino. In:

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coordenador) - Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e cidadania, o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: IBDFAM, 2002, p. 152.

268GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo - A possibilidade do reconhecimento da

união estável putativa e paralela como entidade familiar frente aos princípios constitucionais aplicáveis. In: MADALENO, Rolf & MILHORANZA, Mariângela Guerreiro (coordenadores). Atualidades do Direito de Família e Sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 16.

similar ao previsto no inciso III do art. 1.801 do CCB de 2002, o artigo 2196º do CCPort. estabelece que é nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério, salvo em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou separação de facto há mais de seis anos da data da abertura da sucessão, e se a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário.

De todo modo, no Brasil doutrina e jurisprudência majoritárias aplicam às uniões simultâneas a citada Súmula 380 do STF como forma de impedir o enriquecimento injustificado do companheiro infiel, a despeito do entendimento de que atribuir tal natureza a relações originadas em elos de afetividade desconsidera a origem do vínculo - que não é mercantil ou civil-, o que significa condená-las à invisibilidade no âmbito das normas de famílias e no campo sucessório. Assim, em que pese o entendimento dominante, há decisões judiciais garantindo juridicidade a uniões paralelas ao casamento, ou outra união estável, demonstrada a constituição, publicidade e concomitância de ambas as relações270. Para aqueles que defendem tal possibilidade, por ocasião do rompimento do relacionamento, autoriza-se a divisão patrimonial entre os três integrantes da relação (triação), na proporção de 1/3 de bens para cada partícipe271, além da divisão de pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, determinando o duplo pagamento de alimentos. Referido entendimento, todavia, não passa incólume a críticas. Argumenta-se que não se revela medida de

270“Reconhecimento de união estável cumulada com dissolução. Convivência duradoura, pública e com

o intuito de constituição de família. Requisitos que autorizam a outorga da proteção legal pretendida. Infidelidade do varão que não possui o condão de afastar a legitimidade da união, nem obstar o seu reconhecimento. Affectio societatis demonstrado. Sentença integralmente mantida para reconhecer a união havida entre a autora e o falecido, nos 8 anos anteriores ao falecimento dele (...)”. (TJ/SE, AC 2012215109, Primeira Câmara Cível, relatora desembargadora Maria Aparecida Santos Gama da Silva, julgamento em 17-09-2012).

271“(...) 1. Estando demonstrada, no plano dos fatos, a coexistência de duas relações afetivas

públicas, duradouras e contínuas, mantidas com a finalidade de constituir família, é devido o seu reconhecimento jurídico à conta de uniões estáveis, sob pena de negar a ambas a proteção do direito. 2. Ausentes os impedimentos previstos no art. 1.521 do Código Civil, a caracterização da união estável paralela como concubinato somente decorreria da aplicação analógica do art. 1.727 da mesma lei, o que implicaria ofensa ao postulado hermenêutico que veda o emprego da analogia para a restrição de direitos (...). 4. Numa democracia pluralista, o sistema jurídico -positivo deve acolher as multifárias manifestações familiares cultivadas no meio social, abstendo -se de, pela defesa de um conceito restritivo de família, pretender controlar a conduta dos indivíduos no campo afetivo. 5. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o companheiro. Meação que se transmuda em "triação", pela simultaneidade das relações (...)”. (TJ/PE, Apelação nº 2968625, Quinta Câmara Cível, relator desembargador José Fernandes de Lemos, julgamento em 13-11-2013, DJE de 28-11-2013). Há julgados mais antigos que defendiam a ideia de “meação da meação”, sob a justificativa de não retirar da esposa o seu direito de meeira.

justiça atingir a meação da esposa ou companheira do primeiro relacionamento, mesmo sendo a constituição das duas famílias conhecida por ambas. Todavia, para aqueles que sustentam a hipótese da triação, adotar posicionamento diverso incide em situação ainda mais injusta, considerando-se a hipótese de preponderância de aquisição de bens com a contribuição da segunda esposa ou companheira, em situação de flagrante enriquecimento da primeira parceira.

O STJ, de modo excepcional, já reconheceu uma união paralela de mais de 40 anos, com direito a alimentos, constituída por convivente idosa272. O TJ/MA igualmente já admitiu a existência de família simultânea273. Em sentido contrário, amparado na doutrina e jurisprudência majoritárias, para Marco Aurélio da Silva Viana274, o chamado concubinato múltiplo não gera efeitos porque nele não há a “aparência de casamento”, requisito necessário para a caracterização de uma união estável. A inviabilidade das uniões plúrimas repousa em valores morais, sociais e religiosos. Além de rechaçadas pela lei, tais relações representam a quebra do dever de mútuo respeito, na opinião de Euclides Oliveira275. Na mesma direção, segundo Rolf Madaleno276 uma relação paralela ao casamento, ou a outra união, constitui concubinato e não união estável, conforme a literalidade do disposto no §1º do art.

272 “1. De regra, o reconhecimento da existência e dissolução de concubinato impuro, ainda que de

longa duração, não gera o dever de prestar alimentos a concubina, pois a família é um bem a ser preservado a qualquer custo. 2. Nada obstante, dada a peculiaridade do caso e em face da incidência dos princípios da dignidade e solidariedade humanas, há de se manter a obrigação de prestação de alimentos a concubina idosa que os recebeu por mais de quatro décadas, sob pena de causar-lhe desamparo, mormente quando o longo decurso do tempo afasta qualquer risco de desestruturação familiar para o prestador de alimentos (...)”. (STJ, Resp nº 1.185.337/RS, Terceira Turma, relator ministro João Otávio de Noronha, julgamento em 17-03-2015, DJE de 31-03-2015).

273(...) II - É família toda união de pessoas em respeito e consideração mútuos, com ostensividade e

publicidade, com o objetivo de comunhão de vida, mútua assistência moral e material, e de serem reconhecidos pela comunidade como uma família. Assim, sempre que um núcleo for formado por pessoas que se enquadrem em tais requisitos, deve ser reconhecida a configuração de uma família, independente da qualificação que se dê a esta: se formada por um casamento, por uma união estável ou por um concubinato estável (espécies do gênero "família"). III - É cristalina a constatação, pelas provas dos autos, de que o falecido soube manter com discrição e profundidade dois relacionamentos paralelos, não misturando os círculos sociais de entorno a cada composição familiar. Apelação provida”. (TJ/MA, Apelação nº 0393812014 MA 0015505-24.2013.8.10.0001, Terceira Câmara Cível, relator desembargador Jamil de Miranda Gedeon Neto, julgamento em 12-03-2015, DJE de 16-03- 2015).

274VIANA, Marco Aurélio da Silva - Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 92

275OLIVEIRA, Euclides - União estável, do concubinato ao casamento: antes e depois do novo Código Civil. 6ª ed. São Paulo: Método, 2003, p. 127.

1.723 e art.1.727 do CCB de 2002, já que “(...) querendo constituir família com a amante, tudo o que o polígamo precisa fazer é romper apenas de fato a sua relação com a primeira mulher, ficando até dispensado do formal divórcio (...)”. O autor excepciona, no entanto, os denominados concubinatos putativos, ou seja, quando há erro de fato escusável por um dos companheiros quanto à circunstância do casamento, hipótese em que lhe são preservados seus direitos patrimoniais. De todo modo conclui que, embora não constituam família - dada a ausência dos requisitos de constituição e validade das uniões estáveis-, relações concomitantes possuem a natureza de sociedades de fato, encontrando-se, desse modo, protegidas pela citada Súmula nº 380 do STF, cabendo ao direito obrigacional proporcionar o reequilíbrio econômico resultante da dissolução, protegendo o concubino do enriquecimento indevido do outro. Álvaro Villaça Azevedo277, por sua vez, destaca a expressiva tendência dos Tribunais brasileiros em classificar as uniões simultâneas como concubinato adulterino, negando-lhes os efeitos jurídicos próprios das uniões estáveis. Esse também tem sido o entendimento do STJ278 e do STF279.

A doutrina distingue a união simultânea ou paralela da poliafetiva, também chamada de poliamorosa, múltipla ou conjunta. O poliamorismo é a teoria psicológica que admite a viabilidade de coexistência afetiva formada por duas ou mais relações simultâneas numa só estrutura familiar. Nela seus integrantes conhecem e aceitam uns aos outros, vivenciando relacionamento múltiplo e aberto. Rolf Madaleno280 explica que a união poliafetiva não se confunde com a simultânea porque

277AZEVEDO, Álvaro Villaça - Estatuto de família de fato: casamento de fato, concubinato, união estável, casamento religioso, união homossexual. São Paulo: Jurídica brasileira, 2001, p. 234.

278“(...) 4. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de ser inadmissível o reconhecimento de

uniões estáveis paralelas. Assim, se uma relação afetiva de convivência for caracterizada como união estável, as outras concomitantes, quando muito, poderão ser enquadradas como concubinato (ou sociedade de fato) (...)”. (STJ, AgRg no Ag. 1130816 MG 2008/0260514-0, Terceira Turma, relator ministro Vasco Della Giustina, julgamento em 19-08-2010, DJE de 27-08-2010).

279“Companheira e concubina. Distinção. Sendo o direito uma verdadeira ciência, impossível é

confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. União estável. Proteção do Estado. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. Pensão. Servidor Público. Mulher. Concubina. Direito. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina”.(STF, RE nº 397762 BA, Primeira Turma, relator ministro Marco Aurélio de Mello, julgamento em 03-06-2008, DJE nº 172 de 12-09-2008).

enquanto na primeira seus integrantes mantêm coabitação harmônica numa mesma residência, na união simultânea a coabitação não é comum, formando-se dois núcleos distintos. Embora admita a existência da família poliafetiva, referido autor defende que somente o Judiciário pode declarar sua validade e efeitos, em virtude da ausência de lei específica sobre a matéria, servindo a escritura apenas como meio de prova da convivência triangular, conforme dispõe o caput do art. 215 do CCB de 2002.

Para Américo Luís Martins da Silva281, dado o perfil plural da família constitucionalizada, no poliamor, atendidos aos pressupostos da afetividade, estabilidade, publicidade e estruturação psíquica - onde cada integrante ocupa lugar e função na estrutura criada-, mais de duas pessoas vivenciam relação aberta e consentida, densificada em sentimentos de solidariedade e proteção recíprocos, sobreposta a referências biológicas e materiais, e fundada na liberdade de cada um formar a própria família sem a obrigação de aderir a modelos preestabelecidos.

Idêntico posicionamento é compartilhado por Rafael da Silva Santiago282, para quem referidas uniões constituem família porque fundadas em valores como o da dignidade, liberdade, solidariedade, igualdade, afetividade, pluralismo, intervenção mínima do Estado e proteção à família. Já Maria Berenice Dias283 diferencia a família simultânea da poliafetiva em sua dimensão espacial, explicando que enquanto na primeira são mantidas duas ou mais configurações familiares com residências próprias, na união poliafetiva é constituída uma só entidade familiar, todos residindo sob o mesmo teto. Nesse sentido, destaca:

“As pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante e, com mais liberdade, buscam realizar o sonho de ser felizes sem se sentirem premidas a permanecer em estruturas preestabelecidas e engessadoras. Acabaram os casamentos de fachada, não mais se justificando relacionamentos paralelos e furtivos, nascidos do medo da rejeição social. Está ocorrendo uma verdadeira democratização dos sentimentos, na qual o respeito mútuo e a liberdade individual são preservados. Cada vez mais as pessoas têm o direito de escolha e podem transitar de uma comunidade de vida para outra ou construir a estrutura familiar que lhe pareça mais atrativa e gratificante (...)”.

281SILVA, Américo Luís Martins da - Direito de família, uniões conjugais, estáveis, instáveis e costumes alternativos. Leme: Cronus, 2015, p.1.342-1.344.

282SANTIAGO, Rafael da Silva - Poliamor e direito das famílias. Reconhecimento e consequências jurídicas. Curitiba: Juruá, 2015, p. 157.

Assim, para os autores que defendem a juridicidade da união poliafetiva, em que pese contrariar o padrão moral dominante - e, nesse ponto, em larga escala -, o ordenamento jurídico nacional (penal, civil e constitucional) não proíbe tal espécie de relacionamento. A vedação ocorre: a) No caso de dois casamentos simultâneos, impedimento matrimonial que gera a nulidade do ato, nos termos do inciso II do art. 1.548 do CCB de 2002, além de configurar crime de bigamia; b) No caso de constituição de união estável entre pessoas impedidas de casar, conforme o art. 1.727 do CCB de 2002. Aliás, é essa a origem da expressão concubinato impuro ou adulterino, que existe quando uma pessoa mantém outro relacionamento além do matrimônio, caracterizado pela clandestinidade e eventualidade estabelecida por aquele que se encontra impedido de casar. Já no chamado concubinato puro, a união é formada entre duas pessoas sem vínculo matrimonial, recebendo, a partir da CFB de 1988, a denominação de união estável. Desse modo, para a doutrina majoritária, formações poliafetivas não se enquadram em quaisquer das hipóteses acima mencionadas, já que possuem contornos próprios, formada entre pessoas civilmente desimpedidas, ou seja, sem vínculo matrimonial ou união estável. Na eventualidade de partilha duas seriam as possibilidades: a) Separação do patrimônio constituído (entre e o homem e suas mulheres, entre a mulher e seus homens, entre o homem e outros homens ou entre a mulher e outras mulheres); b) Divisão do patrimônio em três partes iguais (triação), à luz do caso concreto.

A primeira notícia de registro de união estável poliafetiva no Brasil remonta ao ano de 2012, ocorrida na cidade de Tupã/SP, lavrada por escritura pública em Tabelionato de Notas e Protestos. O objetivo era regularizar o regime de bens e o dever de assistência de união mantida entre um homem e duas mulheres que viviam há mais de três anos. O registro foi assegurado por se tratar de pessoas capazes e em razão da inexistência de controvérsia matrimonial anterior, com fundamento no caput do art. 4° da Resolução CNJ nº 40/2007284. Ocorre que na medida em que começaram

284Art. 4º. “A união estável será consignada nos assentamentos funcionais do (a) servidor (a) somente

se comprovada a existência, entre os companheiros, de qualquer impedimento decorrente de outra união”. (Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 40, de 14-08-2007. “D.J. nº 159” (17-08- 2007)).

a ser lavradas novas escrituras públicas com idêntico conteúdo, pelos cartórios de São Vicente/SP, Tupã/SP e do Rio de Janeiro/RJ, a Associação de Direito da Família e das Sucessões (ADFAS) ingressou com o pedido de providências nº 0001459- 08.2016.2.00.0000, junto ao CNJ, requerendo a proibição do registro de tais uniões, sob o argumento de que o §3º do art. 226 da CFB de 1988 nega validade a relacionamentos poligâmicos, limitando a formação de união estável a duas pessoas. Nos referidos autos, em caráter liminar, a Corregedoria Geral de Justiça, em 13-04- 2016, recomendou às serventias extrajudiciais de notas que não realizassem lavratura de novas escrituras declaratórias de uniões poliafetivas até a análise do tema pelo CNJ. Em 26-06-2018, o Plenário do CNJ, por entender que a Constituição reconhece apenas a existência de casais monogâmicos, proibiu que os cartórios procedessem ao registro das uniões poliafetivas, formadas por três ou mais pessoas, mediante escrituras públicas. Por maioria, o CNJ firmou posição no sentido que sendo o ato do registro dotado de fé pública, tal implica o reconhecimento de direitos garantidos apenas a casais ligados por casamento ou união estável, incluindo garantias sucessórias e previdenciárias. De acordo com o relator do processo, ministro João Otávio de Noronha285, as atribuições do CNJ são restritas à esfera administrativa, não sendo o órgão detentor de competência jurisdicional. Ainda segundo o relator, tal tipo de documento não encontra amparo na legislação ordinária e nem na jurisprudência do STF, cujos direitos são reconhecidos apenas em casos de associação por casamento ou união estável. Ressaltou, no entanto, que o julgamento não discutia a possibilidade de constituição de tais uniões, mas somente o ato cartorário em si, prevalecendo o entendimento de que esse tipo de registro não encontra amparo legal.

Na oportunidade, seguindo a mesma direção, a então presidente do CNJ e do STF, ministra Cármen Lúcia Rocha Antunes286, destacou que o objeto da discussão se limitava à análise da atuação das serventias extrajudiciais na matéria, sujeitas à fiscalização e controle da Corregedoria Nacional de Justiça, e que não é atribuição do

285MONTENEGRO, Manuel Carlos - Cartórios são proibidos de fazer escrituras públicas de relações

poliafetivas [s.l.].[s.n.]. Agência CNJ de notícias (26-06-2018). p. 02. [Consultado 13/01/2019]. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/87073-cartorios-sao-proibidos-de-fazer-escrituras-