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Primeira República no Brasil: a criação dos Grupos Escolares paulistas

1.2 A Educação Paulista: final do Império e início da República

Os debates em torno das questões educacionais no Brasil iniciaram-se ainda no Império, porém não com a mesma intensidade e com os mesmos objetivos do início da República, uma vez que os discursos eram diferentes nos dois períodos.

Primitivo Moacyr (1937) traz em seu livro, “A Instrução e o Império: subsídios para a História da Educação no Brasil – 1854 – 1888”, uma coletânea de documentos que demonstram algumas propostas de reformas educacionais no final do Império, que foram apresentadas ao Congresso, embora muitas delas não tenham passado de propostas. Destacaremos a Reforma Leôncio de Carvalho, pois entendemos que dentre as propostas apresentadas é a que mais se aproxima das propostas republicanas.

A Reforma Leôncio de Carvalho propunha mudanças para o ensino primário e secundário na Corte e no Ensino Superior em todo o Império e foi apresentada em 1878 sendo decretada em 19 de abril de 1879, e , em 1882, Rui Barbosa apresenta à Câmara dos Deputados um Parecer sobre a essa Reforma e suas propostas de adequação – documento que focou conhecido como “Pareceres de Rui Barbosa”.

Para Leôncio de Carvalho, conforme nos apresenta Primitivo Moacyr (1937), a educação pública13 era o caminho para o progresso do país. No bojo da reforma entre as propostas apresentadas destacamos:

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1) Liberdade de ensino como “sólido alicerce sobre que deve assentar o edifício da educação nacional” (p.169), que afirmava a necessidade de liberdade de ideias e de métodos de ensino, dentre as doutrinas entendidas como essenciais; e, para todo aquele que se julgasse habilitado a aprender, acesso ao ensino sem dependência de provas ou exames;

2) Dedicação exclusiva dos professores ao magistério:

O magistério é uma profissão que, para ser bem exercida, exige maior soma de esforços e dedicação; aquele que a abraça, se quer preencher dignamente os deveres do seu nobre apostolado, precisa consagrar-lhe todas as forças de seu espírito, todas as energias de seu coração. (CARVALHO, citado por MOACYR, 1937, p.171)

Enfatizava esse autor que o professor não deveria se dedicar às funções administrativas e apontava para o problema do professor que tinha envolvimentos com a política, pontuando que, para melhoria das condições dos professores, era necessário garantir seu bem- estar, sua independência e o aumento de seus vencimentos:

de maneira a tornar a carreira vantajosa e apetecida, dever-se-á proibir a todos aqueles a quem o Estado confia a árdua tarefa da educação social a acumulação de cargos que não podem deixar de estorvar-lhe o cabal desempenho de sua elevada missão. (CARVALHO, citado por MOACYR, 1937, p.172)

3) Obrigatoriedade do ensino primário14: Leôncio de Carvalho defendia a obrigatoriedade do ensino como uma via para a redução da desigualdade, pois a educação poderia proporcionar às classes inferiores condições de redução das indiferenças até então instaladas pela forma de instrução aos privilegiados; entendia, ainda, que sem intervenção pública a desigualdade não poderia ser minimizada:

14 O Ensino Primário era dividido em primeiro e segundo graus, sendo que não encontramos no documento de

Leôncio de Carvalho o período de duração de cada modalidade de ensino. Há apenas a referência à idade em que os alunos deveriam frequentar as escolas de primeiro grau - entre 7 e 14 anos-. Quem apresentará a divisão do curso em anos será Rui Barbosa, que propõe a divisão da escola primária em: escola primária elementar com duração regular de 2 anos, escola primária média, com duração também de 2 anos, e escola primária superior com duração de 4 anos.

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A necessidade de intervenção dos poderes públicos para obviar os inconvenientes dessa culposa indiferença tem sido universalmente reconhecida e o meio considerado eficaz é o ensino obrigatório, consagrado na legislação de todas as nações europeias (...). (CARVALHO, citado por MOACYR, 1937, p.182)

E prossegue afirmando que:

A decretação do ensino obrigatório acarretará como consequência a necessidade de maior número de escolas, pois as existentes não comportarão o aumento de pessoal que ha de afluir ás aulas. (CARVALHO, citado por MOACYR, 1937, p.183)

Mas esse aumento desejado de escolas de ensino primário só se dará após a Proclamação da República, com a criação dos Grupos Escolares.

Ainda sobre o ensino primário, a Reforma propunha uma reorganização de forma que as escolas de primeiro grau fossem diretamente ligadas às de segundo grau, e essa, por sua vez, deveria oferecer um programa de ensino voltado às especificidades da época, com noções de lavoura e agricultura para os meninos e economia doméstica para as meninas. Enfatizava ainda a necessidade de as escolas de primeiro grau ensinarem geografia e história, além do ensino prático de lições de cousas, pelo método intuitivo desenvolvido por Pestalozzi15.

Para o reformista, as despesas com a instrução do povo acarretariam uma economia, pois, segundo estatísticas analisadas no período, a nação que empregasse esforços na educação pouparia gastos com asilos, hospitais e cadeias.

A Reforma foi decretada em 1879, porém não chegou a ser aprovada pelo Legislativo, mas, segundo Ribeiro (2003), algumas consequências práticas chegaram a ocorrer e “dizem respeito à decretação da liberdade de credo religioso dos alunos e à abertura ou organização dos colégios, onde outras tendências pedagógicas, como a positivista, tentavam ser aplicadas” (RIBEIRO, 2003, p.67).

Devido à quantidade de críticas apresentadas contra a Reforma Leôncio de Carvalho, a Câmara dos Deputados encomendou sua revisão. Rui Barbosa, Tomas de Bomfim Spínola e

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Ulisses Machado Pereira Viana foram os três deputados que compuseram a Comissão destinada a tal análise, entretanto o trabalho acabou sendo realizado apenas por Rui Barbosa.

Rui Barbosa deveria apresentar ao Congresso um estudo da Reforma Leôncio de Carvalho, mas, na verdade, apresentou um projeto substitutivo, que apesar de gerar vários debates não chegou a ser votado. Esse fato, porém, não tira os méritos que, posteriormente, as ideias contidas nos dois Pareceres, apresentados entre 1881 e 1883, vão ganhar ao longo da República. Afirma Marcílio:

Seus Pareceres nem sequer foram apreciados pela Câmara. Mas as idéias e as propostas de Rui Barbosa serviram de âncora, de fundamentação, para monitorar as reformas futuras. Nessas condições a Reforma Leôncio de Carvalho continuou sendo válida até o fim do Império. (MARCÍLIO, 2005, p.131)

A Proclamação da República trouxe consigo a bandeira do Liberalismo, que pregava além da liberdade de comércio entre os Estados da federação e os países importadores, a necessidade de modernização da sociedade brasileira. Esses reformadores acreditavam que a escolarização da sociedade era um importante instrumento de modernização da nação.

Entendendo que estávamos saindo de um contexto escravagista e entrando em uma sociedade livre, que necessitava da qualificação da mão-de-obra para trabalhar nos maquinários da agricultura e na indústria, além da incorporação da disciplina para obedecer às regras impostas pelo mercado de trabalho, não seremos ingênuos em que somente a educação favoreceria os que seriam instruídos, uma vez que a proposta de instrução propunha a educação para todos. Acreditamos que os reais beneficiados naquele momento seriam os detentores de capital, pois teriam a instrumentalização formal de sua mão-de-obra.

Quem ergueu primeiro a bandeira da educação pública primária foi o Estado de São Paulo, que implementou, entre tantas reformas, a criação dos Grupos Escolares. Durante as primeiras décadas do século XX, vários Estados implantaram em seus territórios o modelo paulista de organização do ensino primário. Souza (2004) afirma que a disseminação do ensino paulista para outros Estados foi marcada por atração, repúdio e apropriações diversas. Para a autora, a reforma paulista, com seus métodos e suas instituições, estava diretamente relacionada às formas de organização escolar dos países europeus e dos Estados Unidos. Entretanto, apesar

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do crescimento do número de vagas e da criação de escolas, a oferta de educação manteve-se precária ao longo do século XX. Para ela, a modernização do ensino paulista é mais uma prática discursiva do poder público que uma mudança significativa da instrução pública, pois a lenta disseminação com que as propostas inovadoras de ensino caminharam por todo o território nacional demonstrava que:

As peculiaridades regionais, os conflitos políticos locais, as soluções circunstanciais – algumas bastante criativas – e o ritmo de incorporação das inovações dão a ver a sobrevivência de instituições escolares muito mais próximas das escolas de primeiras letras do século XIX, que da modernidade que se almejava implantar. (SOUZA, 2004, p.119)

Entender em que medida tais propostas de modernização estiveram presentes na cidade de Limeira faz-se necessário, assim como analisar as relações políticas locais como propulsoras de inovações educacionais. Tais análises serão realizadas mais precisamente nos capítulos II e III.

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