• Nenhum resultado encontrado

Primeira República no Brasil: a criação dos Grupos Escolares paulistas

1.1 A Primeira República: a economia cafeeira e a imigração europeia

A Proclamação da República instalou no Brasil um novo sistema político e social,surgindo como alternativa para estabilizar o país tanto no setor econômico, quanto no político e social.

Sabe-se que a Reforma, instaurada com a República, não acarretou profundas transformações de imediato, visto que, nas últimas décadas da Monarquia, as Províncias já vinham se adequando a uma nova realidade política, o que não acontecia na capital do Império. Também é verdade que a Proclamação da República não foi uma revolução, mas uma transformação político-administrativa, principalmente no que se refere à forma de reger o país, passando de um regime monárquico para um regime presidencialista.

O Movimento Republicano, que se intensificou no Brasil nas últimas décadas da Monarquia, teve seu auge com o Manifesto de 1870. Os republicanos defendiam o ideário baseado no liberalismo democrático e, tão logo, liberalismo e positivismo se fundiam em seus objetivos.

As mudanças político-administrativas da República poderiam ser assim definidas: enquanto a administração nacional do Império ficava por conta de baianos e fluminenses, nos primeiros anos da República o cenário político era definido por paulistas e mineiros, período que ficou conhecido como Política do Café com Leite. Segundo Nagle (2001), até o término da Primeira Republica, quem escolhia o Presidente eram os governadores dos Estados, “e não tardou que a „política dos Estados‟ se transformasse na política de dois grandes Estados – Minas e São Paulo –, que quase sempre se alternavam no exercício da presidência da República” (NAGLE, 2001, p.11).

28

A estrutura econômica do país era definida pela grande propriedade latifundiária, assim como a política era desenhada pelos proprietários rurais - toda organização social passava pelo crivo dos grandes fazendeiros do nosso país.

A economia, baseada na produção e comercialização do café, “demarcava a preponderância dos estados de Minas Gerais e de São Paulo nos quadros políticos da Nação, e [...] isso se ligava aos interesses fundiários dos dois estados, por meio da produção cafeeira” (NAGLE, 2001, p.22).

O início da República foi marcado por uma tentativa de mudança do sistema econômico. No período que antecedeu a República, a economia era baseada no sistema agrário comercial-exportador, sistema econômico que entra em crise nos primeiros anos da República, quando se iniciaram, no país, tentativas de consolidar um sistema industrial que, apesar de vários incentivos, não se consolidou naquele momento da economia brasileira. Até finais da década de 1920, o sistema econômico brasileiro, continuou sendo baseado na exportação da agricultura, que, mesmo em crise, permaneceu como economia majoritária, mas abre espaço para a industrialização.

São Paulo, dentro deste contexto de economia rural baseada no setor cafeeiro, era reconhecido como grande polo exportador de café, mas se via impossibilitado de expandir suas exportações, devido à rígida centralização que a Monarquia estabelecia em todo o país. Os republicanos defendiam a autonomia regional de modo a promover ligações diretas dos Estados com o mercado internacional, sem as injunções da União, conforme afirma Souza (1976):

A Federação surge em atendimento às necessidades de expansão e dinamização da agricultura cafeeira, desfeitas, já na Abolição, as motivações econômicas que ligavam as várias regiões produtoras. (SOUZA, 1976, p.164)

A economia cafeeira12 passa a ser desenvolvida durante as três primeiras décadas do Império, quando grande parte da mão-de-obra era formada por escravos. Porém a proibição do

12 Os primeiros pés de café foram introduzidos no Brasil em 1727, conforme estudo apresentado por Argollo (2004),

porém sua cultura era insignificante até final do século XVIII, quando o Rio de Janeiro cultivava pequenas plantações de café. É a partir do século XIX que se inicia a marcha para o interior do país na direção dos estados de Minas e São Paulo.

29

tráfico de escravos, em 1850, por meio da Lei Eusébio de Queiroz, instalou um grande problema para os fazendeiros, que não conseguiam suprir a falta da mão-de-obra em todo o país. O Brasil buscou, então, várias alternativas para tentar solucionar essa escassez provocada em todo o seu território. A crise da mão-de-obra escrava inaugurou no Brasil uma migração interna de escravos, o que também não resolveu o problema. Segundo Bezerra (2001):

Se a abolição efetiva do tráfico de escravos dificultou a aquisição de braços, a elevação dos preços provocada pelo tráfico interprovincial veio confirmar o colapso do sistema escravista, ocasionando a falta da mão-de-obra, acompanhada de dificuldade de reposição desta. (BEZERRA, 2001, p.32)

A classe dirigente da economia cafeeira buscou resolver o problema da demanda da mão-de-obra com a colonização, com contratos de parceria. É consenso entre os historiadores e economistas que estudam a colonização no Brasil citar o caso do Senador Vergueiro, grande proprietário de terras e grande produtor de café, que, por iniciativa própria, decide contratar trabalhadores diretamente da Europa, conseguindo do Governo o financiamento do transporte. Em 1840, Vergueiro importa as primeiras famílias de imigrantes para trabalhar em suas terras. Esses colonos eram em número de 80 famílias portuguesas, que foram transferidas para Limeira para trabalhar na Fazenda Ibicaba, com contrato de parceria. Os portugueses foram os primeiros imigrantes trazidos para o Brasil, seguidos por alemães, suíços, italianos e espanhóis. Segundo Carone (1978), “os imigrantes são preferencialmente italianos, portugueses, espanhóis, alemães, russos, sírios” (CARONE, 1978, p.13).

Para Furtado (2001), o contrato de parceria estabelecido entre colonos e colonizadores, na verdade, nada mais era que o imigrante vendendo seu trabalho futuro e tendo que pagar por ele, ou seja, vendia ao colonizador o trabalho que ainda iria desenvolver, pois contraía com o fazendeiro as despesas provenientes de sua viagem e da viagem de sua família até as fazendas.

30

O Brasil testemunhou, ao longo de sua história, diversas formas de organização do trabalho. Em vários momentos essa organização se deu na forma de escravidão, implícita ou explícita. Fernandes (2004) afirma que o Brasil conheceu novas formas de escravidão em um mesmo sistema de produção do trabalho associadas à “escravização de raças diferentes, com caracteres étnicos e culturais distintos, e a formações socioeconômicas escravistas diversas” (FERNANDES, 2004, p.359).

O princípio da imigração, cujo objetivo era a mão-de-obra livre para a lavoura, foi implementado no Brasil em meados dos anos de 1850, e além de tentar resolver o problema da mão-de-obra, contribuía, ainda, com o ideário liberalista de embranquecimento da nação. Bezerra (2001) afirma que com a imigração europeia:

inicia-se um processo de degeneração da imagem do trabalhador nacional em detrimento do europeu, e esse processo trará para o Brasil consequências futuras que justificarão discursos de branqueamento, de purificação das raças, da criação de uma raça brasileira legítima – embranquecida. (BEZERRA, 2001, p.32)

Os grandes produtores de café de São Paulo incentivaram os estrangeiros com promessas de parcerias que renderiam vantagens para ambos, colonizador e colonizado. Um fator que estimulou fortemente a vinda de um grande número de estrangeiros para o Brasil estava diretamente relacionado à crise financeira que os países europeus enfrentavam naquele momento:

Alguns países europeus passavam por problemas sociais gerados com a Revolução Industrial, mas também com a concentração das propriedades rurais em várias nações em processo de constituição, após os quais se formou um fluxo grande de espoliados sociais. Pessoas saíram do campo em busca de trabalho nas cidades, houve um crescimento da produção de manufaturados com a industrialização e aumentou a necessidade de se efetivar e ampliar um mercado consumidor para esses produtos.

O início do século XIX foi marcado por movimentos migratórios internacionais em virtude dessas alterações políticas, sociais e econômicas decorrentes da reestruturação capitalista na Europa, que gerou êxodo rural intenso expulsando populações da área rural para os centros urbanos industriais. (BEZERRA, 2001, p.23-24)

A longa citação acima se faz necessária para compreendermos em que medida a crise internacional veio ao encontro dos problemas internos da mão-de-obra no Brasil. A vinda de

31

estrangeiros para trabalhar nas lavouras cafeeiras não estava relacionada apenas aos incentivos oferecidos pelos cafeicultores, mas também aos problemas que os países europeus estavam vivendo naquele momento.

O contrato de parceria, que, como já apontamos, para muitos autores mais se assemelhava a uma nova forma de escravidão nos moldes em que foi organizado, estava fadado ao fracasso:

É fácil compreender que esse sistema degeneraria rapidamente numa forma de servidão temporária, servidão essa que nem se quer tinha um limite de tempo fixado, como ocorria nas colônias inglesas. Com efeito o custo real da imigração corria totalmente por conta do imigrante, que era a parte financeiramente mais fraca. O Estado financiava a operação, o colono hipotecava o seu futuro e o de sua família, e o fazendeiro ficava com todas as vantagens. (FURTADO, 2001, p.126)

Na metade do século XIX havia uma predominância de imigrantes italianos na produção agrícola, e, posteriormente, também seriam predominantes no setor industrial. Apesar do grande número de imigrantes que entraram no país desde o século XIX, é apenas em 1921 que, pela primeira vez, serão regulamentadas a entrada e as condições para a aceitação desses povos no Brasil.

Ao longo da Primeira República houve várias alterações no percurso da imigração. Muitos, ao chegarem, se instalavam nos núcleos urbanos, outros abandonavam rapidamente o trabalho agrícola para transformarem-se em pequenos proprietários rurais; houve, ainda, o movimento de retorno dos imigrantes ou para seus países de origem ou a ida para qualquer outro país.

A queda da imigração, no entanto, se dará na década de 1930, que atrelada a outros fatores contribuiu para a disseminação dos imigrantes para diferentes regiões do país. “Por estas e outras razões – industrialização, secas, queda dos preços da borracha e bons preços do café etc. -, temos uma ascensão rápida da migração interna do Nordeste para o Sul” (CARONE, 1978, p.14).

A economia cafeeira passou por crises em diferentes momentos da história, mas é o caso específico do período pós-Proclamação da República que destacaremos - período que vai de

32

1898 a 1906. Em 1895, houve uma grande colheita de café: essa safra desencadeou o problema da superprodução, o que gerou uma instabilidade financeira entre os produtores. Em 1897, o governo de São Paulo proibiu novas plantações de café para os cinco anos seguintes, conforme nos mostra Carone (1978), além de outras medidas que foram tomadas para tentar resolver da crise, como auxílio pecuniário aos fazendeiros e medidas externas para incentivar o consumo de bebidas à base de café.

Em 1906 foi criado, em Taubaté, um convênio entre os governos dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Tratava-se da “primeira intervenção estatal para proteger um produto, obra de e para benefício de uma classe” (CARONE, 1978, p.41). Esse contrato estipulava, entre outras coisas, o preço mínimo para as sacas do produto, criando a taxa sobre as sacas exportadas, para, com ela, pagarem os juros e amortizarem os capitais necessários. Esse contrato previa que lucros e encargos fossem partilhados entre os contratantes.

Para Nagle (2001), a execução do convênio firmado entre os Estados fez com que o Estado Liberal passasse a ser o Estado Intervencionista e a República Federativa uma espécie de estadualismo republicano.

Enquanto o café passava por suas crises e os grandes produtores encontravam problemas financeiros para manterem seus capitais, no interior de São Paulo, mais precisamente na região de Ribeirão Preto, surgiam pequenos produtores italianos de café que conseguiam obter lucros razoáveis. Petrone (1985) afirma que as pequenas propriedades de café eram cultivadas com o auxílio das famílias do proprietário que conseguiam viver razoavelmente bem.

Em menor escala que a economia cafeeira, a economia proveniente das indústrias começava a se desenvolver no Estado de São Paulo, e esta também se utilizava do trabalho do imigrante para suas tarefas:

...em 1900, 92% dos operários industriais no Estado de São Paulo eram estrangeiros e 81% eram italianos. Em 1912, no mesmo Estado, 80% dos operários têxteis eram estrangeiros, sendo que 65% eram italianos (...). Ainda em 1915, mais de dez anos após o encerramento do grande período de imigração italiana, um relatório do Departamento Estadual do Trabalho indica que os italianos constituíam a maior parte dos operários da cidade de São Paulo.

33

A crise mundial de 1929 trouxe consequências dramáticas para a agricultura cafeeira. A produção que se encontrava em alta e deveria continuar evoluindo, até 1933, gerou uma baixa considerável no preço da saca de café, as exportações caíram e o estoque interno aumentou. O café alcançou seu preço mais baixo em 1927, para cair ainda mais nos dois últimos anos da década de 1930. A capacidade de produção dos cafezais caiu pela metade nos quinze anos que se seguiram após a crise. Segundo Furtado (2001), o capital empregado nas plantações de café foi absorvido pela própria agricultura de exportação de outros setores, especialmente do algodão.

Quem ganhou território e começou a se expandir no período da crise e do pós-crise mundial foi a indústria, que já havia conquistado sua importância na economia urbana do país e não sofreu diretamente grandes efeitos dessa crise, visto que sua produção

...se destinava em sua totalidade ao mercado interno, sofre durante a crise uma queda de menos de 10 por cento, e já em 1933 recupera o nível de 1929 (...) as atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam impulsionadas por seus maiores lucros, mas ainda recebiam novo impulso ao atrair capitais que se formavam ou desinvertiam no setor de exportação. (FURTADO, 2001,p.198)

As mudanças que a Proclamação da República desencadeou, em todo o território nacional, puderam ser sentidas no âmbito das questões econômicas e sociais. Com relação às questões políticas, a República veio a reforçar as tendências que já existiam, como o Federalismo e o Coronelismo, porém, pôs em pauta outras questões que precisavam ser resolvidas, como é o caso do direito de voto.

Se, no Império, a exclusão do direito de voto era pela condição social, na República essa exclusão passou a ser pela instrução. Segundo Marcílio (2005, p.117), as mudanças de seleção para estabelecer o direito de voto na República favoreceram a classe média, que antes era excluída, mas excluiu o analfabeto, que representava cerca de 80% da população, e a seleção do direito de voto manteve-se até a Constituição de 1988.

Da mesma forma, Monteiro (1998) aponta para esse problema e enfatiza que:

No Brasil, na medida em que a maioria da população era constituída por escravos e brancos livres que pouco ou nenhum acesso tinham à educação, a

34

atribuição da cidadania política segundo critérios de instrução formal, equivaleria à exclusão da ampla maioria da população de um pertencimento à nação, uma vez que somente poderiam integrar esta nação aqueles que, tendo competência técnica para viabilização do progresso material e humano, fariam parte do Estado Nacional, através da participação política. Ou seja, somente possuindo um mínimo de instrução para proceder a um julgamento criterioso e responsável dentro dos parâmetros de racionalidade científica e social, adquirir- se-ia o direito de pertencer à nação. (MONTEIRO, 1998, p.31-32)

A última década da Primeira República representou um período de grande efervescência ideológica e de inquietação social, e foi também nesse período que ocorreu a transição do sistema econômico do tipo colonial para o autônomo:

...constitui essa década a fase de instalação do capitalismo no Brasil, e, portanto, se define como período intermediário entre o sistema agrário-comercial e o urbano-industrial, os dois grandes ciclos da vida econômica brasileira. (NAGLE, 2001, p.21)

A instalação da República mudou não somente a forma de organizar a política e a sociedade na esfera econômica, mas também trouxe profundas transformações para a organização educacional do país.

As bandeiras liberais e cientificistas (positivistas) convergiam em vários pontos, e, segundo Ribeiro (2003), os programas de ação das duas frentes políticas traziam em comum:

...abolição dos privilégios aristocráticos, separação da igreja e do Estado, instituição do casamento e registro civil, secularização dos cemitérios, abolição da escravidão, libertação da mulher para, através da instrução, desempenhar seu papel de esposa e mãe, e a crença na educação, chave dos problemas fundamentais do país. (RIBEIRO, 2003, p.65)

Essa citação se faz necessária não só para relembrarmos as reivindicações dos republicanos antes mesmo da Proclamação da República, como também para destacarmos a visão que traziam da necessidade de uma educação sistematizada. Viam a educação, ou a falta dela, como a chave dos problemas fundamentais do país, não diferente dos discursos atuais, mas importante para aquele momento de transformações na política e organização social do país.

35

Saviani (2004) apresenta de forma bastante clara por que o Estado de São Paulo se destacou na implantação de um sistema de ensino que serviu de modelo para todo o país. Segundo o autor, o fato de o Estado ter sido o principal produtor e exportador de café do país garantiu-lhe a hegemonia econômica. Com a proclamação da República, o Estado ganhou também a hegemonia política: “a ele coube dar a largada no processo de organização e implantação da instrução pública, em sentido próprio, o que se empreendeu por meio de uma reforma ampla da instrução herdada do período imperial” (SAVIANI, 2004, p.23).