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A criação do Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira

3.1 A implantação do primeiro Grupo Escolar de Limeira

“Salve pois a creansinha Que com o livro na mão, Corre alegre e pressurosa Para o seio da INSTRUÇÃO!”

(Fragmentos do poema intitulado “Escola” de V. Marcondes, Inspetor de Ensino que visitou o Grupo Escolar Coronel Flamínio em 24 de abril de 1903)

Como já dito, existem pesquisas sobre a instrução em Limeira que abordam diferentes objetos como a educação alemã, a educação italiana e a história do município30. A pesquisa que muito contribuiu para justificar nossa investigação é o trabalho sobre a história da educação pública na cidade31, no qual a autora discute, ao longo do texto, os diferentes momentos da história da educação no município e, dentre os assuntos abordados, a implantação do Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira, porém não encontramos muitas especificidades sobre essa instituição, fato que nos incentivou a fazer uma pesquisa mais ampla sobre o primeiro Grupo Escolar de Limeira.

Apesar dos esforços de pesquisa realizados por Bettini (2000), observamos uma lacuna no que diz respeito às relações estabelecidas pelo referido Grupo Escolar que não foram contempladas em seu trabalho e que, devido à sua importância histórica, merecem ser

30 Busch (1967).

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aprofundadas em um debate que analise as especificidades do Grupo Escolar, em seu contexto social, relacionando-o com as questões locais, regionais, estaduais e/ou até mesmo nacionais.

Acreditamos na necessidade de um estudo que ultrapasse os “muros” da instituição, ou seja, que vá além de uma descrição sobre sua criação e implantação, que adentre seu interior de forma que possamos entender sua história além daquela contada pelos documentos oficiais de sua criação.

Sabemos que toda instituição escolar apresenta particularidades, informações que se relacionam com as questões locais e regionais, enfatizando as palavras de Sanfelice “... não há instituição escolar ou educativa que não mereça ser objeto de pesquisa histórica... Não há instituição sem história e não há história sem sentido” (SANFELICE, 2007, p.79).

Faz-se necessário apresentar criação do Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira e sua história para entendermos em que medida as particularidades do município de Limeira contribuíram ou não para a consolidação das propostas educacionais presentes no ideário republicano, e em que aspectos as questões locais puderam influenciar as questões educacionais no município e no Estado de São Paulo. Conforme verificamos no capítulo anterior, a criação de um Grupo Escolar na cidade de Limeira não representou uma mudança quantitativa para a educação local, já que, por vários anos, não era essa instituição que atendia a maior parcela de alunos matriculados no município.

Se retomarmos as condições econômicas em que Limeira se encontrava no início da Primeira República, podemos inferir que sua economia estava no centro da economia do Estado e até mesmo do país, visto que o município era um grande polo produtor e exportador de café, e seu cultivo era a grande máquina propulsora da economia nacional. Essa realidade em que se encontrava Limeira, nos primeiros anos da República, contudo, não influenciou significativamente para que o município se debruçasse sobre as questões de demanda e atendimento educacional, questão essa já bem detalhada no capítulo anterior.

Vale a pena ressaltar que, em Limeira, o ensino público foi implantado, levando em conta que a demanda populacional era diferente daquela das cidades em que os grupos escolares vinham sendo criados, uma vez que a formação da população urbana era, em grande parte, formada por ex-colonos, imigrantes que vieram para a cidade trabalhar nas lavouras de café e,

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posteriormente, constituíram frentes de trabalho diversas. No momento em que o Grupo Escolar de Limeira foi implantado no município, já era grande o número de comércios que se localizavam nos seus arredores.

Para Infantosi (1983), o povoamento resultante da agricultura cafeeira ligada a outros cultivos agrícolas com fins comerciais e as primeiras influências industriais na composição urbana das cidades, como é o caso de Limeira, tiveram relação direta com a implantação do ensino. Para a autora, “nestes centros que se voltavam para atividades que comportavam, em termos relativos, maior concentração populacional, estrutura organizacional mais diferenciada e potencialmente mais solicitante de instrução, o progresso da escolarização primária mostrou-se mais intenso” (INFANTOSI, 1983, p.77).

Endentemos tal influência como significativa, mas não determinante. Uma vez que a área urbana de Limeira se encontrava em crescente desenvolvimento, o que justificaria a criação do segundo grupo escolar no município ter ocorrido trinta e três anos após a criação do primeiro? Em 1934, foi autorizada a criação do Grupo Escolar Brasil, cuja principal finalidade era atender à demanda populacional que o Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira não conseguia abarcar devido ao número limitado de salas e vagas.

Em 1934, foi autorizado o funcionamento do segundo Grupo Escolar no município, que atendia nas dependências do Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira e seu funcionamento, em prédio próprio, se deu apenas em 1939, conforme Almeida (2007): 32

Em 8 de maio de 1935 instalou-se o Segundo Grupo Escolar de Limeira, sendo realizadas as matrículas e o início das aulas das primeiras turmas, porém os alunos estudariam em salas cedidas pelo Grupo Escolar “Cel. Flamínio Ferreira de Camargo” em seu terceiro período de aula. O estabelecimento de ensino constituiu-se inicialmente de dez classes, com um total de 381 alunos. E, posteriormente, também funcionou em mais salas cedidas pelo Colégio Santo Antonio, pois ainda não havia iniciado a obra de construção do grupo escolar. Essa situação perdurou até início de 1939.

O prédio do Segundo Grupo Escolar foi inaugurado solenemente em 7 de maio de 1939, durante a 1ª Festa da Laranja, realizada em seu prédio no período de 7 a 14 de maio, promovida pelo Rotary Club de Limeira. (ALMEIDA, 2007)

32O texto refere-se à História da Escola Estadual Brasil, segundo Grupo Escolar de Limeira, disponível em:

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O prédio que abrigou o primeiro Grupo Escolar, nos anos iniciais de seu funcionamento, cedido pelo Coronel Flamínio Ferreira, ficava atrás da Igreja Matriz do município, próximo às mansões construídas no final do século XIX, e também próximo às casas dos pequenos comerciantes, que ali se instalaram. Alugar, ceder ou emprestar prédios para a instalação de Grupos Escolares no início da República era uma prática comum: estando o Governo Estadual “impossibilitado de construir prédios para todos os grupos cuja criação era solicitada, adotou logo a política de condicionar a instalação do estabelecimento à doação do prédio pelas municipalidades” (ANTUNHA, 1976, p. 72-73).

Em acordo firmado entre Governo Estadual e Municipal, em 1905 o município “doou” (grifos nossos) ao Estado, através da Lei nº 89-A, de 15 de abril, o Largo do Rosário para que nele o Estado construísse um prédio adequado para abrigar o Grupo Escolar.

A sede própria para seu funcionamento foi construída na praça central, no Largo do Rosário, em uma área de 7.877,80 m², no quadrante das Ruas Boa Morte, Tiradentes, Treze de Maio e Carlos Gomes33. Foi inaugurada no ano de 1906, tendo suas atividades transferidas para o prédio em 20 de junho de 1907. Atualmente, a área construída é de 1.409,66 m², tendo sido avaliada, em 2007, em R$ 2.998.363,78, valor venal territorial.

O Grupo Escolar de Limeira, assim como a maioria dos grupos escolares, iniciou suas atividades com a reunião de escolas isoladas, cuja formação se deu, basicamente, pela reunião de 5 escolas masculinas e 4 escolas femininas. O mesmo decreto que criou o Grupo Escolar nomeou o Inspetor Escolar João von Atzingen para organizá-lo, que, ao afastar-se por férias, foi sucedido por Antonio Rodrigues Alves Pereira em 29 de julho de 1901, antes mesmo da inauguração. Estiveram presentes na sessão de inauguração do Grupo Escolar: o Inspetor Geral do Ensino Major Francisco Pedro do Canto, o Diretor Antonio Rodrigues Alves Pereira, as Professoras Maria Leduina Machado, Artemira Moura, Auvina Aurora de Oliveira, Maria Isabel de Oliveira, Isabel da Silveira e Maria Estela de Toledo Lima, além de autoridades e cidadãos locais.

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Na página oficial do município a última rua citada é a Senador Vergueiro, fato que nos despertou a curiosidade , porque a Prefeitura cita uma rua após a Carlos Gomes como sendo do quadrante, mas concluímos, pelos documentos analisados, que foi um equívoco, pois as ruas sempre foram as acima citadas.

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Durante o primeiro ano de funcionamento, pudemos observar que o Grupo Escolar teve vários diretores, por motivos diversos, pois tanto os diretores quanto os professores que trabalhavam no Grupo Escolar mudavam-se frequentemente. A quantidade de faltas de professores por motivo de doença também pode ser observada através do livro de nomeações de 1901. Conforme apresentamos anteriormente, quem assume a organização do Grupo Escolar é João von Atzingen. Já, em 29 de Julho de 1901, foi nomeado o Diretor Antonio Rodrigues Alves Pereira e, em 14 de novembro, foi a vez de o professor Emílio Augusto Ferreira assumir a direção do Grupo Escolar, ou seja, em apenas um ano, três diretores estiveram à frente da administração dessa instituição.

As constantes mudanças do corpo docente nos estabelecimentos de ensino no início da República se deram por diferentes motivos (ainda hoje observamos essa instabilidade entre os profissionais da área educacional, em especial na Rede Estadual de Ensino). Dentre as justificativas, apresentadas nos mapas de classe e nos livros ponto do Grupo Escolar de Limeira, podemos afirmar que, na maioria dos casos, os funcionários faltavam ou mudavam de escola por motivo de doenças, férias e de transferências para outros municípios, fossem essas por desejo do profissional ou por remoção.

O Diretor Emílio Augusto Ferreira permaneceu na direção do Grupo Escolar até 24 de julho de 1904, quando foi removido, contra sua vontade, para Leme. Segundo relato deixado pelo Diretor, no Livro de Visitas do Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira, ele se considerou vítima de politicagem, pois admoestou a professora D. Isabel Silveira por não estar cumprindo seus deveres, porém, conforme relata o Diretor, o Governo, que deveria averiguar os fatos e punir a professora, acabou por removê-lo para outra cidade34.

A primeira turma de meninos formada no Grupo Escolar possuía um número pequeno de alunos, fato que se identifica na análise dos mapas de classe: as turmas iniciavam com 40 alunos ou mais, nos primeiros anos, mas essa quantidade ia diminuindo consideravelmente nos anos seguintes. Alguns dos fatores que contribuíam para essa redução tinham relação direta com as condições de vida dessas crianças, com a importância que a família atribuía à formação

34 O relato encontra-se na íntegra nos anexos.

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escolar e com outros fatores tais como falta de saúde, epidemias e abandono. O número de alunos eliminados por excesso de faltas era grande, mas não maior do que o número de evadidos. Após algumas repetências seguidas, as crianças desistiam de estudar, visto que já se encontravam em idade para trabalhar e a escola, para elas, não fazia muito sentido.

Figura 6: Primeira turma de formandos da 4ª série primária do G.E., 1907. Acervo do Museu Pedagógico

À esquerda, em pé, observamos o diretor do G.E. Benedicto Estevam dos Santos; à direita o professor da turma, José Henrique de Menezes. Os alunos da direita para a esquerda, sentados: Luiz Dumas Acácio, Júlio de Lima, Hipólito Pinto Ribeiro, Adhemar Bitencourt, Orestes de Lima, Alexandre dos Santos, Eduardo Manini, Olegário Marciano e Salvador Bianchi. Em pé: João Baptista Marcondes de Oliveira, Pedro Coeli, Benedicto Soares da Vinha, João Pacheco Taks, Armando Esteves, Benedicto Franco de Oliveira, Sebastião Mathias e Lázaro de Freitas. Podemos observar a presença de uma criança negra entre os formandos, mas nenhuma afirmação pode ser feita sobre isso. Acreditamos que não deveria ser comum negros e brancos

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frequentarem as mesmas escolas, entretanto, por não existem estudos que afirmem ou neguem essa realidade. Cremos que brancos e negros estarem frequentando a mesma classe possa ser um diferencial no município de Limeira, que teve grande parte dos negros escravos alforriados antes da Lei Áurea.

A imagem demonstra o número reduzido de alunos que concluíram, em 1907, a escola primária em Limeira e, embora só tenham sido encontrados documentos referentes à classe masculina, não acreditamos que na classe feminina a situação fosse diferente.

Segundo informações da Diretoria local, o Colégio Cel. Flamínio Ferreira foi extinto em 02 de janeiro de 1984, tendo seus alunos sido transferidos para o Colégio Trajano Camargo. O prédio abrigou, até 2009, as instalações do Museu Histórico e Pedagógico Major José Levy Sobrinho, da Biblioteca Pública Municipal e Infantil Prof. João de Souza Ferraz, do Centro de Memória Histórica e da Escola Municipal de Cultura e Artes (EMCEA). Atualmente, encontra-se fechado para reforma, que foi pleiteada por muitos anos, mas questões políticas impediam que fosse realizada: ora porque o prédio pertencia ao Estado e a Prefeitura teria que arcar com as despesas da reforma, ora porque o Estado doou à Prefeitura o prédio, mas demorou a lhe fornecer os documentos dessa doação35, - e em outros momentos pode-se perceber a falta de interesse administrativo nessa reforma.

O último registro do Livro de Visitas do Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira é de 12 de dezembro de 1983, e sua última diretora foi Olga Assumpção de Campos, período em que a escola recebia o nome de Escola Estadual de Primeiro Grau Coronel Flamínio Ferreira36. O Termo de Visita foi preenchido pelo Delegado de Ensino Euristeno dos Santos, e recebeu a assinatura de todos os supervisores de ensino da Diretoria de Limeira.

Importante observarmos a preocupação do Delegado de Ensino, ao descrever a importância do Livro de Visitas:

35 A doação do prédio ocorreu apenas em 2008, conforme publicação do Diário Oficial em anexo.

36 Importante destacar que, durante nossa pesquisa, não encontramos nenhum documento de que constasse o nome

do Coronel Flamínio completo, exceto o Termo de Visitas que encerra as atividades da Escola. Em todos os documentos aparece o nome Coronel Flamínio Ferreira, inclusive em documentos do Arquivo Público do Estado, em ofícios e correspondências.

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Toda uma história está neste livro descrita.

Belas caligrafias ilustram as diferentes épocas e as transformações por que passou a grafia do idioma pátrio. Documenta os diversos métodos da supervisão Escolar nas diversas épocas.

É por si só verdadeiro documento histórico que deve ser preservado como relíquia e que documentará as diversas épocas para as futuras gerações. (LIVRO DE VISITAS do Grupo Escolar Flamínio Ferreira, de Limeira, p.149)

Realmente esse documento nos trouxe preciosas contribuições, devido ao seu valor histórico. As informações registradas em suas páginas nos revelam muitas coisas do Grupo Escolar ao longo de sua história. Sentimos que assim como os outros documentos que foram se perdendo ao longo dos anos, esse também venha a sumir, ou se perder em virtude da desvalorização que a sociedade mostra pelos arquivos no município de Limeira.

A imprensa local esteve presente na Sessão de Inauguração do Grupo Escolar Coronel Flamínio Ferreira e, por vários anos, divulgou os acontecimentos que ali se desenrolavam. Interessante observarmos que, mesmo não constando a maioria das edições do período, até o ano de 1907, pudemos encontrar uma quantidade significativa de publicações, o que não se repetiu depois disso, quando as instalações do Grupo Escolar foram transferidas para prédio próprio - período em que observamos apenas informações pontuais sobre o Grupo Escolar.

A construção do espaço físico dos Grupos Escolares expressa a forma como o conhecimento vinha sendo disseminado em todo o Estado. Para se adequar às exigências do Estado, a Câmara Municipal providenciou as reformas no prédio onde morava Coronel Flamínio e sua família, que serviu para abrigar as instalações do Grupo Escolar de Limeira até 1907. Mas apesar das adequações, esse prédio não possuía as características arquitetônicas que vinham sendo empregadas nos novos prédios que abrigavam os Grupos Escolares no Estado de São Paulo.

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