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CAPÍTULO 2 A INFLUÊNCIA DO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO

2.4 A efetividade constitucional e a crise ambiental

2.4.2 A efetividade da proteção ao desenvolvimento sustentável

O Direito é um instrumento de interferência no domínio político, econômico e social. Por meio dele, se procura conservar as situações desejadas ou transformar as estruturas estabelecidas que não atendam aos anseios da sociedade.

Ele também é a estrutura de um sistema social que possibilita a generalização coerente das expectativas comportamentais normativas, com o propósito de evitar a ocorrência de determinadas situações e, por conseguinte, controlar alguns riscos.

A sociedade adota um conjunto de regras obrigatórias que disciplinam os comportamentos humanos ou impõem sanções no caso do descumprimento da conduta prescrita - esse anseio normativo da sociedade forma o que se conhece por Direito. Conseqüentemente, o Direito pertence ao âmbito do dever-ser e aparece como um instrumento coercitivo voltado à realização de sistemas ideais, segundo valores definidos politicamente, que se exteriorizam por meio de normas jurídicas (NOVOA MONREAL, 1988, p. 68).

Quanto ao conteúdo, as decisões políticas consistem no conjunto de funções e objetivos do Estado e da sociedade civil que se apresentam na forma de normas jurídicas. Ocorre que o fato de dar juridicidade a essas decisões não é suficiente para a efetividade de uma expectativa preestabelecida. Indubitavelmente, o poder coercitivo do Direito é indispensável no propósito de concretização dos valores consagrados no ordenamento jurídico, de maneira especial na Constituição Federal; no entanto, para isso, as escolhas

precisam se apoiar em conhecimentos científicos - possibilidade técnica de fazer-se real - e em fundamentos éticos.

Como leciona Cristiane Derani (2001, p. 219), o ordenamento jurídico de um Estado deve ser mais do que um conjunto de prescrições normativas. Ele precisará de uma complementação extrajurídica para a sua legitimação democrática, uma vez que a realização das escolhas políticas depende das condições materiais de uma realidade histórica.

Como já discutido neste capítulo, o desenvolvimento sustentável foi o paradigma escolhido pela sociedade para definir as obrigações do Estado Democrático de Direito Material e dos particulares; inclusive foram estabelecidos instrumentos jurídicos para a intervenção no plano social, econômico e ambiental. Tal modelo encontra respaldo no momento sociológico contemporâneo, pois representa uma resposta aos riscos decorrentes da crise ambiental.

A Constituição Federal possui normas programáticas, com o propósito de direcionar a atuação estatal ou estabelecer objetivos que vinculam os poderes estatais, e um número significativo de normas de aplicabilidade imediata, dispondo de direitos e deveres dos particulares e do Estado, inclusive em relação ao desenvolvimento sustentável.

A questão não é mais de reconhecimento dos valores ou relativa à aplicabilidade limitada de algumas normas constitucionais; até para estas já existe substancial regulamentação infraconstitucional. A dificuldade está em concretizar os direitos conquistados.

O Brasil, afirma-se, tem hoje um dos mais avançados sistemas de proteção jurídica do meio ambiente. Prioritário para o futuro (e para o presente) já não é, no essencial, legislar. Já o fizemos. O que se espera agora dos órgãos ambientais e dos cidadãos, organizados ou não, é o cumprimento das exigências legais, que, com freqüência, nada mais são do que letra morta (BENJAMIN, 1999, p. 82).

A efetividade do Direito representa a “materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o “dever-ser” normativo e o “ser” da realidade social (BARROSO, L. R., 2000, p. 85, grifo do autor)”, de forma que o bem jurídico assegurado seja desfrutado pelo titular do direito. Para tanto, é indispensável que haja uma racionalidade material na interpretação e aplicação do Direito, de maneira a superar a lógica formal das legalidades e valorizar o resultado social das normas.

É rejeitável a idéia de dois mundos apartados: “ser” (realidade) e “dever ser” (norma). Há necessidade de inter-relação dinâmica, pois o Direito não se encerra no termo normativo. A norma só é totalmente compreendida no seu processo de concretização (DERANI, 2001, p. 214).

Essa concepção só pode ser adequadamente satisfeita se a interpretação e aplicação do Direito estiverem em consonância com o atual contexto sociológico, em sua dinamicidade e complexidade, uma vez que ele está marcado, por exemplo, pela evolução e funcionalização dos institutos jurídicos, a globalização e os novos sujeitos - movimentos sociais e ambientalistas.

As normas relacionadas ao desenvolvimento sustentável não possuem a efetividade esperada. De certa forma, as causas são as mesmas apontadas por Joaquim Gomes Canotilho (1998a, p. 1045) em relação às demais normas constitucionais: excessiva generalidade e polissemia dos conceitos, a carga político-ideológica dos enunciados e a teoricização que dificulta a operacionalidade da aplicação dos métodos hermenêuticos.

A inefetividade também é conseqüência da dificuldade de tornar as normas vinculantes, notadamente pela inexistência de sanções no âmbito internacional, e pela impossibilidade de aferição precisa do impacto ambiental e do responsável pelo dano.

Edis Milaré (2001, p. 105) expõe, ainda, as seguintes causas: a falta de consciência coletiva quanto às conseqüências do desastre ambiental; a deficiência funcional dos órgãos de proteção do meio ambiente; a demora na prestação jurisdicional e a dificuldade para lidar com as questões técnicas (especialização); a pressão dos lobistas em função do interesse em manter o lucro resultante da produção desenfreada; a pouca parceira entre o setor público e o privado; e a falta de uma política de implementação das diretrizes para a proteção ambiental.

A relação entre o Direito e a Política é complementar e instrumental. As escolhas políticas legitimam direitos que legitimam escolhas políticas. O difícil é controlar todo esse processo. Na seara de conceitos jurídicos indeterminados, a compreensão do Direito é definida conforme os interesses predominantes - seja pela decisão da maioria, seja pelo poder econômico.

A fim de que o Direito possa contribuir para a concretização do desenvolvimento sustentável, é indispensável que ele consiga compatibilizar o ordenamento positivo tradicional e a técnica normativa de proteção aos novos direitos.

O ordenamento positivo tradicional é o resultado de grande discussão científica e tem predominado nas discussões levadas ao Poder Judiciário. Mas esse Direito não acompanhou a evolução das necessidades coletivas. Logo, por mais que seja científico e sistemático, não consegue resolver as novas demandas sociais (NOVOA MONREAL, 1988, p. 20).

De outro lado, acreditava-se que a positivação dos novos interesses da coletividade garantiria a eficácia social do Direito, mormente por reconhecer e tentar resolver as novas

demandas e promover a integração de sujeitos sociais antes excluídos. Todavia, o resultado foi uma produção jurídica desprovida de uma melhor técnica legislativa, devido a fatores como: os avanços tecnológicos, a mobilidade social em velocidade superior à produção legislativa, a confirmação de novos direitos humanos fundamentais, e a maior intervenção estatal.

O Direito Tradicional Formal, embora tecnicamente perfeito, não atendeu à realidade social. Em contrapartida, a consagração dos novos direitos coletivos e difusos pleiteados pela coletividade não produziu a aspirada efetividade no âmbito dos procedimentos institucionais - especialmente pela falta de sistematização e estudos acadêmicos (NOVOA MONREAL, 1988, p. 48).

Além dos problemas da produção normativa moderna devido à imprecisão, o casuísmo e a prolixidade dos textos, a inefetividade dos novos direitos também é conseqüência da resistência de alguns setores econômicos e do corporativismo político, que conseguem criar obstáculos, até institucionais, à extinção de alguns privilégios.

Para solucionar essas questões, é fundamental buscar a sistematização da ampla legislação existente e torná-la mais clara e concreta, por meio de regulamentação e criação de instrumentos que respeitem o conhecimento multidisciplinar e favoreçam a maior participação da sociedade.

A legislação moderna, felizmente, tem buscado um caráter social e prospectivo para a norma. Mas ainda não conseguiu garantir a materialização dos valores constitucionais e estabelecer um sistema de tutela capaz de superar a idéia de severa repressão como o mecanismo dissuasório mais eficiente e de uma interpretação individualista do Direito.

O desenvolvimento sustentável precisa fazer parte de uma agenda governamental e constituir-se prioridade na consciência coletiva. É evidente que o reconhecimento jurídico não é suficiente para promover a transformação social. Afinal, a normatividade só fica caracterizada com a aplicação em casos concretos: decisão judicial, atos administrativos, criação de uma disciplina regulamentadora ou uma lei conforme a norma interpretativa superior.

CAPÍTULO 3 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ATIVIDADE