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CAPITULO 1 O PARADIGMA CIENTÍFICO DO DESENVOLVIMENTO

1.4 As teorias da sustentabilidade

1.4.8 Conceito tridimensional de desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável surge como um conjunto de novas estratégias ou práticas políticas de valoração e afastamento dos riscos. Não abandona o aumento da

produtividade, mas engloba o gerenciamento dos riscos, o manejo adequado dos recursos, a eqüidade na distribuição de renda e o aumento das externalidades positivas da atividade econômica, como o aumento da renda individual e a geração de emprego. Há maior interação entre questão social, econômica e ambiental, com reavaliação de algumas posições extremadas.

A questão ecológica é uma questão social, e a questão social só pode ser adequadamente trabalhada hoje quando toma conjuntamente a questão econômica e ecológica. É neste sentido que se reclama um redimensionamento da prática econômica, inserindo-a dentro de uma política mais abrangente, uma política social. Da economia que privilegia a concorrência para a produção de valor, onde a permanente pressão de modernização e conseqüente eficiência tecnológica requerem não só melhor como maior apropriação da natureza e energia, exige-se uma adequação a finalidades mais abrangentes abraçadas pelas expressões “qualidade de vida” e “bem-estar” (DERANI, 2001, p. 22, destaque do autor).

Na primeira fase dessa idéia de conjugar desenvolvimento e sustentabilidade, destacou-se o termo “ecodesenvolvimento”. Foi uma primeira reação ao economicismo e uma demonstração dos equívocos da centralização das atenções no crescimento do PIB.

O ecodesenvolvimento possui como questão ética fundamental o desenvolvimento voltado às necessidades sociais que dizem respeito à imediata melhoria da qualidade de vida da população e, ao mesmo tempo, preocupa-se com a proteção do meio ambiente.

Montibeller-Filho (2004, p. 50), ao examinar com detalhes a proposta da Comissão Brundtland, explica que o uso da expressão “desenvolvimento sustentável” avança em relação ao ecodesenvolvimento, pela ênfase na política social e na responsabilização intergeracional:

[...] é desenvolvimento porque não se reduz a um simples crescimento quantitativo; pelo contrário, faz intervir a qualidade das relações humanas com o ambiente natural, e a necessidade de conciliar a evolução dos valores socioculturais com a rejeição de todo o processo que leva à deculturação. É sustentável porque deve responder à eqüidade intrageracional e à intergeracional.

A expressão “desenvolvimento sustentável” ganhou mais destaque do que o vocábulo “ecodesenvolvimento”. Entretanto, de maneira nenhuma, esse fato significou a depreciação da proteção ambiental. Muito pelo contrário. Percebeu-se que a efetiva proteção ambiental só ocorre com o desenvolvimento sustentável em sentido tridimensional.

Ponderando a tridimensionalidade do conceito, Peter May (1999, p. 267) traz uma definição analítica para o estudo proposto. Para o autor, o desenvolvimento sustentável é:

[...] um processo através do qual uma determinada sociedade caminha com o propósito de garantir um nível de bem-estar e padrão de eqüidade distributiva no mínimo constante para todos os seus cidadãos, tanto aqueles das gerações atuais, quanto aqueles que ainda nascerão, garantindo, ao mesmo tempo, que o estoque e as funções do capital natural sejam mantidos intactos. A sustentabilidade, assim, é alcançada somente quando satisfaz, simultaneamente e de forma equilibrada, as

demandas do tripé: eficiência, eqüidade e qualidade ambiental. Para não se constituir numa formalidade restrita unicamente ao discurso, o conceito de sustentabilidade implica num processo constante de negociação entre os atores sociais, cujos valores e pretensões entram em choque.

O desenvolvimento sustentável significa um desenvolvimento com limites, pois é impossível baseá-lo em reducionismo econômico ou ecológico, o que geraria instabilidade e insustentabilidade, à medida que são excluídos outros fatores essenciais.

Neste sentido, para Enrique Leff (1999, p. 78), desenvolvimento sustentável é o manejo adequado dos recursos naturais, tecnológicos e culturais da sociedade, com interdependência entre o processo produtivo, as relações econômicas e as condições de regeneração dos recursos naturais. Segundo ele, faz-se necessário buscar a organização do processo econômico a partir do desenvolvimento das forças ecológicas, tecnológicas e sociais de produção, que sejam capazes de afastar “[...] a lógica de economias concentradoras, de poderes centralizados e da maximização de lucros de curto prazo, abrindo a via para um desenvolvimento igualitário, sustentável e sustentado.” (LEFF, 1999, p. 88).

A realização do desenvolvimento sustentável em sentido tridimensional vai ser marcada por dois pilares: a composição material e a coordenação axiológica. Pelo primeiro, busca-se o aproveitamento adequado dos recursos ambientais para produzir alimentos, energia e renda, levando em consideração as possibilidades reais de uma determinada sociedade, a partir da disponibilidade física, das necessidades criadas e do conhecimento tecnológico. Pelo

segundo, exigem-se condutas solidárias e éticas39, promovendo a justa distribuição da renda

(DERANI, 2001, p. 131).

O desenvolvimento sustentável, especialmente nos países mais pobres, não pode ser pensado para garantir a preservação dos recursos naturais nem a fim de manter a situação social atual. Não é aceitável, em nome do equilíbrio ecológico, garantir privilégios para uma minoria e para os descendentes dessa minoria.

Nesse debate, três pontos são dignos de nota: 1. a visão antropocêntrica de solidariedade intergeracional; 2. a dificuldade de efetivar um novo modelo de desenvolvimento no sistema produtivo hegemônico; e 3. a impossibilidade de o Direito dar ao tema um conteúdo específico.

1. A questão da visão antropocêntrica de eqüidade intergeracional: a sustentabilidade também para as gerações futuras exige a concretização imediata do princípio

39 Concebe-se a ética como um conjunto de valores que devem ser respeitados, caso se pretenda a viabilidade de

um contrato social. Para tanto, exige-se a alteridade, a fim de garantir a efetivação dos dispositivos constitucionais e determinam-se condutas nos limites do socialmente possível. Nem mesmo os direitos individuais podem ser exercidos em prejuízo do bem comum.

da precaução. Com isso, quando uma atividade criar o risco de provocar relevante dano ambiental, deverá ser impedida, ainda que o risco seja abstrato e não existam indícios da potencialidade do perigo.

Geração futura pode ser traduzida como o respeito à vida em potencial, decorrente do interesse da geração atual em ter uma outra geração, e ver seus descendentes com acesso aos bens da vida. Para tanto, procura-se conservar o máximo de opções, o maior potencial produtivo e os acessos essenciais dentro da mesma geração.

O antropocentrismo alargado ganhou um espaço estimável, sendo a nova tendência mundial. Essa visão caracteriza-se pela funcionalidade da exploração dos recursos naturais, no sentido de compatibilizar o crescimento econômico, com a justiça social e o manejo ambiental. Para Morato Leite (2002, p. 56), é o sistema adotado pela Constituição Federal.

2. A crise do sistema capitalista: consoante entendimento de Montibeller-Filho (2004, p. 291), esse sistema é insustentável em longo prazo, apesar dos efeitos imediatos positivos em relação à produtividade, porquanto é incapaz de promover o desenvolvimento sustentável em suas dimensões básicas de eqüidade intergeracional:

O desenvolvimento sustentável revela-se um mito, compreendendo dupla dimensionalidade: o caráter universal, ao contemplar reflexão, pela maioria dos povos - do mundo capitalista ou não -, de uma condição de eqüidade socioeconômica e ambiental desejada, dando elementos para a construção de projeto civilizatório em diferentes culturas e norteador de práticas sociais (conflituosas); e o caráter

particular, sendo no sistema atualmente dominante, e nas condições analisadas de

tendência secular e escala global, todavia, uma idéia sem correspondência direta, sendo até conflitante, com a realidade. Este aspecto contribui na compreensão da sociedade capitalista e seus limites em concretizar ideais socialmente construídos (MONTIBELLER-FILHO, 2004, p. 292, grifos do autor).

Apesar do reconhecimento dos limites do sistema capitalista no tocante às questões de proteção ambiental, justiça social e cooperação internacional, seria muita pretensão assumir qualquer posição quanto à imprescindibilidade de superação do capitalismo para se buscar o desenvolvimento sustentável. Mas é certo que somente um sistema mais justo do ponto de vista socioeconômico e dos acessos aos bens ambientais pode efetivar o modelo de desenvolvimento proposto. Além disso, mesmo não se conseguindo definir os anseios básicos de uma coletividade, já é possível consolidar garantias mínimas para a existência digna de cada homem.

3. A dificuldade de o Direito definir um conteúdo jurídico concernente ao desenvolvimento qualitativo: Montibeller-Filho (2004, p. 19), Marcelo Varella (2004, p. 5), entre outros estudiosos do tema, entendem que o desenvolvimento sustentável é um conceito polissêmico e complexo e, assim, permite apropriações ideologizadas por distintos segmentos

sociais de interesses. O verdadeiro significado da expressão depende da lógica jurídica e da hegemonia política, de maneira que fica suscetível aos resultados dos embates ideológicos e econômicos para a apropriação dos conhecimentos científicos e culturais sobre a natureza.

Não obstante, esses embates e a negociação entre os diversos atores sociais são necessários para a construção do modelo de desenvolvimento considerado sustentável. Ademais, mesmo sendo importante dar um conteúdo concreto, a generalidade é necessária para possibilitar conflitos e correlação de forças, o que é próprio do processo democrático.

O Direito é útil e decisivo para que sejam escolhidas e exigidas as posturas mais adequadas entre as possíveis. Como a idéia de desenvolvimento sustentável é muito genérica, a sua realização depende da efetividade do próprio Direito, seja no aspecto das políticas públicas, seja na realização adequada das atividades econômicas. Ocorre que, na produção e aplicação do Direito, as posições também não são uniformes, e nem devem ser, apesar de haver consenso quanto à relevância da consagração formal de alguns direitos ditos fundamentais.

Justiça social, conservação ambiental e democracia política não encontram resistência enquanto programas normativos. Mas quando se discutem os meios e o tipo de justiça, surgem controvérsias. Nota-se que há reconhecimento do desenvolvimento sustentável, mas sua efetivação só existe enquanto não prejudicar a economia nacional. As tecnologias ambientalmente adequadas são tranqüilamente aceitas se não comprometerem a competitividade. As restrições ao crescimento econômico, o auxílio aos países pobres, ou a redução de subsídios são rejeitados quando isso representa desemprego ou crise econômica em determinado país. Respeita-se a biodiversidade enquanto ela não prejudicar o progresso biotecnológico e o direito de “royalties”.

A finalidade do Direito é a melhoria da vida em sociedade, objetivo que somente pode ser conseguido se o sistema jurídico estiver voltado ao desenvolvimento sustentável do sistema social; para tanto, é indispensável reduzir as externalidades negativas e distribuir as positivas.