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CAPÍTULO 2 A INFLUÊNCIA DO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO

2.1 A atuação finalística do Estado

2.1.2 A evolução das funções do Estado Moderno

Quanto à evolução da sociedade política, podem ser destacadas duas perspectivas: a) a liberal-burguesa, de cunho político-jurídico, que analisa os Estados a partir de uma trajetória natural, evolutiva e racional, delineada especialmente pela seqüência Estado Antigo, Medieval e Moderno; b) a perspectiva marxista, de cunho socioeconômico, que define os tipos de Estado em função do modo e das relações de produção, esboçando a seguinte evolução: Escravista, Feudal, Capitalista e Socialista (WOLKMER, 1990, p. 23).

Ambas as perspectivas são importantes para o presente trabalho. A primeira, que será especificada nos parágrafos abaixo, por reconhecer a proteção constitucional de determinados valores; e a segunda, por questionar o conteúdo e a efetividade dos mesmos.

Sabe-se que o termo “Estado” ganhou destaque com Maquiavel (enquanto gênero que engloba repúblicas e monarquias). No entanto, ainda há muita discussão quanto à sua existência antes da modernidade e, portanto, da denominação da estrutura política das sociedades antigas (Grécia e Roma) e medievais. Ou seja, há que se definir se o fim da

47 Em sentido negativo ou fraco, sociedade civil pode ser entendida como toda a esfera das relações não

reguladas pelo Estado: 1. Pré-estatal: formas de organização social dos indivíduos às quais o Estado vai se sobrepor, mas não negá-las, como família, comunidade e associações civis; 2. Anti-estatal: luta pela emancipação em relação ao poder político (negação da legitimidade do Estado); 3. Pós-estatal: idéia de superação do Estado e reabsorção da sociedade política pela civil. Em sentido positivo ou forte, sociedade civil é o lugar onde surgem conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos em que as instituições estatais têm o dever de resolver, por mediação e/ou repressão formada por indivíduos ou grupos (associações, sindicatos, movimentos sociais) ou mesmo por espaços onde a intervenção estatal deve ser limitada, como o mercado e as garantias civis.

sociedade medieval é a origem do Estado ou se é necessário utilizar o adjetivo “moderno” para definir um novo modelo de Estado.

A questão da continuidade ou novidade depende da definição dada ao termo “Estado”. Quanto mais critérios forem utilizados, maior é a tendência em considerar o Estado Moderno como a origem dessa forma de sociedade política, por exemplo, ao entendê-la como aparato administrativo para prestar certas funções públicas (BOBBIO, 1992a, p. 69).

Porém, como salienta Norberto Bobbio (1992a, p. 71), mesmo que se adote a tese da descontinuidade para defender que o Estado “Moderno” é um novo fenômeno, não se pode negar a organização política e produção teórica nas sociedades antigas e na Idade Média. Sem dúvida, aí nasceram institutos que serviram de base para os estudos dos clássicos modernos.

O Estado não é fruto de geração espontânea, tem sua organização decorrente da evolução da teoria política e da filosofia antiga e medieval, bem como relação com os conflitos socioeconômicos que exigiram novas formas de organização social.

Este trabalho vai enfatizar apenas o Estado Moderno, pois tal procedimento é suficiente para a pretensão de discutir a formação do aspecto funcional contemporâneo e a constituição de aparatos jurídicos voltados à concretização do desenvolvimento sustentável.

O Estado Moderno surge com a secularização dos modelos políticos predominantes nos séculos XVI e XVII. Com a Renascença, houve a desintegração do mundo medieval, a libertação espiritual do indivíduo, a Reforma Protestante e a modernização. Esse contexto, somado às Revoluções Inglesa (1688), Americana (1776) e Francesa (1789), foi vital para a mudança do paradigma de organização do poder político.

Tal modernização consistiu no processo de inovação das posturas políticas, econômicas e sociais para que o homem conseguisse controlar a natureza e aperfeiçoar suas atividades sobre ela, a fim de satisfazer as suas necessidades. Do ponto de vista político, ela estava relacionada à expansão do direito ao voto e às novas formas de participação, ao reconhecimento dos direitos civis e políticos e à organização administrativa racional e legal. Na dimensão econômica, apresentava-se como eficiência e racionalidade do processo produtivo. Por fim, no aspecto social, a modernização configurava a maior atuação estatal e a responsabilidade privada (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 768-776).

O Estado Moderno foi uma realidade construída pela vontade da sociedade em virtude de conflitos de um momento histórico específico. Ele representou a institucionalização dos processos sociais de decisão, a normatização da intervenção no domínio privado e a organização formal de órgãos oficiais. Ao mesmo tempo, esse modelo político produziu um

ordenamento unitário próprio, isento de toda e qualquer sujeição à Igreja e ao Império, e que reconheceu um sistema de garantia dos direitos individuais.

Tendo em vista a teoria desenvolvida por Max Weber, a legitimidade jurídico- racional é a única aplicada ao Estado Moderno. Nesse modelo, a obediência dos governados à autoridade está associada ao fato de as determinações serem emitidas de acordo com normas gerais válidas, as quais, obrigatoriamente, devem estar em conformidade com as regras constitucionais. Segundo Weber (2005, p. 66), o Estado Moderno é um grupamento de caráter institucional que adquire legitimidade pelo respeito às leis e que conseguiu, nos limites de um território, monopolizar a violência física de dominação.

O poder no Estado Moderno está institucionalizado numa estrutura organizada para cumprir funções específicas e exercer o controle da coerção física. Para tanto, ele se vale das normas que foram instituídas pelo corpo social conforme procedimentos preestabelecidos (Constitucional ou Legal), independentemente das vontades daqueles que exercem o poder.

O Estado absolutista, primeira fase do Estado Moderno, foi o modelo de transição do “ancien regime” (do Estado Antigo e da sociedade pós-feudal hierarquizada) para o Estado Liberal. Essa fase foi marcada pela grande intervenção do governante nos direitos individuais e pelo dirigismo estatal de todas as esferas sociais.

O Estado Moderno começa a ganhar contornos jurídicos garantistas com o reconhecimento de direitos fundamentais na “Virginia Bill of Rights”, de 1776; na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; na pós-revolução Francesa; e na Constituição Francesa de 1791. Nesse contexto, aparece o Estado Constitucional Liberal e, daí por diante, todos os modelos políticos posteriores de Estado de Direito - que seguem as determinações jurídicas.

O Estado Constitucional, o qual surge como contraponto ao Absolutismo, é aquele que tem a sua atuação restringida por um conjunto de normas hierarquicamente superiores.

Esse Estado, delineado pelos princípios do constitucionalismo48, consagrou a limitação e

separação de poderes e a submissão do poder político ao Direito, mormente ao seu “Pacto Constitutivo”.

O Estado Liberal foi o primeiro modelo do Estado Moderno Constitucional. Ele surgiu da reação contra as oligarquias provenientes do clero e da nobreza, a fim de aniquilar o Absolutismo e implantar um sistema de liberdades civis e políticas. O marco dessa reação foi

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São características do Constitucionalismo: a) a Constituição escrita regulando o funcionamento dos órgãos do Estado e consagrando os direitos fundamentais dos cidadãos; b) a supremacia e a rigidez da Constituição; e c) o controle de constitucionalidade (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2004, p. 255).

a Revolução Francesa de 1789, que colocou o cidadão como ator principal do processo de construção da sociedade e o Estado a serviço do modelo econômico liberal pretendido pela burguesia ascendente (PORTANOVA, 2002, p. 683).

O Estado Liberal de Direito foi o reconhecimento da primeira geração de direitos humanos. Ele aparece como criação deliberada (por contrato social) com o objetivo de realizar determinados fins, entre os quais a consagração formal dos direitos individuais clássicos, como a propriedade individual plena e absoluta.

Em linhas gerais, podem ser destacadas como características do Estado Liberal: a emergência social da classe burguesa enriquecida, a descentralização democrática, a separação e interdependência dos poderes, a soberania popular e maximização da participação no poder político, o governo representativo, a supremacia constitucional e o império da lei, a doutrina dos direitos e garantias individuais também contra o poder político e o liberalismo econômico.

O Estado Liberal dos séculos XVIII e XIX ficou marcado pelo formalismo jurídico e abstencionismo, cuja única finalidade era manter a ordem e não intervir nas relações de trabalho, na vida social e econômica. Ele foi muito criticado pela valorização exacerbada do individualismo, falta de efetividade dos direitos e garantias formalmente protegidos e insuficiência dos serviços que só o Estado teria interesse em promover.

O liberalismo econômico não significou igualdade social e política. O seu conceito de liberdade foi meramente formal e não solucionou o problema da exploração do trabalhador e da má distribuição de renda. O repúdio à intervenção estatal no domínio econômico teve efeitos negativos em relação àqueles que não se apropriavam da produção. Percebeu-se que o crescimento econômico não era suficiente para realizar os direitos de liberdade e de igualdade.

A insuficiência do Estado Liberal foi ficando visível pelas externalidades do crescimento econômico, de modo que se passou a exigir maior intervenção do Estado no intuito de regular o mercado - inclusive foram elaborados mecanismos para controlar as desigualdades sociais e a concorrência desleal. Também houve novas demandas decorrentes do crescimento da indústria, haja vista que foi exigido mais investimento em pesquisa, infra- estrutura e trabalhadores qualificados, preferencialmente por educação especializada e pública.

O Estado Social surge como alternativa ao falido modelo liberal, com o propósito de favorecer a maior participação política e o acesso aos bens essenciais. O novo modelo foi possível em virtude de o liberalismo econômico necessitar da social-democracia para manter a

sua estrutura fundamental e abrir mão do individualismo, a fim de reconhecer as demandas dos trabalhadores e a evolução da concepção de justiça pretendida pela sociedade.

O Estado Social se caracterizou pela superação da idéia de suficiência das garantias formais e pela consagração de um conceito de liberdade instrumental e substancial, vinculada ao bem comum, o que exigiu maior ingerência dos governantes no domínio econômico.

Leciona Evaldo Vieira (1992, p. 82) que o Estado liberal começara a ceder lugar ao Estado Providencial no final do século XIX. Em 1871, ano da Unificação Alemã e do Primeiro Império, Otto von Bismarck inaugura o pioneiro sistema previdenciário estatal.

O Estado Social ganha destaque no período entre-guerras e torna-se predominante no pós-guerra. Antes desses períodos, porém, merecem notas a Constituição do México de 1917 e a Constituição da República de Weimar, de 1919, que consagraram diversos direitos sociais.

As décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial assistem ao crescente intervencionismo estatal no campo econômico e social, especialmente pelos programas de recuperação das economias dos países afetados pelos conflitos bélicos e a promoção do desenvolvimento dos países pobres, inclusive com a criação de empresas estatais e a hipertrofia da função administrativa.

O Estado Social assume novas funções, devido ao fato de as sociedades se tornarem mais complexas e os indivíduos mais exigentes. Ele passa a controlar a produção e a participar dela, o que provoca considerável aumento das despesas estatais:

Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto Estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede o crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende suas influências a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área da iniciativa individual, nesse instante o Estado pode com justiça receber a denominação de Estado Social (BONAVIDES, 1961, p. 208).

Sobretudo após a industrialização, houve a exigência de um Estado interventor em vários níveis: a) regulação: proteção aos direitos sociais, limitação do uso da propriedade privada e previsão do dever jurídico de investir em infra-estrutura; b) investimento na formação dos cidadãos e no fomento das atividades: educação e qualificação; e c) aumento dos serviços públicos: sistema previdenciário, assistência social, saúde pública e educação universal e geral.

O Estado Social foi o segundo modelo do Estado Moderno Constitucional. Ele surgiu da reação contra a má distribuição de bens de produção e dos produtos e contra a exploração indigna do trabalhador. Esse modelo político propôs um governo intervencionista, a fim de consagrar a liberdade e a igualdade em sentido material e promover um sistema de direitos sociais (de segunda geração), como a proteção ao trabalho, a seguridade social, a educação e o saneamento. Como referências dessa reação, é possível apontar as Revoluções Russa e Mexicana e as constituições sociais do início do século XX, as quais promoveram à coletividade a condição de sujeito principal do processo de construção da sociedade e colocaram a estrutura política a serviço de um modelo de garantia social, voltado ao desenvolvimento (PORTANOVA, 2002, p. 684).

O Estado Social possui como fundamentos: superação da crença na legitimidade racional-legal do Estado de Direito Weberiano pela legitimidade jurídico-material; nova concepção da relação entre liberdade e igualdade; a exigência de intervenção estatal para a satisfação das necessidades existenciais mínimas, com busca de recursos mediante tributos ou monopólios em algumas atividades; nova concepção sobre as relações entre os poderes estatais (harmonia e interdependência); crítica ao liberalismo econômico; benefícios específicos para as classes menos favorecidas; o mandato eletivo deixa de ser simples representação independente, pois passa a criar vínculos entre governados e governantes; funcionalização dos institutos jurídicos e dos poderes estatais; investimento em tecnologia, qualificação e infra-estrutura.

Esse Estado abrange uma série de espécies, como o socialismo democrático e o Estado de Bem-estar social. Em alguns países, esse modelo político representou uma reação à propagação das doutrinas que defendiam a mudança do modelo de produção hegemônico. Em outros, significou uma releitura da teoria marxista, como o socialismo democrático reformista,

criticado pelos marxistas ortodoxos e pelos neoliberais (BONAVIDES, 1961, p. 201)49.

O Estado de Bem-estar ou Assistencial (“Welfare State”) procura assegurar, como direito político, o acesso a um mínimo essencial de bens e serviços (saúde, educação, alimentação, moradia, e outros) e renda. Surgiu nas liberais-democracias pós-guerra, a fim utilizar os seus recursos para atender a necessidades da população via assistência governamental. Contudo, o colapso fiscal do Estado, sobretudo pelo endividamento público,

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O Estado Social é diferente do Estado Socialista. Neste há tentativa de socializar/estatizar os meios de produção. Aparece como um instrumento de superação do capitalismo enquanto transição marxista para o comunismo. Ele é menos assistencialista, embora também seja intervencionista.

resultou na crise dessa estrutura política, em virtude da sua incapacidade para atender à demanda da coletividade.

Outro modelo político que merece nota é o Liberal-socialismo, o qual respeita os direitos individuais consolidados no liberalismo (legalidade, propriedade privada, liberdades negativas, civis e políticas) sem se afastar do dever de buscar a justiça social defendida pelo socialismo (direitos sociais de igualdade). O Liberal-socialismo entendeu que era possível dispensar dogmas como o livre cambismo e a socialização dos meios de produção e

representou um sopro de vida ao sistema produtivo dominante50.

O Estado Social é importante, mas limitado, inclusive porque existem restrições políticas e econômicas quanto à carga tributária suportável. Quando mais se precisava do auxílio estatal por meio de serviços públicos e distribuição de renda, a arrecadação foi diminuída por crises econômicas e aumento substancial da dívida pública. A alternativa para evitar o colapso foi a privatização de alguns serviços estatais ou a sua prestação por meio de novas formas de participação da iniciativa privada, como educação e saúde privadas.

Esse modelo também não foi plenamente democrático, devido à sua incapacidade para fomentar a expansão das aptidões humanas e por facilitar que governos totalitários obtivessem o apoio das massas. Ele recebeu críticas por constituir formas de controle das liberdades civis e definir, arbitrariamente, as necessidades vitais (DALLARI, 1972, p. 186).

De um lado, o Estado Liberal, ao fundar o reconhecimento das individualidades livres, mostrou-se impotente diante da reconhecida necessidade de imposição de uma ordem concreta. De outro lado, o Estado Social se transformou mais em organizador das finanças e do endividamento público do que provedor das liberdades de acesso aos bens (DE GIORGI, 1998, p. 68). Diante desse quadro, o Estado Democrático de Direito começou a ganhar destaque, especialmente pela consagração do aspecto ambiental - tanto que alguns autores preferem dizer que o paradigma atual é do Estado Ambiental ou do Estado Democrático do Ambiente.

Apesar da importância dos aspectos formais, como a consagração dos direitos humanos fundamentais, o controle de constitucionalidade e da administração estatal, o Estado de Direito precisa de um substrato concreto, com fundamento na realidade concreta; do contrário, pode ser um Estado legal, mas não é um Estado de Direito (STRECK, 2003, p. 89).

O Estado Democrático de Direito é o terceiro modelo do Estado Moderno Constitucional. Ele surgiu da reação à crise ambiental resultante da sociedade industrial e das

50 Eros Roberto Grau (2004, p. 50) defende que o capitalismo se transformou para superar suas crises e se

dificuldades em se concretizar os valores protegidos nos ordenamentos jurídicos. Esse modelo político propõe uma democracia com novas práticas de representação e participação, além de aspirar à realização da justiça distributiva e de um sistema de direitos difusos, o qual tende a promover a proteção do meio ambiente, do consumidor e das minorias e o desenvolvimento sustentável como escopo primordial (terceira geração de direitos humanos).

Abaixo serão apresentados os principais aspectos desse Estado Democrático de Direito, com destaque especial para o chamado Estado Ambiental, o qual é o resultado da consagração material do princípio da solidariedade e do reconhecimento da legitimidade dos novos movimentos sociais e dos procedimentos democráticos de participação efetiva.