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CAPITULO 1 O PARADIGMA CIENTÍFICO DO DESENVOLVIMENTO

1.1 O momento sociológico contemporâneo: as causas e os efeitos da crise ambiental

1.1.1 A crise ambiental como fenômeno da modernidade

1.1.1.3 A participação do paradigma científico moderno na crise ambiental

Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 28) fala da necessidade da crítica à razão indolente, ou seja, àquela razão descuidada, negligente e, por que não dizer, descomprometida. Tal negligência está relacionada ao predomínio de um modelo de pensamento para cujos efeitos não se atentou; efeitos flagelantes a serem suportados pela grande maioria da população mundial. Basta notar, como afirmou o próprio autor, que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não representou desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, nem diminuiu a distância entre países centrais e periféricos, nem significou distribuição de renda e qualidade de vida em benefício de todos.

Essa crítica é direcionada ao paradigma moderno, cuja hegemonia no pensamento científico é incontestável. A racionalidade econômica, que caracterizou esse paradigma, é indolente porque não deu a devida atenção à crise social e ambiental. As promessas da modernidade (paz, liberdade, igualdade, fraternidade, qualidade de vida, entre outras) não foram

cumpridas. Nem mesmo se consegue visualizar uma solução dentro desse velho modelo12.

Para Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 56), o paradigma moderno propôs o equilíbrio dinâmico entre dois pilares: a) o pilar do conhecimento-regulação, que ia do caos (ignorância) para a ordem (saber) - resultado da interação e manifestação dos princípios do Estado, da Comunidade e do Mercado (princípios da regulação); b) e o pilar do conhecimento-emancipação, que ia do colonialismo (ignorância) para a solidariedade (saber) - pelo qual o equilíbrio dependia da realização simultânea de três racionalidades emancipatórias: cognitivo-instrumental (ciência e tecnologia), moral-prática (ética e Direito) e estético-expressiva (arte).

A modernidade, valendo-se das racionalidades emancipatórias e dos princípios regulativos, prometeu compatibilizar os dois pilares, a fim de promover um sistema justo e libertário. Pela ciência e pelo Direito, acreditava-se na paz, no controle da natureza para o bem do homem e a Justiça. Porém, as promessas não foram cumpridas, e a modernidade foi marcada por guerras, crises ecológicas, concentração de renda e miséria.

Boaventura de Sousa Santos (2000, p. 57) observou a ocorrência de um desequilíbrio no interior de cada pilar, em vez da relação entre eles. No pilar da regulação, o mercado se sobressaiu em relação ao Estado e à comunidade. No pilar da emancipação, predominou a

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Não há contradição. Intencionalmente os termos “velho” e “moderno” foram misturados, pois, não obstante todas as promessas de progresso, o paradigma dominante foi caracterizado pela manutenção de concepções ultrapassadas.

crença na ciência e o formalismo jurídico. Entre os pilares, houve uma opção pelo aspecto da regulação, de forma que os instrumentos estavam mais voltados a impor uma determinada ordem das coisas do que a garantir formas de libertação humana. No paradigma moderno, o predomínio da racionalidade cognitivo-instrumental (ciência) e sua característica mecanicista e indolente permitiram o domínio da regulação sobre a emancipação e, com isso, a ordem e o colonialismo tornaram-se saber, e o caos e a solidariedade tornaram-se ignorância.

A hipercientificação da emancipação combinada com a hipermercadorização da regulação provocou a absorção da emancipação pela regulação, pois neutralizou as expectativas de transformações alternativas. As incertezas existentes minaram o ideal de regulação sem promover a emancipação. O avanço científico aumentou consideravelmente a capacidade de ação sem aumentar com a mesma intensidade a capacidade de previsão. A ciência, que deveria resolver problemas pré-modernos e controlar os novos riscos, nem chegou a resolver questões vexatórias, como a fome, a miséria e os preconceitos raciais, e ainda criou novos riscos concernentes aos avanços na área de biotecnologia, energia nuclear, armas com poder de destruição em massa, entre outros (SANTOS, 2000, p. 58).

O paradigma moderno representou uma conquista importante no campo político, como a garantia de procedimentos democráticos; ou mesmo no campo científico, com o

desenvolvimento tecnológico13. Todavia, a modernidade provocou desagradáveis surpresas ao

fazer a opção pelo crescimento econômico ilimitado, a acumulação do lucro, o consumismo e a crença no potencial e na neutralidade do conhecimento científico.

O primeiro problema pode ser considerado um erro metodológico. A neutralidade da ciência e a homogeneização dos seus métodos foram os grandes mitos do paradigma dominante. Nas ciências naturais, houve completo predomínio da idéia de que a natureza está regida por leis imutáveis, de maneira que o conhecimento científico era mecanicista -

determinista. Como essa visão do conhecimento foi transportada para as ciências sociais14, a

idéia de ordem (regulação) dominou as discussões metodológicas.

Houve o equívoco da adoção do método científico cartesiano, voltado ao rigor das medições e à redução da complexidade, a partir da divisão e classificação do todo, o qual foi entendido apenas como relações sistemáticas das partes estudadas separadamente (SANTOS, 2000, p. 63). Ocorre que a complexidade de um sistema não é apenas o resultado da

13 Por tecnologia entende-se o conjunto de saberes práticos, métodos, técnicas utilizados para atingir um

determinado objetivo. São os meios que somente os homens usam para produzir outros instrumentos e bens para atender às suas necessidades atuais e futuras (LAGO, 1984, p. 61).

14 O empirismo, como comprovação via especulação de evidências, predominou nas ciências sociais na tentativa

somatória de inter-relações, pois existem diferentes alternativas decisórias que só podem ser observadas numa visão holística; com isso, amplia-se o espaço de decisões equivocadas.

A maior crítica foi quanto à impossibilidade de se estabelecer leis universais para as ciências sociais, as quais estão mais vulneráveis às questões espaço/tempo e aos aspectos subjetivos do pesquisador e do pesquisado. Esse é um cuidado fundamental no estudo científico sobre o desenvolvimento sustentável, a fim de não correr o risco de importar modelos das ciências biológicas, apesar de se reconhecer que o Direito depende do trabalho interdisciplinar.

As medidas tomadas pelo paradigma moderno são isoladas e ineficazes para promover o desenvolvimento sustentável. O conhecimento está fragmentado, enquanto a crise ambiental exige ações e conhecimento integrados.

Outra questão diz respeito à pretensa neutralidade da ciência moderna. De fato, essa ciência evoluiu de tal maneira, que deu ao homem certa capacidade de agir em matérias até então impossíveis ou atribuídas somente aos Deuses. Ocorre que essa evolução não representou, necessariamente, maior progresso humano. As opções tecnológicas são políticas, condicionadas por interesses de poder e de classes; portanto, não são necessariamente neutras e justas.

A forma como se desenvolve a ciência e como ela é aplicada (tecnologia) é um tema ideológico. A retórica é o meio utilizado para justificar a adoção de determinadas posições. Isso ficou bem evidente na agricultura durante o período da revolução verde; a pesquisa, a assistência e a propaganda se voltaram a um modelo de produção. O discurso da produtividade manipulou as escolas, fez parecer científico algo que, de início, poderia ser considerado insustentável. No mesmo caso dessa agricultura moderna, que aumentou a produtividade com base em insumos químicos sintéticos e motomecanização, haveria a possibilidade de uma alternativa de assistência técnica e de pesquisa. Os produtores poderiam, por exemplo, ser orientados quanto à existência de um agroecossistema no qual o controle biológico e o uso de insumos biodegradáveis manteriam a sua estabilidade e, conseqüentemente, a produtividade.

Não resta dúvida de que a tecnologia da revolução verde foi uma escolha voltada a determinados interesses. O modelo agrícola adotado beneficiou um tipo de produtor em detrimento de outro, propiciou o aumento do desemprego para grande parte dos trabalhadores rurais e o agravamento dos danos ambientais. A opção política foi pelo lucro concentrado no grande produtor, e não por necessidades sociais, tanto que não houve difusão do

conhecimento técnico e do crédito subsidiado. Essa escolha foi ideológica, por ocultar a existência de alternativas justas para todos.

Quando se percebe esse caráter ideológico da ciência, tanto no financiamento, quanto na limitação da difusão dos resultados, fica mais fácil entender por que as causas e as soluções da crise ambiental não são absolutas. Ao mesmo tempo em que a ciência é considerada instrumento para resolver os problemas humanos, também pode causá-los de forma ainda mais intensa. Mesmo nas ciências exatas, a ideologia é significativa, pois o financiamento determinará as áreas prioritárias a serem pesquisadas, a distribuição e o uso do conhecimento.

O paradigma moderno procura ressaltar o discurso da neutralidade científica, do modelo político ideal (a Democracia Liberal), e do mercado perfeito (livre concorrência), a fim de promover a uniformização da sociedade por meio de um pensamento único.