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CAPÍTULO 2 A INFLUÊNCIA DO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO

2.2 A consagração constitucional do desenvolvimento sustentável

2.2.1 O sistema constitucional e a interpretação das normas que consagram a

2.2.1.1 A interpretação das normas insertas no sistema constitucional

Interpretar é compreender o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto legal. A interpretação ocorre a partir de um contexto e de um conteúdo lingüístico, que formam as referências para a definição da norma aplicável a um caso concreto.

A moderna interpretação constitucional considera tanto o pensamento sistemático, voltado ao todo, quanto o aporético, que parte dos problemas e dos tópicos, extraindo a norma da relação entre um conteúdo textual (lingüístico) e os dados reais.

Canotilho (1998a, p. 1147-1151) ensina que são diretrizes interpretativas da Constituição: a) o princípio da unidade hierárquico-normativa: por meio dele, determinou-se que inexiste hierarquia entre as normas constitucionais, as quais devem formar um sistema coerente de regras e princípios; b) o princípio da máxima efetividade; c) o princípio da harmonização ou ponderação: utilizado para resolver conflitos entre princípios e entre direitos

fundamentais; d) e o princípio da interpretação do Direito conforme a Constituição62.

Pietro Perlingieri (1997, p. 72), em defesa da interpretação sistemática, argumenta que a “norma nunca está sozinha, mas existe e exerce sua função unida ao ordenamento e o seu significado muda com o dinamismo do ordenamento ao qual pertence”. O princípio da legalidade só é respeitado se a interpretação se dá nesse contexto de ordenamento unitário.

A Constituição protege valores que podem vir a entrar em conflito. Para a sua coerência e unidade axiológico-normativa, é necessário que o valor de um princípio, ou mesmo de um direito fundamental, possa ser relativizado/ponderado nos casos concretos.

Canotilho (1995, p. 90) não adota a classificação hierárquica dos direitos constitucionais, por exemplo, não estabelece supremacia entre a proteção ambiental e o direito de propriedade privada ou a livre iniciativa. Para o autor, quando houver colisão de princípios ou direitos fundamentais, não é possível a aplicação das regras clássicas de antinomia e nem existe fundamento para a teoria das normas constitucionais inconstitucionais, pois a coerência e unidade do sistema exige o balanceamento dos interesses em conflito.

Na colisão entre direitos individuais e os direitos de solidariedade, é natural a prevalência do interesse de índole mais ampla sobre o de índole limitada (direito subjetivo público sobre o privado), mas sem negar a validade deste. No caso do direito ao meio ambiente, há um interesse difuso que pode prevalecer em relação ao bem particular. Mesmo assim, a decisão vai depender da avaliação do caso concreto.

O direito de propriedade é um direito fundamental, mas só a análise fática de uma demanda possibilitará a verificação da legitimidade de sua proteção. Por exemplo, a inexistência de hierarquia entre valores não existirá se o domínio for exercido de forma abusiva.

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As normas constitucionais possuem supremacia normativa, de modo que encontram validade jurídica em si mesmas. Toda a produção normativa precisa estar conforme os parâmetros constitucionais; do contrário perdem sua legitimidade e validade (CANOTILHO, 1998a, p. 1074-1075).

De outro lado, é preciso considerar que o Direito reproduz o jogo de forças sociais e políticas, bem como os valores morais e culturais de uma determinada organização social, ou seja, corresponde a um fenômeno social concreto que só pode ser entendido questionando-se a realidade social e o processo histórico em que ele se desenvolve (WOLKMER, 2003, p. 155; PERLINGIERI, 1997, p. 1; GRAU, 1991b, p. 43).

Cada espaço oferece diferentes limites e disponibilidade de recursos. Ademais, a forma de organização de cada sociedade diante da realidade encontrada nunca é homogênea. Por isso, é importante que uma pesquisa em ciências sociais conheça o espaço estudado; do contrário, podem ocorrer equívocos ou deficiências nos resultados.

A construção do Direito, sobretudo aquele positivado em leis, reflete escolhas políticas. Ao mesmo tempo, o Direito influencia na condução da Política. Essas escolhas ocorrem dentro de um processo conflituoso, resultante da correlação de forças nas interações

sociais63. O Estado deveria ser uma espécie de síntese capaz de dar coerência e organicidade

ao concurso efetivo das consciências individuais e suas múltiplas associações.

O Direito precisa partir do pressuposto de que os fenômenos sociais não são estáticos e estão em constante interação. Além de ser um fenômeno complexo, ele precisa ser

considerado em sua dinamicidade64.

O Direito também é um conjunto de normas com certa aceitação social (reconhecimento ou, em certo sentido, legitimidade); no entanto, não se encerra no caráter normativo, até porque um código comunicativo, como um conjunto de normas, é composto por elementos constitutivos de uma sociedade, bem como pelas expectativas da mesma.

Há uma dupla instrumentalidade do Direito. Ele regula as estruturas do Estado e da sociedade e, ao tratar de políticas públicas, aparece como instrumento funcional de ordenação de situações conjunturais:

Embora seja tarefa essencial ao direito fixar as linhas das estruturas sociais, ele vem assumindo sempre com maior intensidade uma postura de ordenação de situações conjunturais, o que lhe impregna também uma função de instrumento implementador das políticas públicas, revelando atualmente o lado funcional do direito paralelamente ao seu conteúdo estrutural. Pois, se, por um lado, fixa e ordena as estruturas básicas do desenvolvimento de uma sociedade, por outro impõe constantemente ações visando a determinado objetivo social (DERANI, 2001, p. 57, grifos do autor).

63 O Direito posto é a tradução da correlação de forças produtivas de uma sociedade em sua realidade espaço-

temporal (GRAU, 1991b, p. 45).

64 O Direito é um fenômeno complexo por ser multidimensional (interagem fatos, valores e normas) e é dinâmico

Uma interpretação dinâmica deve ser holística e multidimensional, bem como, rejeitar a separação entre o texto normativo e o substrato fático. Não se pode entender segurança jurídica como respeito à formalidade, mas como a aplicação do Direito nos termos da Constituição.

O Direito não deve ser estudado como lógica (apenas no plano normativo do “dever ser”), mas em sua realização, elementos, influências e no que influencia, pois ele é o resultado de processos sociais dialógicos de interação e comunicação (DERANI, 2001, p. 20).

A vivificação exige uma análise histórico-teleológica dos conflitos concretos e das normas. Estas devem ser tomadas como um instituto voltado a um problema/expectativa de uma sociedade. Do contrário, apenas como garantias formais desvinculadas dos problemas concretos da sociedade, são desnecessárias. Nesse sentido, há um pensamento interessante de Jacques Rousseau (1996, p. 131) sobre uma visão meramente formalista e estática das leis:

A inflexibilidade das leis que impede que estas se adaptem às circunstâncias, pode, em certos casos, torná-las perniciosas e causar por meio delas a perda do Estado em crise. A ordem e a lentidão do formalismo exigem um espaço de tempo que as circunstâncias às vezes não consentem. Podem apresentar-se mil casos que o legislador não previu e é uma previdência bem necessária conhecer que nem tudo se pode prever. Não se deve, pois, intentar firmar as instituições políticas sem destruir o poder de suspender seus efeitos.

A norma deve ser real e não só ideal, tanto melhor se realidade e desejos se aproximarem. Não adianta uma norma ideal não concretizada e nem uma realidade não desejada. A norma que consagra um ideal (“dever ser”) precisa estar vinculada a uma realidade, seja no intuito de conservar a mesma (se ela for desejável) ou modificá-la (quando ruim).

Mesmo seguindo todas essas diretrizes de interpretação, é necessário reconhecer que a existência de normas não é suficiente para a transformação da atual crise ambiental. A efetividade do desenvolvimento sustentável dependerá de uma série de ações que fogem à esfera de produção e aplicação do Direito. Não obstante, se verificará, a seguir, que existem diversos instrumentos jurídicos que fomentam a luta pela efetividade dos valores consagrados.