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CAPITULO 1 O PARADIGMA CIENTÍFICO DO DESENVOLVIMENTO

1.2 O conceito de desenvolvimento sustentável

1.2.1 As teorias do Desenvolvimento

1.2.1.1 Desenvolvimento como crescimento econômico (Economia de Mercado)

Tal teoria defende que o desenvolvimento é o resultado natural do crescimento econômico e, para quantificar aquele, utiliza como critério os indicadores tradicionais, principalmente o PIB “per capita”. Esse representa o conjunto de bens e serviços expressos em moeda e colocados à “disposição” da comunidade e, caso se pretenda saber da renda individual média, a riqueza será expressa por habitante.

Para os defensores da economia de mercado, o avanço econômico favorecerá, automaticamente, o desenvolvimento social e de tecnologias capazes de aperfeiçoar o uso dos recursos naturais. Veiga (2005) observa que essa posição caracteriza o chamado efeito cascata (“tricke-down-effect”), pelo qual o livre jogo de mercado favoreceria o projeto de crescimento econômico e, por conseguinte, haveria maior investimento em tecnologias adequadas.

Sem a necessidade de um projeto desenvolvimentista, acreditava-se que bastaria aplicar os princípios da economia moderna. O aumento da taxa de lucro beneficiaria os investimentos, que, por sua vez, permitiriam maior inclusão social e proteção ambiental.

A economia de mercado se desinteressou pela produtividade dos sistemas naturais, pois percebia apenas a produtividade do trabalho humano e do capital investido, até por que o crescimento econômico - e, por conseguinte, o lucro - era visto unicamente como aumento do capital.

Embora fosse desejável o crescimento econômico, ele não representou uma solução para a miséria. Surgiu a necessidade de decisões políticas mais eficazes no sentido de promover distribuição de renda e outros direitos sociais. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, verificou-se a necessidade de reformas no capitalismo, e ganhou força a defesa do Estado intervencionista - “Weafare State” - com bases nas propostas keynesianas e do New Deal.

Todavia, a partir da década de 70 do século XX, com a eleição de Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronaldo Reagan nos Estados Unidos da América (EUA) e, posteriormente, a queda do muro de Berlim, ocorre a “contra-reforma” do capitalismo - o chamado neoliberalismo - especialmente com os programas paradigmáticos de desenvolvimento que formam o Consenso de Washington que, na verdade, não promoveu o desenvolvimento social, e, sim, mecanismos de “segurança” no comércio e nos investimentos internacionais.

Voltada à produtividade, à busca de melhor tecnologia, à concorrência equilibrada e ao consumo, esse modelo de desenvolvimento ficou totalmente dependente do capital financeiro internacional, especialmente dos investimentos dos grandes conglomerados comerciais.

Essa é uma concepção míope. Não avalia a real concentração de renda, a mortalidade, o trabalho infantil e os efeitos ambientais. Até hoje, o crescimento econômico não foi transformado em justiça social. A tecnologia, em vez de desenvolver as relações sociais, permitiu o aniquilamento da força de trabalho e argumentações vazias e ideológicas para manter o sistema, como a falta de qualificação do trabalhador e mudança do emprego pela abertura de postos alternativos.

A crítica mais acirrada a esse modelo de crescimento econômico foi a de que ele desconsiderou os aspectos sociais da sociedade. O caso emblemático foi o do culto à automação. Com a diminuição da necessidade de mão-de-obra, houve também diminuição da capacidade de consumir; portanto, promovia-se um crescimento excludente: dos postos de trabalho, do mercado de consumo e da proteção social da vida política. Em contrapartida, aumentava a necessidade de investimentos estatais nas áreas de serviços públicos e na criação de mecanismos para absorver parte da mão-de-obra ociosa.

1.2.1.2 Teorias negativistas do desenvolvimento

Para esse segmento, o desenvolvimento é uma ilusão ideológica ou até uma crença, pois é impossível o desenvolvimento desejado, em face dos limites ambientais. Essa posição, de certa forma derrotista, argumenta existirem disfunções qualitativas estruturais, culturais, sociais e ecológicas que impedem o desenvolvimento de nações subdesenvolvidas.

A defesa da restrição ao crescimento ganhou fôlego com o Clube de Roma, criado em 1968, especialmente em razão da publicação do relatório “Os limites do crescimento”. Esse documento, elaborado em 1972 por um grupo formado por empresários, políticos, altos funcionários estatais e cientistas de várias áreas, todos sob a coordenação de Dennis Meadows, alertou para o fato de que a sociedade chegaria a uma crise da capacidade produtiva se mantivesse a tendência ao crescimento populacional, da demanda por alimentos, da poluição e da degradação ambiental.

A teoria desse Clube baseia-se nos limites físicos e defende uma economia do estado estacionário ou do crescimento zero, de maneira a manter constante o atual acervo de riquezas físicas e pessoas, com progresso cultural e abreviação do trabalho humano. São incluídos nessa posição os fundamentalistas ecológicos que, com posturas biocêntricas, defendem o crescimento negativo ou estável sem avaliar os limites sociais causados pela restrição ao desenvolvimento.

Essa teoria acaba sopesando apenas os critérios técnicos, como os avanços tecnológicos, a disponibilidade de matéria-prima, o controle demográfico e dos níveis de desemprego, a impossibilidade de exportar bens com valor agregado e a capacidade de superar a seleção natural do mercado global. Os integrantes do grupo duvidam também que os países subdesenvolvidos consigam controlar a natalidade, desenvolver tecnologia e promover crescimento econômico sustentável. Eles agem como se os países pobres estivessem condenados a aceitar apenas a sobrevivência, com mínima segurança alimentar, hídrica e energética.

Como visto anteriormente no texto, especialmente na defesa feita por Guilhermo Foladori (2001, p. 153), é questionável a existência de limites físicos quando se avalia a disponibilidade de tecnologia combinada à possibilidade de mudanças nas relações sociais. Existe um grande potencial de substituição de material, de energia e, principalmente, da forma como se dá o consumo e a distribuição da produção.

Ainda que o problema ecológico seja grave, não há desenvolvimento se for considerada a proteção ambiental sem crescimento econômico e eqüidade social; nem mesmo

há sustentabilidade. O culto ao belo, à estética, sem compromisso com as relações sociais é prejudicial ao desenvolvimento. Até para um Estado mais intervencionista no âmbito social, é fundamental o crescimento econômico, pois a arrecadação estatal está ligada às externalidades positivas da atividade econômica. Quanto maior a riqueza social, maior será a arrecadação estatal e a capacidade de investir no bem-estar da coletividade.

1.2.1.3 Desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas

Um aspecto importante do desenvolvimento, segundo Eli da Veiga (2005, p. 35), é não confundi-lo com mero crescimento, como fizeram os economistas clássicos e neoclássicos até a década de 70 do século passado. Embora o crescimento econômico enquanto aumento da produção e da renda bruta seja um fator necessário para o desenvolvimento, esse só ocorrerá se houver a concretização de um projeto social de natureza substancial, de maneira que o crescimento esteja acompanhado de uma série de elementos qualitativos.

O desenvolvimento precisa de um programa social ligado à eliminação das fontes de privação da liberdade e oportunidades, como a pobreza, a falta de educação de qualidade, os sistemas políticos não-democráticos e a ineficiência dos serviços públicos. Um projeto que busque efetivar o acesso ao mercado de trabalho, que garanta possibilidade de o produtor participar do comércio, e que promova os direitos sociais e as liberdades políticas.

Ignacy Sachs (2001b, p. 157) entende que o crescimento econômico é insuficiente para esse projeto de desenvolvimento, notadamente quando não se questiona a concentração de renda. No entanto, o autor reconhece que, não obstante a relevância da preocupação ambiental, a intolerância ao progresso econômico, como propõem os defensores da economia estacionária, não se justifica. Esse crescimento precisa existir, mas deve ser colocado a serviço do bem-estar e da sustentabilidade, até porque é mais difícil distribuir renda quando o PIB está estagnado.

Também trabalhando nesse contexto, Amartya Sen formulou a teoria do desenvolvimento como expansão das liberdades substantivas e como a apropriação concreta de todos os direitos humanos por todas as pessoas. Segundo Sen (2005, p. 10), a expansão da liberdade é o principal fim e o principal meio do desenvolvimento, uma vez que ele consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades de a pessoa efetivar a sua condição de agente - ser um sujeito histórico ativo. Além de constituir o conceito de desenvolvimento (fim), as liberdades específicas são instrumentais (meio) para a

realização de outros tipos de liberdades. Assim, a privação de uma liberdade pode ser a causa de resultados insatisfatórios em outros âmbitos - afetar outras liberdades.

Há dois pontos centrais na teoria do desenvolvimento defendida por Sen (2005, p. 19):

1º) A necessidade de definição e adoção das liberdades substantivas. O próprio autor apresenta uma relação do que pode ser considerada uma liberdade substantiva: I - as liberdades políticas para escolher e criticar governos (direitos políticos); II - as facilidades econômicas, que consistem no patrimônio necessário, a fim de permitir os acessos às mercadorias, serviços e créditos; III - as oportunidades sociais, como o acesso à educação e saúde; IV - a liberdade de informação e garantias de transparência (publicidade e responsabilização do Estado); V - acesso ao mercado de trabalho e de produtos (capacidade de produzir e comercializar); VI - seguridade social e serviços públicos suficientes; VII - direitos individuais e civis;

2º) O reconhecimento da inter-relação e complementaridade entre os vários tipos de liberdades citadas acima. É importante que se saiba, por exemplo, que a privação da liberdade econômica pode resultar em privação de liberdades sociais e políticas; bem como, que a privação dessas pode resultar na privação daquela. Assim, além de todas serem constitutivas do desenvolvimento, são instrumentos umas para as outras (teoria da mão-dupla).

Dessa forma, desenvolvimento é a expansão das liberdades substantivas interligadas, que as pessoas têm razão para valorizar e desfrutar. Não é a riqueza que mede a qualidade de vida, mas a liberdade, pois a primeira não reflete a expansão das capacidades, a fim de realizar funcionamentos valiosos para o enriquecimento da vida humana, os quais constituem os elementos do bem-estar da coletividade (SEN, 2001, p. 82).

Não se deve perguntar se há ou não liberdade, mas qual a quantidade de liberdade existente. Assim, é muito difícil afirmar ou definir a existência de liberdade (ou desenvolvimento) em determinada sociedade, mas é possível expressar as liberdades existentes.

Tendo em vista as propostas de Ignacy Sachs, Eli da Veiga e Amartya Sen, na seqüência, são apresentados alguns questionamentos fundamentais para a realização de modelo de desenvolvimento qualitativo e includente.