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A eficácia vertical dos direitos fundamentais

5 O TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

5.3 A eficácia vertical dos direitos fundamentais

A história aponta o poder público como destinatário precípuo das obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. Os desdobramentos originados pelas crises sociais e econômicas do século XX, entretanto, tornaram evidente a nova tarefa do estado de preservar a sociedade civil dos perigos de deterioração criados por ela própria. Tal fenômeno se demonstra similar àquele visualizado por Hobbes, designado pela expressão: homo homini lupus.

A percepção de que a força vinculante e a eficácia imediata aposta no art. 5º, § 1º da CF/1988, são inerentes aos direitos fundamentais, reforça a ideia de que os direitos fundamentais não podem deixar de ter aplicação na seara do Direito.

A doutrina aponta duas vertentes de eficácia dos direitos fundamentais: a eficácia vertical e horizontal.

Entende-se por eficácia vertical dos direitos fundamentais a limitação imposta pelo ordenamento jurídico à atuação dos governantes em relação aos governados, na medida em que se reconhece que entre eles há uma relação vertical de poder, ou seja, de um lado o Estado (mais forte) e de outro lado o indivíduo (mais fraco).

Agora o Estado é chamado a intervir na sociedade para garantir a igualdade, afinal, os direitos de segunda geração constituem direitos a uma prestação positiva (status positivo de Jellinek80).

Andreas Krell (2002, p. 19-20) enfoca que:

Os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais. São os Direitos Fundamentais do homem-social dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos antes que aos individuais. O Estado, mediante leis parlamentares, atos administrativos e a criação real de instalações de serviços públicos, deve definir, executar e implementar, conforme às circunstâncias, as chamadas ‘políticas sociais’ (de educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultem o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente protegidos.

80

Teoria dos quatro status de Jellinek (Teoria General del Estado, p. 306 et seq): Negativo (fazer tudo que a lei não proíbe); Positivo (exigir do Estado aquilo a que está obrigado); Ativo (participar das ações do Estado); Passivo (acatar as ações do Estado). Tese que também é seguida por José Carlos Vieira de Andrade em relação aos direitos fundamentais: Direitos de defesa; Diretos a uma prestação; Direitos de participação.

É inegável que a eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais está condicionada aos recursos públicos disponíveis. Porém, é certo que muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, a obrigação do Estado de promover diretamente prestações individuais a pessoas que necessitam de alguma atividade relativa à saúde, educação, moradia ou alimentação, não reconhecendo os direitos sociais como condições da justiça social no país, deixando de dar a tais direitos a aplicação adequada.

No entanto, a escassez de recursos orçamentários não pode ser obstáculo para a garantia dos direitos sociais, como condições essenciais a existência humana. Tentando responder a essa intrincada questão, diz-se que os recursos públicos disponíveis deverão ser aplicados prioritariamente no atendimento de fins considerados essenciais pela Constituição, bem como de seus objetivos fundamentais, sendo necessário identificar quais são as prioridades apontadas pela Lei Maior.

Quanto dinheiro o Estado não gasta para manter toda uma estrutura administrativa e judiciária para salvaguardar o direito de propriedade de particulares? A questão nevrálgica é saber o motivo pelo qual o mesmo montante financeiro não é reservado para a efetivação de políticas públicas voltadas para os direitos sociais.

Ingo Sarlet (2006), ao estudar a eficácia dos direitos fundamentais, também aponta para a necessidade de reconhecimento de certos direitos subjetivos a prestações ligados aos recursos materiais mínimos para a existência de qualquer indivíduo. A existência digna, segundo ele, também estaria intimamente ligada à prestação de recursos materiais essenciais, devendo ser analisada a problemática do salário mínimo, da assistência social, da educação, do direito à previdência social e do direito à saúde.

Outra característica dos direitos sociais é a relevância do conteúdo econômico, pois demandam recursos públicos disponíveis para que sejam concretizados. Para que o Estado assegure o acesso à saúde e à educação, por exemplo, é necessário que haja recursos financeiros que o possibilitem agir.

A permanente tensão entre a realização dos direitos sociais e os recursos públicos disponíveis torna-se ainda mais visível e crítica em países como o Brasil. A questão da alocação de recursos transforma-se, portanto, como constatado pela doutrina,

em escolhas trágicas, em que optar pela realização de uma determinada despesa importa reduzir ou suprimir recursos para uma outra atividade.

Considerando o objetivo maior dos direitos sociais, que é a efetivação da igualdade material, convém transcrever, neste momento, o valioso apontamento de José Eduardo Faria (1998, p.105) sobre o tema:

(...) os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios(...)

A partir dos elementos acima delineados, podemos identificar os direitos fundamentais sociais de caráter prestacional como aqueles que visam à realização da igualdade no seu sentido material, de modo a propiciar aos indivíduos uma equalização de oportunidades de acesso aos bens da vida, com a consequente redução das desigualdades sociais.

Entretanto, o ser humano quando se vê desamparado nos seus direitos mais básicos como saúde, educação, moradia, invoca a proteção jurisdicional para a defesa de um direito social. Sendo assim, o juiz poderá se deparar com uma determinada disponibilidade de recursos que, se confrontadas com as necessidades do Estado como um todo são escassas, gerando o conflito entre a efetivação de um direito fundamental social e a manutenção da saúde dos cofres públicos.