• Nenhum resultado encontrado

Apresentação de um conceito geral de trabalho escravo de acordo

2 TERMINOLOGIA E CONCEITUAÇÃO

2.4 Apresentação de um conceito geral de trabalho escravo de acordo

Desde a Revolução Industrial tem-se preocupado com os direitos e garantias dos trabalhadores dentro das indústrias ou nos campos. Várias foram às tentativas de se encontrar um equilíbrio entre os direitos e deveres dos trabalhadores e empregadores, mas não se obteve êxito. Em resposta foi criada a Organização Internacional do Trabalho, com o objetivo de elaborar normas internacionais que protegessem o trabalhador na relação entre empregado-empregador, tanto dentro do território nacional, ou internacional. Tal organização passou a ser uma agência especializada das Nações Unidas, e suas normas (convenções) passaram a ganhar espaço dentro do ordenamento dos países membros.

Em meio à Primeira Guerra Mundial, já se acreditava na necessidade de haver uma atitude definitiva acerca da adoção de normas que regulassem as relações de trabalho, visando à proteção do trabalhador de forma que fossem cumpridas pelos vários Estados. (SÜSSEKIND, 2000, p. 100). Estes começaram, então, a realizar reuniões e conferências onde se discutia a regulamentação internacional do direito do trabalho, primando pela busca de normas que viessem a assegurar os direitos aos trabalhadores, ou seja, as garantias morais e materiais relativas ao Direito do Trabalho, ao Direito Sindical, às migrações, aos seguros sociais, à jornada de trabalho e às condições de segurança e higiene do trabalho. (CRIVELLI, 2010, p. 52.).

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, foi instaurada a primeira Conferência Preliminar de Paz, com a tarefa de estudar e criar uma possível legislação internacional das condições de trabalho. Foi nessa Conferência que se sentiu a necessidade de haver representantes de cada classe interessada nas relações de trabalho (empregador, trabalhador e governo), tornando-se, posteriormente, uma das características da Organização Internacional do Trabalho.

Alguns idealizadores, como Roberto Owen e Daniel Legrand, utilizaram-se de argumentos políticos (manutenção da paz), econômicos e humanitários (melhores condições de trabalho com o afastamento das condições injustas e degradantes) para demonstrar a necessidade da criação de tal organização internacional e que não se

tratava apenas de um “problema” dos trabalhadores, mas um “problema” com o cunho de preocupação mundial.

Duas normas internacionais de fundamental importância sobre o assunto são a Convenção 29 e a Convenção 105, ambas originárias da Organização Internacional do Trabalho – OIT e ratificadas pelo Brasil.

A primeira é a Convenção 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 24, de 29 de maio de 1956, ratificada em 25 de abril de 1957, e promulgada pelo Decreto nº 41.721, de 25 de maio de 1957. (HUSEK, 2009, p.86).

A segunda é a Convenção 105 relativa à Abolição do Trabalho Forçado, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 20, de 30 de abril de 1965, ratificada em 18 de junho de 1965, e promulgada pelo Decreto nº 58.822, de 14 de julho de 1966. (HUSEK, 2009, p.88).

Outros instrumentos da OIT podem ser citados em razão de sua interferência direta ou reflexa no tema trabalho forçado. A Convenção 122, de 1964, sobre Políticas de Emprego, “incumbe aos estados-membros formular e adotar uma política ativa com vista à promoção do emprego pleno, produtivo e livremente escolhido”. Temos, também, a Convenção 182, de 1999, sobre as Piores Formas do Trabalho Infantil, que faz referência a “todas as formas de escravidão ou a práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, servidão por dívida e trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou compulsório de crianças para utilizá-las em conflito armado”.

Convém citar, ainda, a Convenção 87, de 1948, sobre a Liberdade de Associação e Proteção do Direito Sindical, e a Convenção 141, de 1975, sobre Organizações de Trabalhadores Rurais, haja vista menção feita anteriormente, no sentido de que deve ser reforçada a atuação dos sindicatos para ampliar a rede de fiscalização contra o trabalho forçado.

Já no âmbito da Organização das Nações Unidas – ONU torna-se imprescindível iniciar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, com especial relevo para o art. 1º, que proclama que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos...”, e para o art. 4º, o qual prevê que “ninguém será mantido em escravidão ou

servidão; a escravidão e o comércio de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.

Há ainda a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravidão, o Comércio de Escravos, Instituições e Práticas Análogas à Escravidão, de 1956, que pede a eliminação o mais rápido possível de tais práticas por todos os estados signatários. Na órbita da ONU, o trabalho forçado ou compulsório também é detalhadamente tratado no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966. Por último, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, adotada em 1989, e, à semelhança da Convenção 182 da OIT, quase universalmente ratificada, solicita reiteradamente a adoção de providências pelos países-membros para prevenir o rapto, a venda ou o tráfico de crianças para qualquer fim ou de qualquer forma.

Ainda no tópico relativo aos acordos internacionais, devemos mencionar o projeto de cooperação técnica firmado entre o Governo brasileiro e a OIT, em 2001, com a finalidade de “fortalecimento de ações de combate ao trabalho forçado, principalmente com a otimização de mecanismos de coordenação entre órgãos e, em especial, do papel da Fiscalização Móvel do MTE e de seus principais parceiros”.

Tal projeto, portanto, visa conferir suporte às políticas públicas implementadas no País que podem ter influência positiva no combate ao trabalho forçado

A partir da convenção nº. 29 sobre o trabalho forçado ou obrigatório, ratificada pelo Brasil em 1957, os Estados-membros da OIT comprometem-se a: “abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível.”

Para cumprir essa meta, a convenção n.º 29 definiu o trabalho forçado para o direito internacional como: “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.”

A definição ampla busca abarcar a abrangência mundial do trabalho forçado, que não se restringe a determinadas regiões, podendo ocorrer em países em desenvolvimento e industrializados, em diferentes espécies de economia, bem como pode ser imposto por agentes estatais ou privados. A ratificação da convenção n. º 29 deveria impulsionar os Estados-membros a reconhecer o trabalho forçado nos seus territórios, um problema oculto na medida em que: a) são raros os dados estatísticos

oficiais sobre o problema; b) a sociedade apresenta um baixo grau de conscientização sobre o mesmo.

A definição de trabalho forçado presente na convenção n.º 29 é composta por dois elementos: ameaça de uma pena (ou punição) e consentimento. Ao serem reunidos, eles tipificam as diferentes situações de trabalho forçado abrangidas pela convenção. Tal concepção não procurou referir-se às formas específicas de trabalho forçado existentes nas diferentes regiões do mundo, mas abarcar todas as formas possíveis de trabalho forçado, sejam elas antigas, como a escravidão colonial, ou contemporâneas, como o tráfico de seres humanos e o trabalho penitenciário. Diante dessa abrangência, cabe a cada país que enfrenta situações específicas de trabalho forçado adotar uma legislação particular que tipifique detalhadamente essa prática, a fim de que ela possa ser penalmente sancionada.

No Brasil, por exemplo, o consentimento é característica especialmente constitutiva do trabalho escravo, uma vez que o trabalhador escravizado segue voluntariamente para o trabalho. O consentimento não o isenta de acabar submetido à prática. O trabalhador consente porque foi enganado. Para que as leis internacionais contemplem essa especificidade, órgãos supervisores da OIT têm abordado aspectos ligados à liberdade de escolha, segundo os quais “o consentimento inicial pode ser considerado irrelevante quando obtido por engano ou fraude” (Relatório Global, 2005).

Além disso, a Comissão de Peritos da OIT, reunida na Conferência Internacional do Trabalho de 2007, instituiu: ainda que um trabalho resulte de um acordo livremente estabelecido, as circunstâncias que envolvem o trabalho podem invalidar o consentimento. O direito dos trabalhadores à escolha de um emprego é inalienável.

O elemento de punição que caracteriza o trabalho forçado não precisa ser uma sanção penal. Pode também representar a perda de direitos e privilégios. A ameaça também pode assumir diferentes formas, como violência, confinamento, ameaças de morte à vítima ou aos seus familiares e punições financeiras, como o não pagamento do salário.

Essa definição de trabalho forçado é considerada válida para a convenção 105, tornando, desse modo, as convenções 29 e 105 complementares. Enquanto a primeira estabelece a proibição geral de incorrer no trabalho forçado em todas as suas formas, a

segunda prevê a proibição do trabalho forçado em cinco casos específicos ligados a situações econômicas e políticas vigentes no período em que ela foi adotada, o contexto pós-segunda guerra mundial.

Para a convenção 105 o trabalho forçado ou obrigatório deveria ser abolido, especialmente, nas seguintes circunstâncias: 1. Como forma de coerção ou educação política, como castigo por expressar determinadas opiniões políticas ou por manifestar oposição ideológica à ordem social, política ou econômica vigente; 2. Para fins de desenvolvimento econômico; 3. como meio de disciplina no trabalho; 4. como castigo por haver participado em greve e 5. como forma de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Aos diferentes países caberia adequar a legislação nacional às circunstâncias da prática de trabalho análogo à condições de escravo presentes no seu território.