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A emoção: um complemento humano da razão

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 70-73)

RAZÃO E EMOÇÃO

7.3 A emoção: um complemento humano da razão

Por tanto amor Por tanta emoção A vida me fez assim

Doce ou atroz Manso ou feroz Eu, caçador de mim.8

A emoção, na teorização que separa razão e emoção, é tomada como o colorido, a

singularidade, a vida de cada um. Se podemos construir uma razão comum, não podemos fazer isso com as emoções. Elas são vividas de modo singular e individual. Isso não quer dizer que não sejam aprendidas e relacionadas ao mundo social e cultural (exemplo: são os adultos que auxiliam a criança a aprender a nomear os sentimentos), mas ao falar de emoção falamos de sentimentos e afetos que são vividos por todos.

A vida afetiva é parte integrante de nossa subjetividade. Nossas expressões não podem ser compreendidas se não considerarmos os afetos que as acompanham.

Marx afirmou “que o homem se define no mundo objetivo não somente em pensamento, senão com todos os sentidos […]. Sentidos que se afirmam, como forças essenciais humanas […]. Não só os cinco sentidos, mas os sentidos espirituais (amor, vontade…)”.

As emoções são expressões da vida afetiva e são acompanhadas por reações intensas e breves do organismo. Elas expressam um momento de tensão do organismo, e as reações corporais ou orgânicas são descargas emocionais que buscam a adaptação dos indivíduos.

Assim, cabem algumas palavras sobre os afetos, conceito mais amplo que abarca as emoções.

Os afetos podem ter sua origem em eventos externos ou internos ao sujeito. São comunicáveis (e aqui já percebemos a sua integração com a razão por meio do uso da linguagem). São imagens e palavras que formam com os afetos o complexo psíquico inteligível. Prazer e dor podem ser apontados como afetos básicos, e entre eles inúmeras possibilidades, às vezes difíceis de nomear ou discriminar. Os poetas colocam isso como finalidade: discriminar, nomear as sutilezas dos afetos!

Os afetos compõem a nossa relação com o mundo. Ajudam-nos a avaliar as situações como positivas ou negativas (depende de como fomos afetados por elas). Os afetos preparam nossas ações, participam de nossas percepções e de nossos planos de vida. Fazem parte de todas as nossas escolhas.

Quando escolhemos uma profissão (atividade aparentemente racional), formulamos um projeto de vida futura: quem queremos ser? Que atividade queremos realizar? Como queremos contribuir com a sociedade? Todas essas questões (racionais) serão atravessadas por aspectos afetivos. Sabemos que nossas escolhas profissionais têm a ver com as disciplinas de que

conhecemos, com a imagem que temos de nós no futuro (pessoas bem remuneradas, ou

realizadas com seu trabalho, ou reconhecidas socialmente?). Esses aspectos que atravessam e permitem a escolha são eminentemente afetivos. Quando escolhemos um parceiro, um

namorado, alguém para casar, parece-nos uma atividade eminentemente afetiva, mas sabemos que um padrão estético, uma afinidade intelectual ou uma condição cultural serão aspectos presentes nessa escolha… e são racionais!

Mas falemos, ainda, dos afetos. Muitas vezes eles nos são enigmáticos. Há motivos dos afetos que estão fora do campo da consciência. São experiências que nos afetam, mas que não têm palavra para sua representação na consciência. Ou seja, afeto e consciência são parte de um mesmo processo.

Eu queria ficar triste Mas não consigo parar de rir…

Contudo, muitas vezes os afetos são enigmáticos para quem os sente. Exemplos: quando temos muitos motivos para não gostar de alguém de quem gostamos; ou quando deveríamos ser gratos a alguém de quem temos raiva. Há motivos dos afetos que estão fora do campo da

consciência; nem mesmo quem os vivencia consegue explicar – só sente a estranheza daquele sentimento que parece “fora do lugar”.

Eu queria ficar triste

Mas não consigo parar de rir…9

Os afetos também podem ser de difícil compreensão pelos outros com quem convivemos. Mas é importante entender que os afetos, ou a forma como o mundo chega a mim e eu o recebo (afeto) e compreendo (razão) é uma forma aprendida. Vivemos experiências, desde pequenos, que são intermediadas pelos adultos ou pelo que chamamos de “os outros”. São esses

parceiros que vão nos apresentando o mundo e o fazem a partir de suas representações e afetos; são eles que vão permitindo nossas constituições como sujeitos racionais e afetivos. Aprendemos a chorar e a sorrir como maneira de expressar algo que sentimos quando somos afetados.

7.4 As emoções

Como já anunciamos, as emoções são expressões afetivas acompanhadas de reações intensas e breves do organismo, em resposta a um acontecimento. Nosso corpo vive as

emoções, ou melhor, faz parte delas, por isso reage. Batimentos cardíacos fortes, suor, tremor, dificuldade para respirar são algumas das reações que temos e que compõem nossas emoções.

Meu coração Não sei por quê

Bate feliz Quando te vê.10

manifestação de emoções, tenhamos, em algum momento, localizado a sede das emoções no coração. Também temos o hábito (cultural) de desenhar um coração quando queremos dizer que estamos apaixonados. Hoje, os carros exibem corações para afirmar que gostamos de ler, de Nova York, ou o que for.

Outras reações corporais acompanham outras emoções, revelando o estado emocionado do sujeito. A televisão, ao dar a notícia de uma tragédia e entrevistar alguém, espera e divulga a pessoa chorando. Essas reações são imediatamente compreendidas pelos outros e ajudam a compor a notícia, que exigiria muitas palavras para refletir o que se viveu.

As reações das quais falamos muitas vezes estão fora de nosso controle. Falamos em segurar o choro ou o riso, falamos em fazer cara de paisagem, procurando disfarçar uma

emoção, mas ela será sentida e vivida e o choro ou o riso ou a cara de interesse serão vividos “por dentro”.

Todas essas reações são importantes descargas de tensão do organismo emocionado, pois as emoções são momentos de tensão em um organismo, e as reações são descargas

emocionais.

Se eu chorasse Talvez desabafasse O que sinto no peito

E não posso dizer Só porque não sei chorar

Eu vivo triste a sofrer.11

Talvez caiba aqui, antes de finalizarmos esta etapa de conceituação, trazer Damásio com a distinção que faz entre emoção e sentimentos. Nossa intenção não é aprofundar essas

conceituações, mas vale a pena apresentá-las.

À medida que ocorrem alterações no seu corpo, você fica sabendo da sua existência e pode

acompanhar continuamente sua evolução. Apercebe-se de mudanças no estado corporal e segue seu desenrolar durante segundos ou minutos. Esse processo de acompanhamento contínuo, essa

experiência do que o corpo está fazendo enquanto pensamentos sobre conteúdos específicos

continuam a desenrolar-se, é a essência daquilo que chamo de um sentimento […] Se uma emoção é um conjunto das alterações no estado do corpo associadas a certas imagens mentais que ativaram um sistema cerebral específico, a essência do sentir de uma emoção é a experiência destas alterações em justaposição com as imagens mentais que iniciaram o ciclo.12

Com isso Damásio integra emoções e sentimentos na nossa vida afetiva. Voltaremos a ele para que nos ajude na integração razão e emoção, finalidade deste capítulo.

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 70-73)