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Aspectos da história da família

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 139-141)

FAMÍLIA E SUAS MUTAÇÕES

14.2 Aspectos da história da família

O modelo de família pai-mãe-prole sempre existiu?

Temos a impressão de que sim porque é a referência usada para avaliar as demais; é

difundida, pelos meios de comunicação, por exemplo, por meio da “família Doriana” ou pelas religiões, e um exemplo são os discursos do papa sobre procriação – como modelo a ser seguido. A ausência desse modelo é usada, com frequência, pelo senso comum – e,

infelizmente, por alguns técnicos que trabalham na área de família – para explicar o porquê de condutas difíceis ou problemáticas de crianças e adolescentes. Nesse caso, alguns arranjos familiares, diferentes do padrão tradicional e hegemônico, são considerados problemáticos – o termo usado, com frequência, em relatórios e pareceres é família desestruturada – e com consequências consideradas prejudiciais para os membros da família, particularmente para os filhos.

Aqui cabe um parêntese: a ideia de família nuclear harmônica, muito valorizada e difundida na sociedade, alimenta a representação social de que é um padrão natural

(inquestionável) e se constitui em uma fantasia de família ideal que todos pretendem ter; e, quando a família real – de qualquer um de nós – não atende essa expectativa, há certa frustração e um sentimento de fracasso, e continuamos a cultivar a ideia-ilusão de que seríamos mais felizes se nossa família fosse “daquele jeito”.

Contudo, a antropologia nos ensina que esse modelo de família não é a-histórico, nem sempre existiu e não existe em alguns grupos humanos da atualidade. Na história da humanidade, antes de existir essa família conjugal ou nuclear (pai-mãe-prole) que se

caracteriza pelo casamento de duas pessoas com obrigação de habitação conjunta, fidelidade e garantia de descendência pela consanguinidade, houve muitas outras formas de organização para os seres humanos darem conta da reprodução e manutenção da espécie humana, do ponto de vista biológico e cultural.

Em uma sequência, desde o estado selvagem, o antropólogo L. H. Morgan identifica: a família consanguínea – casamento entre irmãos e irmãs no interior de um grupo; a família punaluana – um grupo de homens casava-se com um grupo de mulheres e cada uma das mulheres podia se casar com os maridos das irmãs e o mesmo ocorria com os homens; a família sindiásmica – o casamento de um homem e uma mulher sem a obrigação de morar juntos, e esse casamento existia enquanto ambos o desejassem; a família patriarcal – o casamento de um só homem com várias mulheres (isso ainda ocorre em algumas regiões do mundo); e, finalmente, a família monogâmica (nuclear ou conjugal).

A família monogâmica ou conjugal, portanto, é um modo de organização social produto de uma época em que o valor da propriedade privada se instituiu e era necessário garantir que o patrimônio permanecesse, por meio de herança, no interior da família; isso só seria possível se a consanguinidade estivesse garantida, por meio do controle do homem sobre a esposa e os filhos. Engels,2 em um trabalho relacionado com as investigações de L. H. Morgan, defende a posição de que o surgimento histórico da propriedade privada é o fator relevante para a constituição da família tal como a conhecemos hoje.

Esse modo de conceber a família e o lugar de cada um de seus membros está no código de leis de diferentes países, é legislado (o direito de família) e era dessa maneira que as questões envolvendo família, em nosso país, eram consideradas, até a Constituição Federal, de 1988. A nova constituição instituiu duas profundas alterações em relação à anterior: a ruptura com a chefia conjugal masculina e, portanto, homens e mulheres passam a compartilhar direitos e deveres na sociedade conjugal; e o fim da diferença entre filhos legítimos e ilegítimos. Outro exemplo é o artigo 226, parágrafo quarto, em que a família monoparental é reconhecida como “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”; ou seja, esse modo de organização da família não é considerado “desvio”, desestruturação ou desorganização familiar.

A essas funções sociais da família tradicional – procriação, manutenção da espécie, garantia de propriedade – se somaram outras, sendo a mais relevante delas considerar que a família é a instituição social que prepara os indivíduos para a participação em sua

coletividade. Ou seja, é nesse grupo – desde o nascimento – que a criança é preparada para “entrar” no mundo social por meio da aquisição de hábitos, padrões de conduta e,

principalmente, da linguagem. Portanto, a família é uma agência socializadora das novas gerações; é nela que se transmitem os valores da cultura que são dominantes em determinado momento histórico. Desse modo, ela é considerada como um grupo importante para a

manutenção do status quo.

No livro História social da criança e da família,3 Philippe Ariès analisa um fator

importante para a constituição dessa família tradicional que passa a se responsabilizar pela sua prole: no século XV, com o advento das escolas, as crianças não são mais afastadas de suas famílias para empreender seu aprendizado junto a outros adultos, como ocorria até então. Portanto, além do aspecto social e moral, a família passa a ser também um lugar

“sentimental”, pois a permanência das crianças no grupo propiciava o desenvolvimento de laços afetivos com os adultos progenitores.

Desde o final do século XIX, mas principalmente no século XX, “o patriarcado tem sofrido uma larga e permanente destruição”.4 Os autores acrescentam: “[…] tem sido,

fundamentalmente, a modificação do lugar da mulher na sociedade a causa maior dessa derrubada da família patriarcal e, portanto, do patriarcado”.5

14.3 A revolução social do século XX e seus efeitos

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 139-141)