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Razão: a meta humana da racionalidade e do conhecimento objetivo

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 68-70)

RAZÃO E EMOÇÃO

7.2 Razão: a meta humana da racionalidade e do conhecimento objetivo

A razão e a emoção como objetos de discussão estão, como tópicos, em várias áreas do conhecimento, e a filosofia é, sem dúvida, a que tomou a razão como seu objeto privilegiado de reflexão. Por isso escolhemos essa área para nos ajudar no debate e caminhamos com Chaui no percurso que faz em seu livro Convite à Filosofia.1

Os humanos, em seu longo processo de existência, foram expandindo seus territórios e produzindo uma vida cultural cada vez mais diversificada. As viagens marítimas, a criação da moeda de troca, o calendário para calcular o tempo, a invenção da escrita, a vida urbana e a invenção da política são apontados por Chaui2 como conquistas que possibilitaram o

surgimento da filosofia, na Grécia, no final do século VII e início do século VI antes de Cristo. A filosofia nascente, que antecede todos os conhecimentos científicos (e racionais), nasce com uma ênfase na racionalidade. Procurando se distanciar dos mitos, a filosofia privilegiava a busca de respostas para os enigmas e questões que a sociedade possuía e que, até então, eram respondidos pelos mitos; buscavam-se também regras que pudessem explicitar e esclarecer as ideias que eram produzidas: havia que ter razões.

Nos séculos XVII e XVIII, o racionalismo clássico, como ficou conhecido, produziu o “sujeito do conhecimento”. O pensamento volta-se para si mesmo para conhecer sua

capacidade de conhecer. É nesse período que surge a experimentação como prática e é quando a razão é vista como a possibilidade de se conhecer inclusive as emoções que marcam o

humano. A razão vai se desenvolvendo, até nossos tempos, como capacidade de dominar aspectos humanos que pareciam sem controle. O Iluminismo (domínio da racionalidade) trará as ciências como modo racional de conhecer e controlar a realidade. Associada à tecnologia, que se expande e desenvolve rapidamente, a razão, tanto na filosofia quanto nas outras

ciências, passa a dominar como aspecto humano responsável e capaz de garantir a

sobrevivência da espécie e produzir um mundo de recursos e objetos que garantiram uma comodidade maior.

Separada das emoções, que estavam mais relacionadas ao conhecimento produzido nos mitos, a razão tornou-se a possibilidade de alcançar a verdade. O pensamento moderno

reforçou essa possibilidade e valorizou e incentivou a racionalidade humana, sempre pensada como distinta das emoções.

As mulheres, como “sexo frágil”, tornaram-se a expressão da sensibilidade e das emoções; os homens, ao contrário, passaram a ter o domínio da racionalidade, que lhes garantiria, por muito tempo, o poder.

Pascal (1623-1662), filósofo francês, afirmou: “O coração tem razões que a razão

desconhece”. Chaui traduz a frase para nós: “Nossa vida emocional possui causas e motivos [as “razões do coração”], que são as paixões ou os sentimentos, e é diferente de nossa

atividade consciente, seja como atividade intelectual, seja como atividade moral”.3 Assim, quando alguém tem razão, está guiado pela consciência, e quando a perde está guiado pelas razões “do coração”. Repare que essa frase é do século XVII. Isso para enfatizar que a separação conceitual/teórica entre razão e emoção é histórica e tem muitos séculos.

Razão vem do latim ratio ou, no grego, logos, que têm a mesma significação e querem dizer pensamento ordenado; um pensar que mede, categoriza, separa, calcula, enfim, um pensamento que enfrenta o real com determinada capacidade: a de pensá-lo de modo organizado. Um

pensamento que investe no real para compreendê-lo e poder tornar os humanos mais potentes e capazes diante da realidade. Opõe-se às emoções, às ilusões e às crenças religiosas.

É importante destacar aqui que estamos falando de um pensamento racional que se

desenvolveu na Europa Ocidental. Foi Descartes (1596-1658) que inaugurou o racionalismo moderno, do qual falamos e fazemos uso como humanos deste tempo e lugar. “Penso, logo existo” é a afirmação que embasa esse sistema filosófico. Pensamos e sabemos que pensamos, eis o começo de tudo, que marcou o chamado inatismo na filosofia, ou seja, a racionalidade e seus princípios seriam algo próprio dos humanos; nascemos com eles.

Por outro lado, os empiristas “[…] afirmam que a razão, a verdade e as ideias racionais são adquiridas por nós através da experiência. Antes da experiência, dizem eles, nossa razão é como uma ‘folha em branco’, onde nada foi escrito: uma ‘tábula rasa’, onde nada foi

gravado”.4

É Hegel (1770-1831), filósofo alemão, que nos ajudará a ultrapassar o impasse do inatismo e do empirismo. Cabe apenas ressalvar que, antes dele, Kant fez a primeira tentativa de

superação, afirmando que a questão estava em colocar como objeto de investigação a própria razão, em vez de tomar a realidade como centro. Para Kant o conhecimento racional depende exclusivamente do sujeito que conhece. Hegel vai discordar de Kant e afirmar que a razão é histórica.

Ao afirmar que a razão é histórica, Hegel não está, de modo algum, dizendo que a razão é algo relativo, que vale hoje e não vale amanhã, que serve aqui e não serve ali, que cada época alcança e não alcança verdades universais. Não. O que Hegel está dizendo é que a mudança, a transformação da razão e de seus conteúdos é obra racional da própria razão. A razão não é uma vítima do tempo… ela é o tempo. Ela dá sentido ao tempo.5

Em cada tempo histórico, a razão produziu um pensamento (ou uma razão) sobre si mesma. Mas a história continua e Husserl, outro filósofo alemão, retomou Kant para criar a

fenomenologia que considera a razão uma estrutura da consciência, que produz seus próprios conteúdos (distinguindo-se de Kant). Enfatizou a ideia de significações como o conjunto que cria o real.

Segundo Pontes, “[…] para Hegel, o pensamento é o criador do mundo, não apenas um simples ‘legislador’…”,6 e é com base nessa assertiva que os filósofos de Frankfurt (Adorno, Marcuse, Horkheimer), com formação de base marxista, vão recusar a ideia hegeliana de que “[…] a História é obra da própria razão, ou que as transformações históricas da razão são realizadas pela própria razão, sem que esta seja condicionada ou determinada pelas condições sociais, econômicas e políticas”.7

A razão tem, assim, um lugar importante na história ocidental do pensamento. É a razão que nos permite, hoje, avaliar os conhecimentos que são produzidos, tanto na sua coerência interna quanto na sua importância e em seu valor social de permitir visibilidade a aspectos da

realidade que nem sempre são evidentes. É a razão que buscamos quando pretendemos

conhecer nosso inconsciente; é a razão que valorizamos quando acreditamos na loucura como “outra razão”; é a razão que queremos quando buscamos conhecer as significações

eles empiristas, positivistas ou dialéticos. Mas e as emoções?

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 68-70)