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FENÔMENOS DA CONTEMPORANEIDADE E NOVAS

17.5 O medo social

Um dos principais vetores do medo é a violência. Em todas as suas expressões: a guerra, a intolerância, a criminalidade; e, também, aquelas violências invisíveis que ocorrem nos

lugares considerados protegidos (a família, a escola) ou as violências naturalizadas porque fazem parte do cotidiano (o “pedágio” para chegar em casa, o transporte precário e moroso, a humilhação dos pobres ou de determinadas ocupações). A violência é um ingrediente

permanente da cultura, ao longo da história da humanidade, e se constitui em uma importante questão social porque vive-se, atualmente, a exacerbação (intensificação) de suas várias expressões e novos efeitos na vida das pessoas.

Mesmo quando ela ocorre longe de nós – as guerras entre tribos, povos em disputas religiosas, políticas, de hegemonia territorial na África ou no Oriente Médio – somos atingidos pelas imagens chocantes e trágicas que entram em nossas casas e passam a fazer parte de nosso cotidiano. Como lidar com aquilo que sabemos e com que nos sentimos impotentes?

Perto de nós, em nossa comunidade de convivência, há inúmeras outras expressões da violência. As mais descaradas são a criminalidade e os episódios de intolerância.

Jurandir Freire Costa afirma que “ao expor as pessoas a constantes ataques à sua

integridade física e moral, a violência começa a gerar expectativas, a fornecer padrões de respostas”.12 Ou seja, a violência passa a compor uma visão de mundo que é transmitida e vai criando uma convicção de que o crime e a brutalidade são inevitáveis. Luís Cláudio

Figueiredo, nessa perspectiva, afirma que se cria um padrão de sociabilidade para as novas gerações e a violência “se torna invisível para os que ali nascem, crescem e se

desenvolvem”.13

Quando a violência passa a fazer parte do cotidiano, as leis perdem o seu caráter

normativo e o poder de estabelecer/restabelecer a ordem, a segurança; indivíduos e grupos sociais passam a arbitrar o que é justo e injusto dissociado de princípios éticos válidos para todos. O crime é relativizado e a imoralidade da cultura da violência consiste na

disseminação de sistemas morais particularizados e irredutíveis a ideais comuns. E, nessas circunstâncias, qualquer atitude criminosa pode ser justificada e legitimada. Ou, olhando o fenômeno de outra perspectiva, instala-se a impunidade, o estabelecimento de territórios onde não se pode circular ou em que a circulação deve ser autorizada. O espaço público é

privatizado pelos agentes do crime, e as organizações criminosas oferecem trabalho e salário que cooptam os jovens cada vez mais jovens, particularmente no tráfico de drogas.

Esse cenário real estabelece um ambiente de insegurança coletiva, de medo social, no qual floresce a indústria da segurança particular e, ao mesmo tempo, todos nos recolhemos às nossas pequenas e frágeis fortalezas com grades nas janelas e blindagem nos carros. Nesse ambiente, o sentimento de insegurança social mobiliza sentimentos de vingança e preconceito (em que há alvos preferenciais como os pobres, os moradores de determinado bairro, os adolescentes, etc.), ou seja, o outro, próximo ou anônimo, é visto como inimigo,

particularmente quando sua imagem está associada à daqueles que são mostrados

ininterruptamente pelos meios de comunicação. Nesse sentido, os meios de comunicação podem contribuir para a intensificação do sentimento de insegurança com seus programas de

dramatização da criminalidade.

Um dos efeitos desse ambiente social de medo e insegurança é a perda de noção do que é risco real e potencial. “A expectativa do perigo iminente faz com que as vítimas potenciais aceitem facilmente a sugestão ou a prática da punição ou do extermínio preventivo dos supostos agressores potenciais […] e os agressores se tornam mais audazes e ferozes […] e os agredidos concedem carta branca ou são coniventes com práticas de extermínio”14 ou fazem a defesa da pena de morte, da redução da idade penal como estratégias de erradicação da criminalidade. E aí valeria a pena perguntar: para todos os crimes? Para o desvio do dinheiro público destinado à merenda escolar? Para o assassinato de adolescentes pelas forças

policiais? Para os donos do tráfico internacional de armas, de seres humanos e de drogas? É necessário, para sair desse estado catatônico de vulnerabilidade e reassumir nossa

potência como cidadãos de um futuro a ser desenhado, que possamos discriminar os diferentes tipos de violência, compreender suas determinações históricas e circunstanciais e participar, na dimensão política do exercício da cidadania, de propostas e soluções que garantam a paz pública.

Considerações finais

“No cenário contemporâneo […] da vida política à experiência subjetiva privada, toda a nossa existência parece requerer um esforço na direção de rediscutir as bases sobre as quais construímos horizontes de significação.”15 Esse é um exercício a ser realizado coletivamente e também na esfera individual, a partir da singularidade de cada leitor. Reflete um modo de viver e como os acontecimentos do mundo o tocam, o fazem vibrar, e auxilia a descobrir um sentido único para a própria trajetória de vida em meio aos bilhões de seres humanos. E, sem dúvida, muitos outros temas tão ou mais relevantes que os abordados neste capítulo merecem reflexão, e o leitor poderá empreender esse percurso em sua formação pessoal e profissional, em que a formação universitária é uma etapa.

Não são poucos os autores que têm problematizado essas questões. A necessidade de uma reflexão crítica se torna urgente, como afirma Mancebo:16

No momento crítico que vivemos, em que o ideário neoliberal avança com êxito, no sentido de impor seus argumentos em prol do individualismo, da concorrência, da competição entre os homens e da indiferença ao social, apresentados como verdades inquestionáveis, impõe-se trazer às nossas memórias a emergência histórica desses conceitos, bem como da própria Psicologia enquanto disciplina do homem por excelência. Trata-se de desconstruir os

discursos apresentados como únicos e naturais, contrapondo alternativas de reflexão sobre o homem e os saberes que este desenvolveu ao longo da História.

Nessa perspectiva, do ponto de vista dos autores deste livro, alguns outros

temas/fenômenos são particularmente relevantes, como: a sociedade do conhecimento – a produção ininterrupta de informações e seu processamento, considerando a obsolescência ininterrupta da última informação obtida. É um tema relevante porque coloca um desafio para a educação dos jovens no século XXI e a exigência de pensar alternativas – a serem

inventadas – de formação permanente para uma atualização contínua. O relatório para a Unesco (órgão da Organização das Nações Unidas para a Educação) da Comissão

Internacional sobre Educação para o século XXI afirma, em suas primeiras linhas, que “ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social”17, ou seja, informa que “a educação é uma utopia necessária”. Está aí um tema sobre o qual o leitor poderá

empreender uma pesquisa particular e útil.

Assim como esse, outros temas poderiam ser assinalados, mas é necessário concluir: “O homem contemporâneo acha-se em geral tomado por uma emoção que é ao mesmo tempo maravilhamento, espanto e medo diante desse panorama de incertezas e imprecisões…”,18 e a certeza dos autores deste livro é que a ética é uma bússola que pode nos guiar no presente e em direção ao futuro, que será uma construção humana.

Atividades complementares

1. Outros temas importantes e desafiadores que revelam fenômenos complexos são, por

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 175-177)