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Motivação como um processo psicológico

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 97-100)

A RELAÇÃO DOS HUMANOS COM O MEIO AMBIENTE

4. Para vocês, o que é uma vida saudável? Discuta um critério no seu grupo e os itens que o grupo considera fundamental para definir qualidade de vida e meio ambiente.

10.2 Motivação como um processo psicológico

A diversidade de interesses percebida entre os indivíduos permite aceitar, de maneira razoavelmente clara, a crença segundo a qual as pessoas não fazem as mesmas coisas pelas mesmas razões. É dentro desta diversidade que se encontra a mais importante fonte de compreensão a respeito de um fenômeno que apresenta aspectos aparentemente paradoxais: a motivação humana.1

A Psicologia é uma ciência da subjetividade ou dos processos psicológicos que compõem a realidade humana e social. Muitos esforços teóricos são feitos, na Psicologia, para que possamos valorizar o humano como “um animal” dotado de vontades e autônomo. Ou seja, nenhuma explicação que reduza a realidade humana a estímulos, ou forças sociais, ou forças naturais, ou impulsos, ou instintos, como responsáveis pela conduta humana será aceita com tranquilidade. Sem que todos esses fatores sejam deixados de lado ou ignorados, a Psicologia busca compreender os processos que movem os sujeitos a se comportarem, sonharem,

desejarem e pensarem, enfatizando ou privilegiando as razões consideradas eminentemente humanas. Claro que o peso e a qualidade dessas razões humanas variam de uma teoria para outra. Algumas dão mais força ao ambiente percebido pelo sujeito; outras dão mais força aos

aspectos não conscientes do sujeito; outras às relações sociais vividas, outras ao que o sujeito sabe e pensa sobre o mundo, enfim, as Psicologias têm em comum esse esforço de

compreender a realidade humana compreendendo os indivíduos como sujeitos de vontade. Aparece então a questão: o que faz com que os sujeitos queiram alguma coisa e outros não? O que faz com que se interessem ou não por algum objeto, pessoa ou atividade?

Talvez a área da Psicologia da educação tenha sido uma das que mais precisaram de conceitos como o da motivação. Como motivar o aluno para aprender o que se julga

necessário? As pesquisas mostram que os alunos, quando estão motivados, aprendem melhor e mais depressa. O que faz com que se motivem?

A motivação é o título (é um conceito!) que a Psicologia deu a um estado psicológico que é caracterizado pelo fato de o sujeito se encontrar energizado e interessado por um objeto o qual tem grande peso/valor/significado no sentido de dirigir o comportamento para sua obtenção. O indivíduo motivado tenderá a se aproximar do objeto que percebe como potencialmente capaz de satisfazer seu interesse. Quando falamos em motivação estamos, claramente, nos referindo a um estado subjetivo: o indivíduo tem “aquele” objeto como capaz de satisfazer suas

necessidades ou interesses.

Portanto, utilizamos o termo motivação para designar esse processo e o caracterizamos quando conhecemos o estado de interesse do sujeito e conhecemos também o objeto de

satisfação dele, podendo prever que seu comportamento será em direção ao objeto. Motivação é também uma relação entre o mundo psicológico e os objetos do mundo social. Falamos em motivação como um envolvimento do sujeito, o que nos permite afirmar que na base da motivação está um processo afetivo em relação a esse objeto que poderá satisfazer suas necessidades ou interesses.

Podem-se resumir essas ideias no seguinte: na vida cotidiana os sujeitos vão apresentando necessidades e sentem falta de algo. A necessidade é um estado psicológico que põe os

sujeitos em movimento para buscar qual objeto do mundo que nos rodeia pode parecer satisfatório para solucionar a necessidade. Ao encontrar esse objeto podemos dizer que o sujeito apresenta agora um motivo: uma relação entre uma necessidade e um objeto. A disposição para se pôr em movimento (comportamento) na direção da obtenção do objeto é que chamamos de motivação.

Um motivo pode implicar diferentes condutas (preparar um alimento, roubar um pacote de biscoitos) e uma conduta (andar rápido, querer chegar rapidamente em casa) pode responder a diferentes motivos (fome, necessidade de ir ao banheiro ou consultar a correspondência

eletrônica). Um motivo pode também corresponder a uma classe de objetos, por exemplo, se estou com fome posso comer uma fruta, um sanduíche ou um bife.

A motivação implica aspectos e processos que são de várias ordens. Há aspectos biológicos que estão na base das necessidades; há aspectos aprendidos (relações entre necessidade e objetos que são aprendidas no processo de socialização) e, ainda, aspectos cognitivos (informações que possuímos sobre um determinado objeto). Eles se mesclam na motivação fazendo que, por exemplo, a fome (biológico) possa encontrar em batatas fritas seu objeto de satisfação (aprendido), mas saber que não devemos comer frituras em excesso pode nos levar a um copo de leite (cognitivo). Se queremos compreender o comportamento de aproximação de um indivíduo de determinado objeto, deveremos considerar todos esses aspectos.

Os fatores culturais são muito importantes na construção do processo de motivação, pois os objetos que poderão surgir como respostas às nossas necessidades estão disponíveis na

cultura, e nós, durante nosso processo de socialização, aprendemos exatamente isto: a

relacionar necessidades a objetos. Podemos ser mais incisivos e afirmar que a maior parte de nossas necessidades é aprendida na cultura. A fome, por exemplo, que é uma necessidade básica, ou seja, não aprendida, recebe da cultura um conjunto de elementos que a completam, deixando de ser apenas uma necessidade básica. Temos fome de determinada comida, e isso está além da necessidade básica. Temos necessidade de receber rapidamente as informações do que está acontecendo no mundo ou de ter contato com um amigo que está residindo do outro lado do planeta: são necessidades que são aprendidas na cultura e que surgem, ao mesmo tempo que o telefone ou o computador com internet, como necessidade.

A necessidade sexual é outra necessidade aprendida. Claro que sabemos da necessidade de preservar a espécie e da procriação, que cumpre essa função, mas a relação sexual se tornou independente da reprodução; a postura ereta dos humanos retirou do olfato o lugar de

principal sentido para a atração sexual, que ficou com a visão. Além disso, hoje, há novas possibilidades de reprodução, o que deixou a sexualidade mais livre para a busca do prazer. As diferentes culturas e épocas apresentaram diferentes padrões de beleza e, portanto, de atração física. Também, ao se separar a vida sexual da preservação da espécie, pode-se acreditar que novas formas de amor passaram a valer a pena. Nosso mundo cultural ocidental aceita com maior facilidade relações homoeróticas, que, com certeza, não se estabelecem para preservar a espécie. Mesmo as relações heteroeróticas não estão relacionadas, para a maior parte das pessoas, à procriação. Fazemos sexo para ter prazer. Essas mudanças culturais vão afetar diretamente a constituição do que estamos aqui chamando de motivação.

Esses exemplos do apetite e da atração sexual nos serviram para afirmar que não se pode pensar a motivação se não a inserirmos na cultura em que o indivíduo vive. Pode-se

reconhecer uma base fisiológica na motivação, pois se fala de energia que impulsiona na direção de um objeto de satisfação, falamos, ainda, de organismo afetado pela realidade

circundante, mas a relação que se estabelece entre necessidade e objeto é de natureza cultural, e ela é parte integrante da motivação. Assim, os outros humanos com os quais convivemos são importantes como fonte de “apresentação” do mundo dos objetos. Em nossa socialização aprendemos que determinados objetos podem estar relacionados com determinadas

necessidades. Famílias preconceituosas em relação a árabes, por exemplo, desvinculam as necessidades sexuais e afetivas de seus filhos de pessoas com essa origem e buscam interferir no sentido de que seus filhos não coloquem a pessoa dessa origem como objeto de seu

interesse sexual. O mesmo pode ocorrer com alimentos: os vegetarianos não colocam as carnes como objeto que pode satisfazer sua necessidade de alimento.

Um aspecto é importante em toda esta teorização sobre motivação: é uma tarefa difícil motivar os indivíduos, pois, mesmo considerando todos os aspectos culturais, ambientais, biológicos do processo, não há como garantir o seu resultado. Handy, citado por Bergamini, diz:

[…] Os primeiros trabalhos acerca da motivação demonstraram preocupação em encontrar os modos pelos quais o indivíduo poderia ser motivado e aplicar mais do seu esforço e talento a serviço do seu empregador. É uma questão de justiça acrescentarmos que muitos desses teóricos também se preocupavam em encontrar uma resposta que fosse coerente com a dignidade e independência essenciais do indivíduo. Talvez devêssemos sentir alívio quanto ao fato de que não foi encontrada

qualquer fórmula garantida de motivação.2

Além disso, é também um aspecto importante reconhecer (pois é um dos fatores que explicam a conclusão anterior) que motivação tem um caráter individual. Esse segundo

aspecto faz com que nos perguntemos se em projetos motivacionais não se estariam atribuindo objetivos para as pessoas que são, na realidade, os das pessoas que planejam. Bergamini afirma que “[…] cada pessoa é portadora de um estilo de comportamento motivacional”.

Em estudos sobre a motivação em organizações, muitas sugestões para motivar os trabalhadores têm sido oferecidas, mas, na prática, muitas delas fracassam à medida que o tempo passa. Em geral, o que se passa nesses casos é o fato de se tomar como motivador algo que parece motivador para quem planeja ou é pensado como algo motivador para os sujeitos, mas pode não ser. Além disso, motivação é um processo sem fim, e, muitas vezes, nesses planejamentos, se quer como fim “um sujeito motivado”, como se fosse um estado final. “[…] a motivação é bem mais que um processo estático. Trata-se de um processo que é ao mesmo tempo função dos indivíduos e das atividades específicas que eles desenvolvem.”3

Cabe ainda, antes de estudar mais especificamente a motivação para o trabalho, afirmarmos que a Psicologia, ao estudar a motivação, pode contribuir com a apresentação de muitos

aspectos irredutivelmente individuais que compõem um conhecimento menos superficial da questão. A psicanálise, por exemplo, ao trazer o inconsciente como tema humano e

psicológico, ofereceu uma nova visão dos humanos e da motivação. A etologia no campo da Psicologia também merece seu destaque. A ideia da presença necessária de três aspectos – o estado de carência, a conduta de busca e o ambiente – permitiu entender que a motivação não é um estado em si. Atos motivacionais e fatores de satisfação passaram a compor um novo conceito de motivação, segundo Lorenz (1963). Estudos de Seligman (1967), citados por Otta (1986), permitiram também compreender que um estado de desamparo é “um estado produzido por repetidas tentativas malsucedidas para controlar os resultados de eventos” (OTTA, 1986, p. 107). As consequências incontroláveis de alguns eventos resultam em “déficit

motivacional”, que seria um “retardamento do início de respostas voluntárias e é

consequência da expectativa de que é inútil responder” (OTTA, 1986, p. 106). Esses últimos estudos puderam embasar as análises sobre o fracasso escolar.

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 97-100)