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Trabalho e dimensão subjetiva

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 134-136)

O MUNDO DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES

13.5 Trabalho e dimensão subjetiva

O trabalho, em qualquer circunstância, sempre produz algum desgaste. O melhor trabalho na melhor circunstância produz desgaste. Pense no trabalho de um artista plástico bem- sucedido, como é o caso do brasileiro Vik Muniz. O artista define seu horário de trabalho, o ritmo, o prazo de execução, enfim, controla todo o processo e é muito bem remunerado pelo que faz quando vende suas obras. No entanto, mesmo nessa feliz situação, o trabalho cansa! É possível imaginar o artista, depois de concluída a obra, dizendo para amigos que aquele dia foi muito, muito cansativo. Cansativo, mas gratificante. O artista plástico com esse perfil vê a realização plena de sua atividade laboral na execução de sua obra. Ele cria, projeta, executa e conhece todo o processo de produção de sua obra e controla o processo de trabalho.

Não é, infelizmente, o que ocorre com a maioria absoluta dos trabalhadores que vivem dos seus empregos. Isso porque os trabalhadores não controlam o processo produtivo e, muitas vezes, nem mesmo têm pleno conhecimento do que produzem. Assumem tarefas mecânicas ou parceladas de parte do processo. Empresas terceirizadas fabricam parte de produtos mais complexos para diferentes clientes que utilizarão o “pedaço” fabricado na montagem do produto final. Uma gaxeta de borracha poderá ser utilizada em um automóvel, num macaco hidráulico ou numa máquina de lavar roupa. São peças miúdas fabricadas em grande escala, e o operário não irá ficar pensando no destino das centenas de gaxetas que saem da máquina que ele está operando.

Considerando que, como já foi apontado, a reestruturação produtiva automatizou a

produção, muitos desses operários, além de estarem desconectados daquilo que produzem, são dominados pelo ritmo da máquina que operam. Svartman,4 analisando esse ritmo entre

trabalhadores do ABC paulista, identificou o que ele chamou de desenraizamento, que vem a ser a desconexão entre o mundo do trabalho e a vida do trabalhador. É tão violenta a maneira como o trabalhador é submetido a uma ordem que exige plena atenção a uma atividade

mecânica, que isso acaba embrutecendo a pessoa. O embrutecimento é causado pela ausência de um pensamento criativo, seja ele vinculado ao que se está produzindo, seja ele o mero devaneio de quem pensa na vida enquanto trabalha.

Nesses casos, pouco se avançou na relação do trabalhador com o processo produtivo. Ocorreu reestruturação produtiva, mas ela serviu somente ao plano técnico e nada ao trabalhador, que teve sua situação piorada com o aumento da exigência produtiva. Não

precisamos ir muito longe para concluir que esse processo aumenta o desgaste físico e mental desse trabalhador e a chance de adoecimento. Não é por acaso que nos últimos tempos

aumentaram, consideravelmente, as notificações de sofrimento mental na situação de trabalho e a depressão aparece como uma das causas mais notificadas.

osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT). O aumento do ritmo de trabalho causado pelos equipamentos automatizados e informatizados, o uso de computadores que facilitam a digitação, exigindo maior rapidez do digitador, novas posturas exigidas por uma linha de produção mais rápida estão produzindo uma epidemia desse tipo de lesão e distúrbio. Estudos vêm demonstrando que não é somente um desgaste físico que os produz, mas também um

desgaste mental. Tais problemas com a saúde do trabalhador podem inviabilizar a sua continuidade naquela determinada função e, algumas vezes, o inutilizam para o trabalho.

Esses problemas com a saúde do trabalhador representam um sintoma de que algo não anda bem no mundo do trabalho. Aumenta o ritmo produtivo, diminuem os postos de trabalho,

desaparecem funções que até o momento eram inquestionáveis, aparecem funções de que o trabalhador nunca ouviu falar, exige-se maior flexibilização de suas funções, maior

qualificação e certificação escolar. As células produtivas cobram uma participação efetiva dos trabalhadores na resolução de problemas da produção de sua ilha produtiva, que antes era função dos chefes de seção ou dos engenheiros de produção. Agora o trabalhador, além do corpo, deve envolver a sua subjetividade no processo produtivo. E isso serve para o chão de fábrica, para o escritório, para a área de serviços e de comércio. O resultado disso é o

aumento considerável da tensão no ambiente de trabalho.

Parte dessa tensão é transformada em desgaste subjetivo. Um clima de trabalho que potencializa relações subjetivas engendra novas formas de relação. Antes, os chefes e

controladores da produção exigiam, objetivamente, aumento da produção. Agora, eles querem maior envolvimento, maior comprometimento, mais atitude pró-ativa. Na situação anterior, o trabalhador que não atendesse a demanda de maior produção poderia ser demitido ou

advertido. Mas ele saberia o motivo. Agora ele é pressionado e cobrado de uma coisa que ele não sabe, exatamente, o que é, e essa pressão pode se transformar facilmente em pressão indevida, o conhecido assédio moral.

Assim, podemos dizer que há uma nova dimensão subjetiva do trabalho em curso, no

presente momento. As condições materiais foram significativamente alteradas com a mudança das relações de trabalho, e isso produziu uma transformação das relações subjetivas das pessoas envolvidas com os diferentes processos produtivos e seus derivados. A exigência genérica de maior qualificação leva o trabalhador a uma busca desenfreada por formação. Como a exigência por um trabalhador flexível também é real, não ficamos sabendo qual o tipo de qualificação exigida. Flexibilidade é um termo ambíguo e se transforma numa arma na mão do empregador. Os dirigentes, executivos, diretores desse processo, sofrem com a maior concorrência, fruto da rapidez do mercado. Eles também não sabem exatamente o que devem exigir de seus funcionários. A flexibilização os atinge de outro modo. Não há mais um perfil perfeitamente definido do profissional disponível no mercado. Resta a possibilidade de formação desse trabalhador na situação de trabalho. A demanda é por um profissional autônomo, qualificado, pronto para assumir múltiplas tarefas, criativo e capaz. É o que o mercado está chamando, não mais de trabalhador, funcionário, operário, mas de colaborador. O termo sintetiza a exigência. Entretanto, sem ambiente de trabalho, sem salário compatível, sem conhecimento das (múltiplas) tarefas, o “colaborador” padece e enfrenta os dissabores de uma época em que trabalhar deixou de ser uma forma de ganhar o suficiente para reproduzir a vida. Trabalhar, hoje, é enfrentar os dissabores de um admirável, trágico, desgastante mundo novo.

Atividades complementares

No documento Psicologia Facil - Ana Merces Bahia Bock (páginas 134-136)