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Tendência III: significados tendem a ser gradualmente mais situados nas crenças, estados/atitudes subjetivas do falante em relação à situação.

3.2 TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA

3.2.7 A ENTREVISTA SOCIOLINGUÍSTICA

Para Labov (2001), nas trocas entre entrevistador e entrevistado a situação social é “uma entrevista” – gênero bem definido que prevê perguntas e respostas sobre a biografia do sujeito. Consideramos a entrevista sociolinguística, conforme Tavares (2014), como um “macrogênero textual” acadêmico, constituído por diferentes gêneros, como a narrativa de experiência pessoal e o relato de opinião.

Com objetivos específicos relacionados à obtenção do vernáculo, a entrevista sociolinguística é definida por Labov (1984) como uma estratégia bem desenvolvida com dez objetivos principais: 1) gravar com razoável fidelidade uma a duas horas de entrevista; 2) obter o maior número possível de dados do informante (idade, ocupação, relações familiares etc.); 3) obter respostas comparáveis a questões polêmicas e a questões de interesse em várias culturas (risco de vida, preconceito racial etc.); 4) promover momentos em que o falante faça narrativas de experiência pessoal (para chegar mais próximo do vernáculo); 5) promover a interação entre as pessoas presentes no momento da gravação e registrar também os dados não direcionados ao entrevistador; 6) usar os tópicos que mais interessam ao entrevistado para fazê-lo falar mais espontaneamente; 7) traçar o padrão da comunidade e estabelecer o lugar do falante nela; 8) descobrir julgamentos/atitudes do falante sobre questões linguísticas; 9) obter informações específicas sobre certas estruturas ou formas através de momentos de leitura de textos e de lista de palavras; 10) realizar experimentos para verificar a percepção e avaliação do falante em relação a certos fenômenos (pares mínimos, testes de reação subjetiva etc.).

As primeiras formulações da entrevista sociolinguística foram aplicadas por Labov (2006 [1966]) a falantes de Lower East Side, em Nova Iorque, para a obtenção dos dados que resultaram em sua tese, apresentada à Universidade de Columbia, em 1964 (publicada em 1966): The social stratificationof English in New York City. Já nessa época, a entrevista era construída em torno do problema de isolar estilos contextuais e o questionário, ainda com raízes fincadas nos estudos dialetológicos, foi modelado e remodelado várias vezes com o objetivo de suscitar a linguagem coloquial. Tal questionário era dividido em oito momentos que compreendiam desde a fala mais informal e menos controlada entre entrevistador e entrevistado, como relatos de perigo de morte, até momentos extremamente estruturados e monitorados, como a leitura de pares mínimos.

Segundo Labov (1984), as entrevistas sociolinguísticas eram hierarquicamente estruturadas em módulos186 (blocos de perguntas agrupadas em tópicos bem definidos – dados demográficos, jogos, religião, brigas, trabalho, família, medos, sonhos, perigo de morte187, língua, entre outros) aplicáveis a todos os indivíduos cuja fala se desejava investigar. Os módulos e as perguntas que os compõem deveriam: i) ser ordenados a partir de questões gerais, impessoais e não- específicas em direção a questões mais específicas e pessoais; ii) ser combinados de forma diversificada pelos entrevistadores, construindo uma elaborada rede conversacional na qual as várias temáticas são conectadas por perguntas de transição.

As considerações de Labov àquela época apontavam para a rigidez do método e indicavam a necessidade de grande rigor e controle na aplicação desse tipo de instrumento de pesquisa:

[...] algumas questões são marcadas com asterisco duplo (**) para indicar que devem ser feitas exatamente com as palavras indicadas, primeiro para garantir a comparabilidade e segundo porque a experiência tem mostrado que a formulação está próxima do ideal (LABOV, 1984, p. 34).188 Preocupado com a problemática de se captar a fala vernacular na presença de um entrevistador – o que ficou conhecido como o “paradoxo do observador” –, Labov (1984) sugere que o segredo para se

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Esses módulos e o próprio termo entrevista sociolinguística surgiram no final da década de 1960 e início da década de 1970 com a criação do projeto Philadelphia Language Change and Variation e com a realização do curso L560 The Study of the Speech Community. A entrevista sociolinguística tem sua origem nas pesquisas sociolinguísticas de Labov, Cohen e Robins (1965); Labov (1966); Shuy, Wolfram e Riley (1968) (cf. LABOV, 1984).

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Ilustramos aqui o módulo perigo de morte com as questões que o compõem: 1. Você alguma vez já esteve em uma situação em que você pensou que havia um sério risco de ser morto (na qual você disse a si mesmo: “é o fim”)? 2. O que aconteceu? 3. Como você se sentiu depois? “1. Have you ever been in a situation where you thought there was a serious danger of your being killed? That you thought to yourself, “This is it?” 2. What happened? 3. How did you feel afterwards?” (LABOV, 2006 [1966], p. 415, tradução nossa)

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“[…] some questions are marked with a double asterisk (**) to indicate that they should be asked in exactly the words indicated, first to achieve comparability, and second because experience has shown that the wording is close to optimal.”

obter uma boa entrevista está no equilíbrio entre o controle da aplicação dos módulos pelo entrevistador, para garantir a comparabilidade do método, e a liberdade concedida ao entrevistado, para garantir a emergência do vernáculo, já que, a princípio, a entrevista sociolinguística seria um gênero predominantemente monitorado189.

Em trabalhos mais recentes, Labov (2001) parece ter uma posição mais flexível acerca do formato da entrevista, dando maior importância ao caráter interacional da situação do que à aplicação dos módulos. O pesquisador admite que o entrevistador, ao guiar a entrevista para tópicos de maior interesse e envolvimento emocional, acaba assumindo papel mais discreto de ouvinte atento e cedendo o controle ao falante, resultando disso uma hora ou mais de gravação de fala espontânea.

Nessa mesma direção, Tagliamonte (2006) destaca que o objetivo maior do entrevistador na realização da entrevista sociolinguística deve ser o de estimular o entrevistado a falar sobre diferentes tópicos a maior parte do tempo possível. Entrevistas em que o entrevistado apenas fornece respostas curtas não são consideradas, portanto, bem sucedidas.

O que julgamos importante ressaltar é que, a depender de uma série de fatores, as entrevistas sociolinguísticas podem assumir configurações muito diferentes entre si. Macaulay (2002b) assinala que “tratar todas as entrevistas como eventos discursivos equivalentes é ignorar a complexidade da situação”190

(p. 6). Para ele, o modo como os objetivos da entrevista são percebidos, os tópicos levantados, a atitude do entrevistador, entre outros fatores, podem interferir no resultado da entrevista.

Valle e Görski (2014) salientam que vários fatores somados podem interferir no andamento da entrevista: a desenvoltura e loquacidade do informante, o preparo do entrevistador, o grau de empatia estabelecida entre os interlocutores, o interesse pelo assunto, o

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Desviar a atenção do falante – interrompendo o fluxo da entrevista em momentos bem definidos, dando a impressão de que aquele momento não fazia parte da entrevista (situações em que o falante atendia ao telefone ou falava com outras pessoas, por exemplo) –, fazer perguntas que envolvessem emocionalmente o falante (módulo do risco de morte) e valorizar os momentos conhecidos como tangente (em que o entrevistado propõe tópicos de seu interesse) são estratégias para fazer emergir o vernáculo durante a entrevista.

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“To treat all interviews as equivalent speech events is to ignore the complexity of the situation.”

nível de conhecimento sobre determinado tema e assim por diante. Além disso, as autoras consideram que uma mesma entrevista pode ir mudando sua configuração ao longo da interação, alternando sequências mais governadas pelo entrevistador com outras mais governadas pelo informante, e admitem que entrevistas inteiras podem ser totalmente governadas/conduzidas pelo entrevistado sobre os temas de seu interesse. Os resultados dessas diferenças são, muitas vezes, bancos de dados formados a partir de um conjunto bastante heterogêneo de entrevistas, o que leva as autoras a questionar:

a) o pressuposto de que a entrevista sociolinguística é um gênero de estilo predominantemente monitorado, já que alguns informantes mostram-se bastante envolvidos e à vontade desde o início da gravação e alguns deles até mesmo conduzem a “conversa”; b) a aplicação da metodologia laboviana para medir a atenção à fala em entrevistas conduzidas basicamente pelo entrevistado, nas quais não é garantida a variedade de módulos conversacionais prevista por Labov; c) a comparabilidade entre as entrevistas (VALLE; GÖRSKI, 2014, p. 105)

Na busca de comparabilidade entre as diferentes configurações de entrevistas e do sucesso de análises estilísticas multidimensionais, as autoras sugerem que é necessária uma ferramenta metodológica aplicável a cada indivíduo e replicada em vários tipos de entrevista, ao invés de insistirmos em análises que pressupõem que as entrevistas sejam todas mais ou menos equivalentes entre si. Veremos mais adiante, no capítulo de metodologia, que as entrevistas da Barra da Lagoa apresentam configurações bastante diferentes entre si e que considerar a configuração particular de cada entrevista é importante também para a explicação da grande diferença no número dos RADs por entrevista e na preferência de alguns indivíduos por um ou outro item.

3.2.8 TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA: FECHANDO A SEÇÃO