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REQUISIÇÃO DE APOIO DISCURSIVO: FORÇAS EM COMPETIÇÃO

F: Assim como Jesus foi perseguido, né? na palavra de Deus ou que ele né? teve uma perseguição hoje em dia eu sou perseguido,

2.1.3 ENFOQUE PARA ANÁLISE DOS MDS

Assumindo a tarefa de investigar o uso de MDs em uma interface sociofuncionalista, precisamos definir o enfoque de análise que melhor se adequa aos objetivos e à linha teórica da tese. Mencionamos acima que a visão de Schiffrin (1987, 2001) sobre a multifuncionalidade dos MDs é a que nos parece mais completa. Além disso, em uma abordagem sociointeracional a autora preocupa-se em usar métodos quantitativos para observar o uso e a distribuição de formas discursivas e também se interessa pela funcionalidade de tais itens. Diferenças teóricas à parte, as preocupações da autora parecem caminhar na mesma via de nossos interesses.

Contudo, é necessário considerar que nos trabalhos funcionalistas sobre gramaticalização que envolvem MDs, notadamente os

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“[…] what lexical items are used as discourse markers? Are words with comparable meanings used for comparable functions? What is the influence of syntactic structure, and semantic meaning, on the use of markers? How do cultural, social, situational, and textual norms have an effect on the distribution and function of markers?”

desenvolvidos por Traugott e seus colegas27, a visão priorizada para é a de Fraser (1988, 1990).

Os MDs são definidos por Traugott (1995) e Traugott e Dasher (2003), com base nos estudos de Schiffrin (1987) e Fraser (1988, 1990), como elementos cuja função principal é marcar as relações entre unidades sequencialmente dependentes do discurso e que, embora essencialmente pragmáticos em função, têm papel sintático, fazendo parte da gramática da língua. Traugott deixa claro que sua visão a respeito desses itens é muito mais próxima da visão de Fraser já que ela se interessa pela análise de apenas um dos subconjuntos elencados e discutidos por Schiffrin, chamado de “dêiticos do discurso”, que tem a função de assinalar um comentário, especificando o tipo de relação sequencial discursiva que se mantém entre o enunciado atual e o discurso anterior.

Traugott (1995), que analisou os itens indeed, in fact e besides, de origem adverbial e atuações sequenciais, também compartilha com Fraser a ideia de que os MDs são parte da gramática da língua, embora pragmáticos em função28. Nessa perspectiva, os MDs servem para que o falante dê sua avaliação não sobre o conteúdo do que é dito, mas sobre o modo como o que é dito é organizado, em outras palavras, os MDs desempenham um papel metatextual.

Apesar de concordarmos com a atuação metatextual atribuída aos MDs, vemos problemas para o tratamento dos itens em análise nesta tese nos moldes de Fraser, que presume uma estrita separação entre semântica (significado proposicional) e pragmática (significado pragmático) (FRASER, 1996, 1999). Uma crítica a essa visão disjuntiva, segundo Schiffrin (2001), é que ela minimiza várias funções importantes dos MDs, incluindo aquelas relacionadas à interação social. Além disso, as visões de Schiffrin e de Fraser diferem bastante em relação a três questões importantes29: a) com relação à fonte dos

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Veremos mais detalhes sobre a perspectiva de Traugott e seus colegas na seção 3.1.2 do capítulo que apresenta a fundamentação teórica.

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Veremos nos parágrafos seguintes que Fraser pode até considerar que os marcadores que analisa sejam parte da gramática da língua, mas vários itens que costumamos considerar como marcadores, incluindo y’know, ficam de fora da classificação do autor e não recebem o status de marcador.

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Em seu texto de 2001, Schiffrin compara três abordagens mais recorrentes para o tratamento dos MDs: a sua, a de Fraser e a de Halliday e Hasan (1976). Não vamos trazer esta última para discussão, pois a abordagem de Halliday e Hasan está muito mais voltada para aspectos coesivos em textos escritos

MDs – enquanto Fraser postula que a contribuição do significado fonte e da classe gramatical de origem para o uso dos itens como MDs é mínima, as análises e considerações de Schiffrin sobre a multifuncionalidade dos itens sugerem que o significado fonte pode persistir e que as classes de origem muitas vezes são vistas como ponto de partida para uma expansão metafórica, de funções locais para funções globais (por exemplo, conjunções responsáveis pela junção de sintagmas ou orações, como and, podem passar a conectar porções discursivas maiores e contribuir para a coerência discursiva); b) com relação aos MDs e o contexto discursivo – diferentes concepções de discurso produzem diferentes funções discursivas, por isso, enquanto Fraser limita o foco dos marcadores a relações entre proposições, Schiffrin inclui vários aspectos da situação comunicativa em seu modelo de discurso, tratando a indexação de relações proposicionais como apenas uma das inúmeras funções discursivas dos MDs; c) com relação à integração da análise dos MDs no estudo da linguagem – enquanto a abordagem de Fraser relega a análise de muitos itens discursivos à pragmática, Schiffrin evidencia a interdependência entre semântica e pragmática, considerando os MDs como responsáveis pela co-construção discursiva e simultaneamente atuantes em vários planos: cognitivo, expressivo, social e textual30 (SCHIFFRIN, 2001).

Essas diferenças entre as abordagens têm gerado controvérsias sobre o status de y’know, cognato de sabe?, que tem várias semelhanças funcionais com os itens que analisamos. Enquanto o item é incluído por Schiffrin no grupo dos MDs, ganhando lugar de destaque em sua obra clássica de 1987, Fraser (1996) o exclui do grupo dos MDs, afirmando que y’know não sinaliza uma relação discursiva, mas apenas a atitude solidária do falante para com seu ouvinte. Esse é o motivo definitivo para rejeitarmos a perspectiva de Fraser, já que os itens que analisamos, em algumas funções e posições, são correlatos perfeitos de y’know.

(analisando itens como and, but, because, I mean, by the way, to sum up), o que não é o nosso foco.

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No fim das contas, tudo se resume àquilo que é central em cada uma das abordagens: para Fraser, o foco parece estar nas relações estabelecidas entre proposições e a análise dos MDs está a esse serviço; para Schiffrin, o foco está na análise dos MDs como itens multifuncionais, integrando aspectos semânticos e pragmáticos.

O tratamento que Schiffrin (1987) dá a y’know31, embora parta de uma perspectiva teórica um pouco distinta da nossa, revela um modo de entender discurso e significado compatível com nossas crenças e abordagens: i) entendendo que a linguagem reflete contextos discursivos ricos e multifacetados, o que impulsiona os pesquisadores a procurar nos dados todas as nuances (multi)funcionais dos MDs; ii) supondo que o significado dos MDs é co-construído pela interação falante-ouvinte, emergindo de relações sequenciais construídas em conjunto e de contingências próprias da conversação.

A autora assinala que y’know é encontrado em ambientes (marcando um argumento, introduzindo uma história, evocando um referente) que marcam uma transição de um ponto do discurso para outro e, assim, auxilia na relação entre segmentos discursivos (SCHIFFRIN, 1987). Para ela, é exatamente em lugares de transição como este:

[...] – onde interlocutores estão engajados em tarefas produtivas e interpretativas centradas em estabelecer a relação entre segmentos um tanto abstratos e complexos de discurso – que os falantes podem querer criar, ou reforçar, a solidariedade para com seus ouvintes32 (SCHIFFRIN, 2001, p. 66, tradução nossa). Y’know é visto por Schiffrin como elemento com propriedades de sequenciador discursivo e também como item que pode desempenhar papéis interpessoais. Nesse olhar, que entende a linguagem como multifuncional e co-construída, a ênfase está nos dados. Trata-se de não ter expectativas a priori sobre quais funções os MDs deveriam ter, mas, ao invés disso, mergulhar profundamente nos dados para descobrir quais as funções que esses itens de fato desempenham33.

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Veremos mais detalhes sobre a análise de y’know feita por Schiffrin (1987) na seção 2.3.1 deste capítulo.

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“– where interlocutors are jointly engaged in productive and interpretive tasks centered on establishing the relationship between somewhat abstract and complex discourse segments – that speakers may want to create, or reinforce, solidarity with their hearers.”

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Esta ênfase nos dados também é percebida em Ajmer e Simon-Vandembergen (2011), que comemoram a constituição de corpora de língua falada e escrita em diferentes registros e também a constituição de corpora históricos que – através da transcrição de textos dialogais, como peças de teatro, ou de textos que