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ITENS [1] iniciadores iniciam turnos ah,bom, bem, olha

2.2.1 CRITÉRIOS UNIFICADORES PARA A DELIMITAÇÃO DE VARIÁVEIS DISCURSIVAS

2.2.1.3 CRITÉRIO DE RELEVÂNCIA DO ITEM PARA A COMUNIDADE INVESTIGADA

Parece que o uso de alguns RADs está mais associado a indivíduos ou a certos grupos de indivíduos – vinculados por atividades ou modos de vida comuns – do que imaginávamos, ou seja, parece que itens discursivos podem ter um importante papel na constituição da variedade de fala de determinado grupo ou de uma comunidade de fala e que esse papel é facilmente reconhecido pelos falantes, o que pode ser notado pelo uso frequente dos RADs para a caracterização de personagens em peças de teatro, em novelas, no cinema, em stand-up comedy, etc. (VALLE, 2001; GÖRSKI; VALLE, 2013).

Em Florianópolis, principalmente (en)tendesse? e não tem? são percebidos como marcas da fala local e, talvez por esse motivo, parecem ter seus usos regidos não somente por necessidades interacionais ou textuais, mas também pela relação de identidade do falante com a sua comunidade. Observemos os trechos abaixo, retirados de Görski e Valle (2013, p. 125):

(11) O jornalista carioca José Ilan, titular máximo do blog do Ilan, está promovendo essa semana uma votação online para medir a popularidade dos times brasileiros na internet. Hoje de manhã o Avaí

estava com 592 votos, 0,27% do total, o que o colocava um pouco atrás do Criciúma, Joinville e Figueirense. A disputa vai até as 23:59hs de hoje e quem sabe ainda possamos virar esse jogo. A essas alturas do ano, tá valendo participar até de campeonato de cuspe à distância. Clique aqui, acesse o blog e vote na opção certa. Na certa, entendesse? (SANTOS, 2011, grifo nosso)

(12) Enquanto nossa Seleção era derrotada aqui na Alemanha, aí na terrinha descansava o amigo Pico, do Pico Automóveis, não tem? Manezinho premiado, fanático por tudo que era ligado ao futebol, ex- presidente do Avaí - triste ironia -, caiu junto com a Seleção, depois de meses heroicamente convivendo com a terrível enfermidade. Pico nos deixou exatamente no sábado, dia "D", dia da Desilusão. (MENEZES, 2006, grifo nosso)

No primeiro trecho temos o comentário de um torcedor em um blog de apaixonados pelo Avaí, time de futebol que divide com o Figueirense a torcida dos nativos da Ilha de Santa Catarina e daqueles que a adotaram. O autor dos posts, que se caracteriza como “legítimo Manezinho da Ilha”, usa frequentemente entendesse? em seus comentários, o que reflete a sua forte identidade com Florianópolis, o seu pertencimento a essa comunidade. No segundo trecho, um dos colunistas sociais mais conhecidos na cidade, ao comentar o falecimento de um amigo, também natural da cidade e reconhecidamente identificado com suas raízes, usa não tem? para dar o tom de regionalidade da notícia.

Na página de relacionamento na internet “Os Manezinho PIRA” – que, com uma boa dose de humor, trata de assuntos do dia a dia de Florianópolis, sobre sua história e aspectos da cultura da Ilha, contando até com um “Dicionário do Mané” – é comum encontrarmos memes47

com dados de tendesse?. Veja abaixo:

47

O termo meme tem origem em uma teoria de informações culturais criada por Richard Dawkins na obra The Selfish Gene (1976). No contexto da internet se refere a uma ideia que se propaga rapidamente no mundo virtual através de hiperlinks, vídeos, imagens, websites, hashtags, ou até mesmo uma palavra ou frase, sendo muito populares em redes sociais (WIKIPÉDIA, 2014).

Figura 1: Memes com dados de tendesse? Fonte: OsManezinhoPIRA (2012)

Em uma outra página – inspirada na anterior, mas voltada para o público feminino –, “As Manezinha PIRA”, também encontramos memes com o uso do mesmo marcador, como o observado a seguir:

Figura 2: Meme com dado de tendesse? Fonte: AsManezinhaPIRA (2012)

Os memes dessas páginas tratam de expressões linguísticas ou de costumes locais que são específicos de Florianópolis e muitas vezes só podem ser entendidos por quem é nativo da cidade/região ou é morador de longa data. Ao que parece, tendesse? é utilizado nos memes prioritariamente com duas funções: i) como elemento de interação com o leitor, já que o uso desse tipo de rede social prevê essencialmente a

interação – quanto maior o número de „curtidas‟ e a quantidade de „compartilhamentos‟, melhor; ii) como marca de identidade compartilhada, como se a mensagem para o leitor fosse: „tu, que compartilhas dessa cultura comigo e entendes inclusive o que tendesse? significa, sabes do que estou falando‟.

O uso de tendesse? também é encontrado na página do “Mané Darci”, personagem de um conhecido humorista da cidade que se apresenta em shows de stand-up comedy, promovendo o resgate de histórias (causos), da cultura e do modo de falar local. Veja dois exemplos a seguir:

Mané Darci 19 de Outubro

Raçaaaaaaaaaaaaaaaa, dixcutindo onti cu Ganiza discubrimo que nox temo o mexmo goxto. acreditassssss! Goxtamo de jazz, jazz copo de cana dos piquinininhozinho,Goxtamo da folha de São Paulo tombém, porque tu inrolas a tainha daí nem o rabo nem a cabeça fica de fora e o pexi ainda vai ixtudando a matéria, tendesse.

te ligaaaaaaaaaaa oooooooooooo boca mole!

Beijoca beeeeem no cantinho da boca que hoje é sexta! Mané Darci compartilhou um link.

19 de Outubro

Foi só eu falar pra mãe que minhas reclamaçons iu ser ouvidas que a RQS e o Zora me extrevistaram tendesse...

Figura 3: Dados de tendesse? em postagem em rede social. Fonte: Mané Darci (2012)

O mais interessante é que nas três páginas em que o uso de tendesse? é comum não ocorre o uso de não tem?. Em contrapartida, na página de “Odilho, Manezinho da Ilha”, humorista que também faz shows com seu personagem nativo de Florianópolis, não tem? reina soberano e é usado de forma exagerada nos „causos‟ que são postados. Veja o exemplo a seguir:

Odilho Manezinho da Ilha 18 de Agosto

Bom dia Quiridusss

O meu Face ta todo mau desorganizado, tenho tres face, mas ta tudo esgotado, nao tem? (Ate o crime e' organizado). Ja to arrumando ta quiridusss, Eu nem sei esse causo que vo conta aqui em baixo vai chegar pra voces, mas Ixpia so que rolo.... Grande Abraço a todos... Depox da minha separaçao, me envolvi cuma Viuva..., nao tem? O poblema nao foi ela, aquilo era uma pomba sem feli, nao tem? O poblema foi a minha sogra. A amarela invento de casa com meu Vodicionei, o meu filho mais velho, nao tem? Ai começo o rolo... desse relaceonamento nasceu o meu netinho amarelinho... a cosa mas quirida... Mas e' desde esse dia que eu ando doido... Ixpia, esse amarelinho e' filho do filho, nao tem?se ele e' filho da minha sogra ele tambem e irmao da minha mulhe, ele e neto e eu so cunhado dele, a minha sogra e minha nora e o meu filho e meu sogro. Olha nessa confusao o ja nem sei mas quem eu so, nao tem ? Acaba esse amarelinho sendo meu avo....mizericordia. No fim da tudo certo nao tem?

BOM DIA E SAUDE E PAZ A TODOS

Figura4: Dados de não tem? em postagem em rede social. Fonte: Odilho Manezinho da Ilha (2012)

O papel de não tem? como marca de identidade local parece ser tão evidente que o item é mencionado em matéria do Jornal Diário Catarinense sobre o significado de “ser manezinho”:

Para ser manezinho não basta ter nascido em uma das maternidades da Ilha. É preciso ter o espírito que caracteriza o ilhéu. Isso pode ser na simplicidade de viver, na forma de respeitar as tradições da terra, no jeito de falar. Como, por exemplo, dizer entisicar e não provocar. Ou terminar a frase com a expressão "não tem?" (BASTOS, 2012, grifo nosso).

Também Amante, em 1998, já assumia „com todas as letras‟ que não tem? é marca dos nativos de Florianópolis e região:

Tem até Gaúcho fazendo o nosso personagem – É BRICADEIRA ÓÓ – fazer o quê? Achamos graça do BÁH TCHÊ deles: eles também acham engraçado o

nosso OLHÓLHÓ! TÁS TOLO! NÃO TEM? (AMANTE, 1998, p. 36).

O comportamento de não tem? como marca de identidade foi notado em Valle (2001), tendo sido determinante para que o item fosse incluído em sua análise como forma concorrente de sabe? e entende? na fala de informantes da área urbana de Florianópolis48. Os resultados da pesquisa atestam que, apesar de algumas especificidades de uso, os três itens podem ser tratados como variantes, já que compartilham funções e contextos de uso.

Durante a elaboração de nosso projeto de tese, decidimos manter a inclusão de não tem? na análise, bem como observar o comportamento isolado de (en)tendesse?, mas ainda não estávamos pautados em critérios bem estabelecidos. Agora, analisando nossa decisão sob a luz dos quatro critérios que ora consideramos para a delimitação do objeto – diante da importância do critério de relevância do item para a comunidade investigada (3) e do cumprimento já atestado por Valle (2001) do critério de unidade funcional e de compartilhamento de contextos de uso (1) –, iniciamos nossa investigação dispostos a abrir mão do critério de unidade conceptual e classe gramatical de origem (2) e novamente tratar não tem? como forma variável de sabe? e entende?.

Mesmo tendo encontrado raros dados de não tem? em nosso levantamento inicial para o projeto49, acreditávamos que, pelo menos entre alguns dos informantes, este seria um item frequente e poderíamos encontrar uma quantidade de dados ainda maior do que Valle (2001) havia encontrado na amostra de fala urbana50. Lidando agora com uma amostra de fala não urbana coletada na Barra da Lagoa, comunidade pesqueira do interior da Ilha de Santa Catarina, apostávamos que o uso

48

Infelizmente, àquela época, o interesse sobre questões de identidade ainda não era foco da maioria dos trabalhos e as razões para o uso de não tem? não foram exploradas a fundo. Do mesmo modo, apesar de entendesse? fazer parte da análise como uma das formas derivadas do verbo entender, em Valle (2001) o item não foi tomado isoladamente e investigado como marca de identidade.

49

À época da elaboração do projeto de tese, como ainda não contávamos com a transcrição dos dados, ouvimos 10 entrevistas da amostra Brescancini-Valle. Como a amostra conta com 45 entrevistas, acreditávamos que os dados de não tem? ainda deveriam aparecer.

50

de não tem? seria frequente51. Contudo, surpreendentemente, as ocorrências de não tem? foram raras em toda a amostra, somando um total de apenas 14 dados52. Vejamos algumas dessas ocorrências:

(13) Eu acho que é bom a pessoa estudar, né? não pode ficar como nós no tempo, não tem? até o primário... não pode. (BARRA38FB4-13:15) (14) Se não tivesse aquele aterro. Tu tás sabendo onde é o ponto geral do

ônibus agora da Barra e de todos ponto do ônibus (est) (inint) quando para que é o terminal do ônibus, não tem? (est) aquilo ali era mar (est) aquilo ali foi aterrado. (BARRA44MB5-41:20; 41:27)

(15) E: E:: (hes) assim:: o seu pai nunca foi pescador? Porque vários [(inint)]

F: [Sim, sim,] ele:: antes de começar a trabalhar na:: na COMCAP ele era pescador... ele:: (hes) é:: trabalhava nesses barco antuneiro, não tem?... que sai lá de::... Itajaí:: fica:: no mar vários dias, meses. (BARRA04FJ9:Faixa1-02:54)

Uma das hipóteses para a baixa frequência de não tem? é a possível percepção de muitos dos falantes de que se trata de marca bastante local53 e que causa estranheza a quem não é de Florianópolis e região litorânea de Santa Catarina54.

Diante da realidade dos números, a inclusão de não tem? não se justifica, pois estaria ferindo dois dos critérios que propomos para a delimitação do objeto de estudo. Sendo assim, o item que tínhamos previsto incluir na análise (apesar de não atender ao critério (2)), principalmente visando seu papel como marca de identidade (critério

51

Minha condição de moradora da comunidade da Barra da Lagoa desde os cinco anos de idade e minha convivência com muitos dos informantes entrevistados – que usam não tem? com grande frequência em suas interações diárias espontâneas – me faziam apostar na produtividade deste item.

52

Ouvimos entrevistas da Costa da Lagoa – Amostra Monguilhott (2006) e também entrevistas da Amostra Floripa (2009; 2012), mas também nessas duas amostras os dados de não tem? se mostraram escassos.

53

Em todo o Brasil, apenas tive notícia de uma comunidade no Espírito Santo (MOZER, 2013) onde se faz uso de não tem? como RAD.

54

Em conversas informais com moradores não nativos e turistas pude perceber que não tem? realmente causa muita estranheza. Mesmo os não nativos que moram na cidade há bastante tempo relatam dificuldade para entender o uso de não tem? e se dizem incapazes de usar o item.

(3)), foi descartado pela baixa frequência de uso dos itens (critério 4) – que exploraremos a seguir.