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ITENS [1] iniciadores iniciam turnos ah,bom, bem, olha

F: Não descasca pinto (est) entende? pregou mentira que tinha torrado fava pra plantar, se era pra poder o delegado perguntar “E fava torrada

2.3 ANTECEDENTES DA PESQUISA

2.3.2 OS REQUISITOS DE APOIO DISCURSIVO DERIVADOS DE VERBOS DE COGNIÇÃO NO BRASIL

2.3.2.1 MARTELOTTA E LEITÃO: PRECURSORES NO ESTUDO DOS USOS DE SABE? E ENTENDE?

Martelotta e Leitão (MARTELOTTA; LEITÃO, 1998; MARTELOTTA, 2004)87 foram os pioneiros ao analisar o comportamento específico de sabe? e entendeu?, buscando semelhanças e diferenças entre os dois RADs e elencando algumas das funções que

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Jubran (2006), embora admita a atuação secundária de itens como sabe?, não é? e né? na finalização de tópicos, parece ter ressalvas quanto ao uso na organização tópica, já que, segundo ela, a função primária desses elementos seria a de orientadores da interação.

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Os autores analisam entrevistas realizadas pelo Grupo Discurso & Gramática com informantes da cidade do Rio de Janeiro.

tais itens desempenham no discurso oral, a depender do contexto em que se inserem.

Os autores ressaltam que saber e entender apresentam a tendência, também vista entre os demais verbos de cognição e de percepção, de ter seu uso estendido para funções metalinguísticas, apresentando perda de valor lexical e ganho de função pragmático- discursiva. Em posição inicial de interrogações plenas (Sabe o que é Word Star? Entendeu o que eu falei?), esses itens assumem novas funções discursivas (interrupção/reformulação da informação, marcação de informação de fundo, preenchimento de pausa, topicalização de constituintes e de elementos sequencializadores, modalização) rumo a uma abstratização crescente; e novas formas, com perda de massa fônica (enfraquecimento da última sílaba em sabe? e perda da primeira sílaba em entendeu?) e com mudança de posição no enunciado. O exemplo a seguir ilustra o uso desses RADs na função de marcadores de comentário de fundo:

(40) [...] o que aconteceu... foi com uma amiga minha... ela... namorava um rapaz... há/ namorou um rapaz há três anos... eh... um menino... (eu não sei) não posso revelar... aí... ela/ é aquilo... maior paixão... entendeu? mas... tinha uma coisa que... sempre... implicava com eles dois... não sei o que era... eu acredito muito em destino... sabe? eu acho que... as pessoas... eh... quando têm o destino traçado... é aquilo... aí ela namorou ele/ ela namorou esse rapaz há três anos... ela desmanchou com ele... (MARTELOTTA, 2004, p. 100).

A multifuncionalidade de tais elementos e a sobreposição de funções também foi destacada por Martelotta (2004) ao afirmar que sobre sabe? e entende? paira a macrofunção de viabilizar o discurso e que as demais subfunções derivam dessa macrofunção maior e podem, inclusive, coocorrer e se sobrepor. Esse, segundo o autor, é o caso do exemplo abaixo, em que entende? funcionaria, ao mesmo tempo, como marcador de fundo, marcador de tópico e marcador de reformulação:

(41) ...essa empresa aqui que é onde é que eu... faço estágio... era... Portobrás... vou te dar um exemplo... era Portobrás...tá? o Collor extinguiu... entendeu? extinguiu... aí passou a se chamar Portos... quer dizer... foram vários funcionários embora... pessoas boas... entendeu? foram mandadas embora... e agora o que que acontece? aqui é... uma empresa até::... muito política... (MARTELOTTA, 2004, p. 99)

Além das funções de caráter mais textual, o autor verifica que, através de um movimento funcional de menor para maior abstratização, os itens em análise podem assumir as características de um preenchedor de pausa, encaminhando o fluxo conversacional para não perdê-lo ao executar uma pausa, como ilustrado abaixo:

(42) ... mas que adianta um casamento tão lindo... gastam tanto... pra no final eh... viv/ fica dois... três dias... depois se separam... entendeu? eu acho isso aí um absurdo... porque... poxa... eu sei lá... sabe? num né? a vida ::/ tudo bem... está tudo difícil... mas a pessoa... eu acho que a pessoa tem que saber... diretamente aquilo que quer... (MARTELOTTA, 2004, p. 101)

Os dois RADs se diferenciam, segundo os autores, em relação ao tempo verbal – sabe? no presente e entendeu? preferencialmente no pretérito perfeito, fato que eles explicam através do conceito de telicidade88; e em relação à quantidade de informação a que cada um pode se referir anaforicamente, resultado da trajetória de abstratização dos verbos de origem – sabe? ligado semanticamente ao sintagma anterior e entendeu? referindo-se inclusive a trechos discursivos mais amplos.

Apesar do caráter funcionalista e qualitativo da pesquisa, Martelotta e Leitão (1998) realizaram um controle quantitativo apenas da frequência de uso de sabe? e entendeu?89 entre os informante do corpus D&G, verificando que os RADs são utilizados apenas por metade dos informantes analisados (47 dos 93 informantes considerados) e encontrando um total de 120 ocorrências de sabe? e 163 de entendeu? (42% e 58%, respectivamente). Tomados em conjunto, os dois RADs ocorrem com maior frequência em relatos de opinião. Isoladamente, sabe? prepondera em contextos de narrativa de experiência pessoal e descrição de local, enquanto entendeu? é mais

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Conforme Martelotta (2004), a pergunta plena que dá origem ao MD sabe? representa uma situação atélica (sentido de ter conhecimento), enquanto a situação que origina o marcador entendeu? é télica (sentido de receber conhecimento, o que implica um ponto terminal). Sendo o aspecto télico quantitativamente mais marcado no pretérito perfeito, é natural que o verbo „entender‟ apareça predominantemente nesse tempo.

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Na amostra do Rio de Janeiro, esses itens praticamente não apresentam variações na forma, tendo sido registradas apenas duas ocorrências de entende?, além da forma predominante entendeu?.

recorrente em relatos de opinião, relatos de procedimento e em narrativas recontadas.

A respeito da trajetória de mudança de sabe? e entende?, Martelotta e Leitão (1998) e Martelotta (2004) distinguem operadores argumentativos de marcadores discursivos e incluem no processo de mudança via gramaticalização somente os primeiros, itens como agora, apenas, mal – que apresentam maior regularidade em termos de usos e são mais voltados à organização textual. Eles optam por explicar o processo de mudança de sabe? e entendeu? via discursivização (Cf. VINCENT; VOTRE; LAFOREST, 1993), pelas seguintes razões: a) o caráter pragmático-discursivo das funções desses itens, mais subjetivas e de difícil caracterização estrutural; b) a sobreposição e a fusão das funções dos MDs; c) a dificuldade de indicação de trajetórias de mudança lineares, dada a possibilidade de derivações em múltiplas direções. Os pesquisadores afirmam que a ocorrência de entendeu?, sem resposta direta do interlocutor, evidenciaria um ponto intermediário de abstratização entre pergunta plena e marcador, já sabe? teria assumido mais claramente as novas funções, refletindo valores mais abstratos e encontrando-se num estágio mais avançado de mudança.