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REQUISIÇÃO DE APOIO DISCURSIVO: FORÇAS EM COMPETIÇÃO

F: Assim como Jesus foi perseguido, né? na palavra de Deus ou que ele né? teve uma perseguição hoje em dia eu sou perseguido,

2.1.4 MDS E IDENTIDADE

Estudos recentes têm apontado, em maior ou menor grau, para a atuação de unidades discursivas como marcas de identidade que em alguns casos podem chegar a funcionar como marcas de identidade semelhantes a certos usos fonológicos. (MENDOZA-DENTON, 2002; BEECHING, 2007; BUCHOLTZ, 2009; NÚÑEZ, 2011; CARRANZA, 2012; BENTES; MARIANO, 2013).

Beeching (2007), analisando o comportamento de um pequeno grupo de MDs, sugere que o uso de alguns desses itens em francês pode estar sendo regido por aspectos identitários. A autora associa o uso de enfin, quoi e bon a uma identidade moderna, já c’est-à-dire é associado a uma identidade de tradição, enquanto os demais MDs, hein, quand même e si vous voulez, apresentam-se neutros. Em variedades do espanhol: Bucholtz (2009) assinala que o uso de güey por homens jovens mexicanos pode ser entendido a partir de um olhar sobre a identidade; Núñez (2011)34 associa o uso de ¿cachái? à identidade de grupo de homens jovens chilenos; Carranza (2012) relaciona o uso de certos MDs a determinados grupos de falantes argentinos – pronto ligado a adultos seguidores da moda em grandes centros urbanos, o sea empregado por personagens caricaturescos, ¿si? (em posição final) associado aos jovens e nada ligado a uma identidade jovem, atualizada e despreocupada de grandes cidades argentinas.

Tal associação entre MDs e certos grupos de falantes tem se mostrado produtiva, contudo, ainda mais interessantes são alguns raros trabalhos que começam a explorar o uso de partículas discursivas como índices de identidade.

Nessa direção, Bucholtz (2009)35 conclui que o uso de güey (cara) entre rapazes mexicanos não está somente associado a um comportamento de sexo/gênero ou à construção de uma identidade masculina, como outros trabalhos afirmaram. Associado a outros recursos semióticos como a prosódia, o gesto, a postura, o vestuário, o

retratam a fala, como depoimentos de testemunhas – permitem a análise diacrônica de alguns MDs.

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O trabalho de Núñez é um pouco mais explorado na seção 2.3.1 deste capítulo.

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A autora ressalta que a sociolinguística deve estar atenta ao exame das práticas interacionais e às representações ideológicas quando o interesse é investigar o uso de recursos linguísticos indexando posturas, estilos e identidades.

interesse por certos tópicos discursivos e por certos bens de consumo (como celulares e câmeras), güey é usado pelos jovens mexicanos para algo maior: “ [...] estabelecer status e solidariedade em relação ao seu grupo social”36 (p. 165).

Trata-se de uma mudança sutil, mas que ressalta ainda mais a relação entre MDs e identidade. Para Carranza (2012), “a associação regular de um marcador com certa tarefa discursiva e certo alinhamento em relação ao destinatário, que são típicos de um papel ou de uma identidade social, eventualmente transforma o marcador em um índice que evoca esse papel ou identidade”37

(p. 32). Como índice38, tal marcador, combinado com outros recursos (linguísticos ou não- linguísticos) pode tornar-se responsável por evocar indiretamente certos aspectos da identidade do falante e de sua relação com seus interlocutores que estão além do momento de interação, em níveis macrossociais (ideológicos, por exemplo), ou seja, que vão além das camadas de significado social que se estabelecem no aqui e agora. Cabe destacar que a autora entende os MDs como itens multifuncionais que atuam em diferentes planos discursivos simultaneamente, portanto, seu ganho em termos de significado social não inviabiliza suas funções nos demais níveis.

No Brasil, merece destaque o trabalho de Bentes e Mariano (2013) sobre a linguagem dos manos, que analisa, com atenção para aspectos identitários, os MDs usados pelo rapper Mano Brown em três contextos distintos – fala pública, depoimento no carro para uma jornalista e entrevista televisiva sobre temas sociais – e os MDs usados por Mano Brown e outros dois rappers em discussão informal entre amigos sobre tema controverso, encontrando desde MDs sequenciadores (como então, tipo assim, mas, aí, agora, daí, entre outros) até MDs orientadores da interação (como ó, sabe, ah, entendeu?, pô, né?, tá ligado?, certo?, morô?, firmeza?, entre outros).

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“[…] to establish both status and solidarity in relation to their social group”

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“[...] la asociación regular de un marcador con cierta tarea discursiva y cierto alineamiento respecto del destinatario, que son típicos de un rol o una identidad social, eventualmente transforma al marcador en un índice que evoca ese rol o identidad.”

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Para tomar os MDs como índices de identidade, Caranza (2012) se pauta no conceito de “indícios de contextualização” (GUMPERZ, 1982), segundo o qual certos recursos gramaticais, lexicais, prosódicos, estilísticos, gestuais, etc. podem evocar contextos que fazem com que o texto interacional seja interpretado de uma determinada maneira.

Dentre todos os MDs analisados pelas autoras, tá ligado? é aquele que apresenta os resultados mais interessantes, tendo seu uso associado a aspectos identitários e também estilísticos. Comparando-se as quatro situações comunicativas, tá ligado? é o MD mais usado em contextos informais como é o caso do depoimento e da discussão entre amigos, em que Mano Brown se apresenta mais relaxado. Outro aspecto relevante em relação a esse MD é a observação das autoras sobre as diferenças de uso entre os três rappers (Brown e seus colegas Ferréz e MC Ylsão): o uso de tá ligado? é muito frequente entre os dois rappers expostos à mídia (Mano e Ferréz) e parece ter forte marcação identitária entre eles, mas não é usado por MC Ylsão (menos exposto à mídia). Para explicar tal comportamento, as autoras levantam a hipótese de que “embora iconizado por figuras públicas, o MD tá ligado? não é tão usado por aqueles membros do grupo social que ele supostamente indicia” (p. 156). Por fim, as autoras, sugerem que o uso de tá ligado? e a alta frequência dos MDs em geral poderiam ser tomados entre as características dos registros populares urbanos paulistas.

Veremos na seção seguinte que, entre os RADs em análise nesta tese, entendesse? é o que parece estar mais associado a aspectos identitários locais e acreditamos que esta atuação possa ter influência sobre o uso e o percurso de mudança desse item.

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Sumarizando nossas discussões, cabe salientar que, a partir da perspectiva de Schiffrin (1987, 2001), tomamos os MDs como itens multifuncionais que, atuando simultaneamente em vários domínios comunicativos (no cognitivo, no textual, no social e no expressivo), contribuem para a coesão e a coerência discursiva. Em nossa análise, levamos em conta o importante papel do significado do item fonte e do contexto de uso, linguístico e situacional, para o estabelecimento das funções dos MDs nos vários domínios discursivos. Além disso, lançando olhar atento para os recentes trabalhos centrados na relação entre MDs e identidade, consideramos o possível papel dessas partículas discursivas como marcas/índices de identidade que podem estar associadas a certos grupos de falantes e contribuir para evocar aspectos identitários.