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Tendência III: significados tendem a ser gradualmente mais situados nas crenças, estados/atitudes subjetivas do falante em relação à situação.

3.3 INTERFACE SOCIOFUNCIONALISTA

Nas seções anteriores temos ressaltado a progressiva extensão do paradigma de análise variacionista para níveis discursivos. Tal extensão tem gerado alargamentos nos critérios e métodos da TVM, abarcando cada vez mais aspectos funcionais. Vimos que o critério laboviano de mesmo significado representacional tem sido substituído pelo critério de

comparabilidade funcional para que itens discursivos possam ser tomados como variantes em um mesmo domínio funcional.

A natureza multifuncional dos itens discursivos também tem se constituído como um complicador para análises variacionistas, exigindo descrições funcionais qualitativas cada vez mais detalhadas a fim de fornecer as ferramentas necessárias ao pesquisador para que: a) recortes mais precisos possam ser feitos para o tratamento variável; b) o funcionamento dos itens discursivos possa ser estudado de forma mais abrangente, na medida em que a multifuncionalidade dos itens pode ser quantificada através da testagem de variáveis independentes de natureza funcional (PICHLER, 2010).

Pichler (2010) e Torres-Cacoullos (2001) concordam que descrições consistentes de variáveis discursivas devam levar em conta os diferentes significados desenvolvidos pelos itens ao longo de sua gramaticalização e permitir quantificar a variação funcional, além de nos fornecer evidências sobre a mudança. Trabalhos dessa natureza têm sido realizados visando a uma descrição mais ampla de itens discursivos, ao mesmo tempo em que contribuem para a construção de uma interface teórico-metodológica que integra a TVM e a abordagem funcionalista, dando destaque ao processo de gramaticalização.

É justo dar o devido destaque à pesquisa de Tavares (2003) sobre a GR de e, aí, daí e então e sua variação no domínio funcional da sequenciação retroatiovo-propulsora de informações que, mesmo com foco um pouco mais específico na GR – inova ao explorar em profundidade os aspectos teórico-metodológicos convergentes e divergentes entre as duas abordagens, dando passos largos em direção à interface sociofuncionalista.

A título de ilustração, o trabalho de Valle (2001) também se propõe a integrar as duas teorias, ainda que de uma perspectiva sincrônica, para descrever a multifuncionalidade, as trajetórias de mudança e o uso variável de sabe?, entende? e não tem?.

Destacamos, ainda, a pesquisa recente de Rost-Snichelotto (2009), que analisa os MDs olha e vê (e suas formas variantes) – derivados de verbos de percepção –, os quais, tais como os itens que analisamos na presente tese, carregam forte carga interacional, sendo usados no discurso oral com a macrofunção de chamada da atenção do ouvinte. Utilizando amostras sincrônicas do Banco de Dados VARSUL e também amostra diacrônica de peças teatrais escritas nos séculos XIX e XX por escritores catarinenses, a pesquisadora lida com o percurso de gramaticalização, com a multifuncionalidade e a variação desses elementos, atestando que olha, item mais recorrente no conjunto de suas

realizações191 e com maior esvaziamento semântico, é também o mais avançado no processo de mudança.

Na tentativa de estabelecer bases mais sólidas para uma interface sociofuncionalista, as aproximações têm evidenciado muitos pontos em comum entre as duas abordagens: a) a primazia da língua em uso; b) a onipresença da variabilidade; c) o lugar de destaque dado à mudança, vista como contínua e gradual; e) a integração de análises sincrônicas e diacrônicas; f) a crença que que as forças linguísticas e sociais que motivam a mudanças permanecem e, portanto, a partir de dados sobre o comportamento atual das formas, é possível fazer projeções sobre o passado; g) o importante papel da frequência de uso para a rotinização e difusão de formas inovadoras; h) a relação entre fenômenos linguísticos e a sociedade; i) a importância dada a fatores de natureza interacional na mudança linguística; j) a aposta na existência de forças em competição para a mudança (Cf. POPLACK, 2011; TAVARES; GÖRSKI, 2012)192.

Mesmo em pontos focais em que as conexões entre as teorias não são tão óbvias, é possível estabelecer diálogos. De um lado, funcionalistas se interessam pelos vários estágios da mudança, incluindo sua emergência e disseminação (HOPPER, 1987, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003; TRAUGOTT; DASHER, 2003; HEINE; KUTEVA, 2007, entre outros); de outro lado, análises variacionistas têm historicamente se focado apenas na disseminação da mudanças e não em suas causas (LABOV, 2006 [1966], 2008 [1972], entre outros).

Tavares e Görski (2012) atribuem essa diferença entre as abordagens aos interesses centrais de cada teoria: o funcionalismo colocando foco na multiplicidade de funções que um dado item pode desempenhar e a sociolinguística interessada nas várias formas que competem para codificar o mesmo significado/função.

Ainda assim, tais diferenças não se constituem em barreiras para a conciliação teórica. De uma perspectiva funcionalista, pesquisadores (LICHTENBERK, 1991; VINCENT; VOTRE, LAFOREST, 1993; CASTILHO, 1997, entre outros) têm ressaltado o caráter cíclico e contínuo da relação variação-mudança-variação: i) uma forma, após processo de mudança, passa a disputar espaço (a variar) com outra

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A autora utiliza a forma olha como uma macroforma, mas em sua análise considera todas as realizações do item: olha, olhe, olha lá, olhe lá, olha só, olhe só, mas olha, mas olhe, pois olha, pois olhe. Também faz o mesmo para vê: veja, vejas, vê, veja bem, vê bem, veja só, vê só, vê lá.

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Mais detalhe em Tavares e Görski (2012) que fazem uma comparação teórica detalhada entre as duas abordagens.

forma em um mesmo domínio funcional; ii) tal estado de variação pode impulsionar um dos itens a novos processos de mudança, fazendo cessar temporariamente a variação naquele domínio até que novas mudanças ocorram, em um processo cíclico e no qual não há precedência entre variação e mudança.

A pesquisa de Vincent, Votre e Laforest (1993) sobre as formas par exemple e mettons no francês de Quebec ainda continua a ser uma ótima ilustração para a natureza cíclica dos processos de variação e mudança. Vejamos a figura a seguir:

MUDANÇA VARIAÇÃO MUDANÇA