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8 Conhecer o museu

8.1 A escola vai ao museu

Na organização do Projeto Pergunta ao Tempo, há um encontro inicial no museu para falar com os coordenadores do 1º ciclo, sendo um por agrupamento. Cada um desses realizou, posteriormente, uma reunião com os professores, definindo entre eles um professor do 4ºano que participaria do projeto representando o agrupamento.

Os professores e a turma têm o primeiro contato efetivo com o projeto, até então restrito a telefonemas e e-mails com o serviço educativo, na primeira visita à Casa da Memória. Essa visita ocorre com transporte disponibilizado pela Câmara e de forma totalmente gratuita, incluindo o ingresso ao museu e participação na oficina. É nesse momento, também, que ficam a par da temática, entre as 07 (sete) definidas, que trabalharão. Inicialmente, para aguçar a curiosidade, logo que entram, são instigados a refletirem com o mediador sobre a razão do nome da instituição Casa da Memória:

“Onde se guardam as memórias?” Alguns responderam na cabeça, em fotos e em caixas. Raul questionou: “-Onde atualmente mais se guardam as memórias?” Responderam no telemóvel, computador, internet. Raul falou

que a Casa da Memória é um desses locais, que se guarda a história, o passado, o que foi e é importante para Guimarães. (Extraído das Notas de Campo. Guimarães, 14 de novembro de 2017. Local: Casa da Memória). Esse primeiro contato do mediador com as crianças é importante para que seja despertado o interesse pelo espaço e temática, de maneira que sejam estabelecidas relações entre o passado e o presente e, também, entre o mediador, o professor e as crianças; tudo para que seja um momento significativo. Esse estabelecimento de relações entre o passado e o presente é enfatizado a todo momento, de maneira que as crianças possam relacionar o que conhecem com o espaço museológico. “A ação educativa deve ser apresentada de uma forma descontraída, interessante para que o aluno que ali estiver, saiba que é um local de cultura, mas também de grande ludicidade” (COSTA; WAZENKESKI, 2015, p. 67).

A todo momento, durante o projeto, foi apresentado aos alunos e aos professores que a temática era sorteada; no entanto, ela é escolhida por membros do serviço educativo, com base em informações que obtiveram em uma pesquisa prévia sobre a comunidade em que a escola está localizada. Esse primeiro momento na Casa da Memória é organizado pelo mediador a partir dessas informações, de modo a direcionar a visita para a temática atribuída àquela escola e de maneira que essa não seja repetida caso outra escola da mesma freguesia houvesse participado do projeto na edição anterior. Para o mediador Raul, responsável por essa primeira visita ao museu, a preparação envolve muita pesquisa “porque cada aldeia tem as suas especificidades. [...] Que edifícios notáveis é que lá tem, que é para também não ir de mãos vazias e, depois, eles não entenderem nada do que é que eu vou para lá dizer” (Raul, mediador, Apêndice O).

Hernández (2000, p. 180) enfatiza que “apresentar exemplos retirados da cultura que nos cerca tem a função de fazer com que se aprenda a interpretá-los a partir de diferentes pontos de vista, favorecendo a tomada de consciência dos alunos sobre si mesmos e sobre o mundo”. Para o autor, são questões que devem envolver um Projeto de Trabalho e que não é fácil de integrar essa “cultura” na escola pois se trata de um confronto, talvez um encontro, entre o conhecimento popular e científico. É preciso pensar qual é a relevância da relação desses conteúdos para as crianças e o que elas estarão aprendendo a partir daí.

Para todas as escolas, sempre foi mencionado que a temática seria sorteada, mas efetivamente isso não ocorreu e a atribuição de um tema pelo serviço educativo foi justificado pela coordenação: “percebemos ‘Olha, isto, se calhar, não vai ser nada giro porque isto vai fazer com que, por um lado não tenhamos nada preparado para os grupos [..] e esta visita

podíamos aproveitar que ela fosse já mais direcionada para o tema deles’” (Marta Silva, coordenadora, Apêndice Q).

Essa visita, seguida de oficina, foi o momento de ressaltar as possibilidades, fomentar a curiosidade dos professores e estudantes, dar subsídios para os primeiros passos no projeto, mas também direcionar as turmas para alguns pontos pretendidos pelo serviço educativo. “Logo no primeiro contato, nós demos logo pistas para os professores poderem trabalhar, que isso também me pareceu que era bom. Era melhor porque os deixava mais seguros, percebes? Ter já assim algumas ideias. [...] Acho que isso ajudou muito” (Marta Silva, coordenadora, Apêndice Q).

Uma das possibilidades a ser repensada no desenvolvimento do projeto seria a atribuição do tema às escolas, para que este fosse anteriormente acordado entre professores e o serviço educativo, e até incluindo os estudantes, dando voz aos participantes, de maneira que efetivamente se iniciasse uma parceria entre ambas instituições. É importante que essa primeira visita e oficina ao museu “não sejam relegadas apenas à responsabilidade dos museus. É aconselhável que essas obras não comecem e terminem com a experiência no próprio museu, mas que elas sejam parte de um projeto pedagógico que as inclua e que elas tenham um torque sentido” (SERULNICOFF, 1996, p. 294) 38.

Um dos núcleos temáticos atribuídos a uma das escolas para desenvolvimento no projeto gerou a desistência de uma professora, possivelmente somada a outros fatores. Essa dificuldade já foi percebida por membros do serviço educativo, quando na entrevista relataram: “alguns temas são bastante complexos. “Utopias e Distopias”, por exemplo… Aquilo para explicar uma coisa destas aos miúdos é muito complicado. Os professores ficam logo em pânico” (Raul, mediador, Apêndice O).

Uma das nossas questões era saber como esse contato entre a escola e museu poderia influenciar nos hábitos culturais das crianças, e se a visita ao museu como parte do projeto seria o primeiro contato das crianças com esse espaço. Bourdieu (1998) esclarece que a precoce familiarização com espaços culturais, por meio da família e da escola, é fundamental para o contato e a familiarização com espaços considerados cultos “a maioria dos visitantes faz sua primeira visita ao museu antes da idade de quinze anos e a parte relativa das visitas cresce, regularmente à medida que se eleva na hierarquia social” (BOURDIEU, 1998, p. 60).

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no quedan relegadas solamente a la responsabilidad de los museos. Es aconsejable que estos trabajos no empiecen y terminen con la experiencia en el museo mismo sino que formen parte de un proyecto pedagógico que las incluya y que leso torque sentido (SERULNICOFF, 1996, p. 294).

A relação entre museu e escola também é reforçada por Duarte (1993, p. 09), que propõe que ela “deve começar na infância. A educação pela Arte deve fazer parte da formação integral de um aluno: ela desenvolve a sua sensibilidade e desperta-o para tudo o que o rodeia, diversificando a sua cultura e aguçando a sua capacidade criativa”.

Tendo em vista esses questionamentos, tal como os estudos de Bourdieu e Duarte, uma das questões abertas de avaliação com os estudantes foi: Quem já foi em um museu ou numa exposição de arte? Foram com quem?

Dos 122 (cento e vinte e dois) estudantes de Guimarães que participaram da avaliação, apenas 01 (um) respondeu que não havia ido ao museu antes de conhecer a Casa da Memória; os demais responderam que já haviam visitado outros espaços. Quando questionados com quem teriam ido, 88 (oitenta e oito) responderam que com a escola, seguidos de 24 (vinte e quatro) alunos que responderam terem ido com a família. Pelos resultados, percebe-se que a escola ainda é a instituição responsável por grande parte da aproximação e visitação aos museus, promovendo seu primeiro encontro.

Pela breve pesquisa com os estudantes, percebe-se que o hábito de frequentar espaços museológicos ainda não foi incorporado pelo seio familiar, mesmo quando residem na cidade de Guimarães, em que há outros museus e espaços culturais, e aos domingos, no período da manhã, o acesso seja livre. Isso remete aos estudos de Bordieu e Darbel (2007) sobre hábitos culturais nos museus, nos quais concluem que nem mesmo a gratuidade de ingressos era suficiente para mudança de hábitos culturais e frequência aos museus. Dessa forma, a educação se apresenta como o único meio possível de mudança.

Para Bourdieu (2008), o hábito de ir ao museu tem relação com o capital cultural a que cada indivíduo teve acesso, seja por intermédio da família e/ou da escola. No entanto, para o autor, a família tem um papel maior nessa relação. Os hábitos e as perspectivas de cada indivíduo são únicos, e essas experiências, como participar de projetos de parceria entre museu e escolas, bem como essas visitas, são parte de um conjunto mais complexo que formam o Habitus do homem, termo usado por Bourdieu (1983) para designar:

um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas (BOURDIEU, 1983, p. 65).

Essa perspectiva visa atrair o público escolar ao museu e construir o “público do amanhã”, em um discurso reprodutivo, conforme Mörsch (2009), em que a pretensão é introduzir conhecimentos da arte para determinados grupos a partir do discurso já construído e

consolidado pelos museus, que exalta seu espaço como de salvação e validação de bens patrimoniais ou artísticos, reafirmando e exaltando o espaço como sagrado, acima do bem e do mal. Há um conjunto complexo de ações e reações nessas ações e discursos que não podem ser previstas, nem medidas a curto prazo.

Há pesquisas que confirmam a influência que a escola e a família exercem sobre a aquisição do capital cultural e a construção do habitus. Uma delas foi realizada por Moreno (2007) com o público escolar em um museu em Belo Horizonte, no Brasil, e concluiu que:

(1) o interesse por museus está associado as experiências de visitação em família; (2) há diferenças entre a visita com a escola e com a família; (3) o museu é prioritariamente tido como espaço de aprendizagem; (4) independente do capital cultural, a experiência de visitação significativa em museus é aquela que desperta interesse e entusiasmo (MORENO, 2007, p. 01).

Outra pesquisa, tendo como foco o hábito cultural de frequência em museus por universitários portugueses, realizada por Fróis e Silva (2016, p. 17), concluiu que apenas “18.5% dos inquiridos não realizaram qualquer visita a museus nos últimos 12 meses. As razões mais aludidas pelos que não visitaram um museu no último ano foram a ‘falta de oportunidade’ e a ‘falta de tempo’”. Já os que realizaram visitas, fizeram-no com a possibilidade de aumento de capital cultural:

A visita a museus no passado revela que as práticas culturais dos inquiridos combinaram uma dimensão formal, associada à escola, com uma dimensão social e de lazer, implícita nos encontros potenciados pelos amigos e pelos pais. A participação na programação dos museus foi concretizada predominantemente através das visitas guiadas, seguida das atividades multimédia e em ateliês de vários tipos (FRÓIS E SILVA, 2016, p. 16). A diretora da Casa da Memória também comentou que essa relação de hábitos culturais, no que se refere ao patrimônio que seria sua especialidade e ao local em que atua, ainda é difícil de mapear e, consequentemente, de construir ações que poderiam alterar esses hábitos. Ela cita como exemplo a frequência de um dos monumentos mais antigos de Guimarães, o castelo, que recebe anualmente milhares de visitantes, sendo que muitos dos próprios habitantes da cidade nunca o visitaram.

há meninos e famílias que nunca vieram ao castelo de Guimarães, mesmo ele tendo setecentos mil, ou por aí, de visitantes ao final de cada ano. O que é que se passa? É muito difícil de perceber qual é, qual é, realmente, a importância da existência dos monumentos (Catarina Pereira, diretora, Apêndice P).

Por isso, caberia a realização de uma pesquisa mais ampla, a ser realizada após várias edições do projeto, para saber como a ida ao museu e a participação em projetos dessa

natureza efetivamente influenciam em hábitos culturais relacionados ao museu, e se, além dos números que os grupos escolares inflam em planilhas do museu, que parte realmente seria equivalente a visitantes recorrentes, influenciados pelo capital cultural adquirido a partir de ações entre escolas e museus.