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O TRABALHO E OS SABERES DO TRABALHO

2.5 A estratégia da Saúde da Família na atualidade

A formulação e a implantação do PSF nos seus primeiros anos de existência suscitaram inquietações e críticas diversas, principalmente quanto à real alteração das tradicionais formas de atenção à saúde. Segundo Paim (2001, p. 144), o processo de Reforma Sanitária “valorizou certos componentes do sistema de serviços de saúde tais como o financiamento, a gestão, a organização e a infra- estrutura. Contudo, a questão do cuidado, inscrita nos modelos de atenção, foi secundarizada”.

Tendo em vista os aspectos políticos envolvidos no processo de mudança, o PSF foi alvo de críticas quanto ao seu provável caráter de focalização - conforme propostas do Banco Mundial - e o Programa considerado como um sistema de saúde pobre para os pobres. Paim (2001, p.145) assinala que o Programa emergiu em um contexto de crise e racionalização dos gastos e priorizou as ações de saúde com baixa incorporação tecnológica, mostrando-se como uma “política de ajuste estrutural com estabilização monetária, ou seja, a saúde da moeda e não a saúde da população.”

Apesar da grande polêmica gerada no campo da Saúde Coletiva, por ocasião da implantação da Saúde da Família, observamos que o Programa vem se afirmando como processo instituinte, capaz de contribuir para a mudança do modelo assistencial do SUS. Vale notar que a partir de 1998, os documentos do Ministério da Saúde passam a caracterizar o PSF como estratégia e a pontuar seu potencial estruturante dos sistemas municipais de saúde, capaz de promover a expansão e a qualificação da atenção básica no país.

Em linhas gerais, hoje são mais de 100 milhões de brasileiros atendidos na rede. Além da ampliação do acesso, ocorreu uma melhoria dos indicadores de saúde, a expansão do trabalho direto e indireto no setor, criação de dispositivos de

gestão e avaliação dos serviços, bem como dos Pólos de Educação Permanente, visando a capacitação dos profissionais (BRASIL, 2005).

No bojo da reforma, embora tenha sido concentrado todo o esforço em desenhar e planejar mudanças macroestruturais, verifica-se que estas ainda não foram suficientes para atender aos ideais definidos pelo SUS de acesso universal aos serviços. Assim, um dos maiores desafios atuais do Programa continua sendo a dificuldade de integração da Rede Básica com o restante do sistema de saúde, isto é, de produzir aberturas no nível secundário (atenção ambulatorial especializada) e pontes com o nível terciário (atenção hospitalar) redefinindo, qualitativamente, o modelo de atenção à saúde (PAIM, 2001; FRANCO e MERHY, 2004; BRASIL, 2004a; BELO HORIZONTE, 2006a). Segundo avaliação do Ministério da Saúde

os resultados demonstraram que o apoio diagnóstico e a referência para atenção especializada ainda foram insuficientes para garantir a resolubilidade e a continuidade da atenção às populações assistidas pelo Programa Saúde da Família. A falta de equidade no acesso entre estados e regiões reitera a situação já conhecida da oferta desordenada dos serviços de maior complexidade e aponta para a necessidade de estruturação da rede do SUS implementando o controle e a regulação do sistema. (BRASIL, 2004a, p. 33)

Sem conseguir estabelecer essas pontes com outros serviços, a Rede Básica não tem sido a porta de entrada mais importante para o sistema de saúde, conforme a proposta de atenção integral. A entrada principal continua sendo o hospital, através dos seus serviços de urgência e ambulatórios.

Buscando conhecer algumas características do trabalho do PSF no país, segundo a ótica dos trabalhadores e gestores envolvidos, Scherer (2006) realizou revisão das publicações científicas no período de 1997 a 2003 da qual pinçamos alguns dos obstáculos apontados. Um dos enfrentamentos mais citados no cotidiano da estratégia da saúde da família refere-se às limitações de recursos e às condições de trabalho, por vezes incompatíveis com as necessidades locais, gerando insatisfações e aumentando o nível de tensão entre trabalhadores e usuários. A alta rotatividade dos profissionais, principalmente dos médicos, foi apontada como fator dificultador para o desenvolvimento das propostas. Em alguns locais pode ser

observada a coexistência do modelo tradicional com o novo e a hegemonia médica expressa como questão limitante para a transformação do modelo. Estudos mostraram, ainda, o problema da normatização excessiva do PSF, bem como a necessidade de mudança na formação acadêmica dos profissionais de saúde, além da inadequação de alguns deles em relação às propostas do Programa, dentre outros.

Nesse sentido, segundo Benevides e Passos (2005) várias iniciativas governamentais foram delineadas, buscando melhorar a qualidade de vida no trabalho e na atenção ao usuário, mas não atingiram os modus operandi, pois os modelos de atenção e de gestão instituídos contrapunham-se às propostas humanizantes de atendimento. Conforme Campos (1994, 2005) a burocratização, o embrutecimento das relações interpessoais no SUS e, em alguns casos, o baixo grau de envolvimento das equipes em sua tarefa de produção da saúde evidenciavam uma degradação dos serviços, em que, no geral, as pessoas eram reduzidas a objetos, a serem manipulados.

Verificamos que a realidade do trabalho no PSF determina dificuldades comuns aos trabalhadores em diferentes locais e situações. Muito se publicou sobre este tema, mostrando a complexidade dos fatores sócio-político-organizacionais que a mudança engloba e que temos, ainda, muitos caminhos a percorrer para alcançar os princípios almejados no SUS.

Assim, para se concretizar o novo modelo assistencial centrado no sujeito - seja ele o usuário ou o trabalhador - é necessário re-significar o processo de trabalho, na perspectiva da autonomização desse sujeito, valorizando sua subjetividade, seus saberes e sua relação no processo. Daí a relevância de um estudo que busca desvelar os saberes mobilizados e construídos num processo de trabalho que se renova.

CAPÍTULO 3

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