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OS SABERES DO TRABALHO NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA

5.1 O saber formalizado dos profissionais da Saúde da Família

5.1.2 A formação da Agente Comunitária de Saúde

Sem entrar no mérito das políticas públicas de formação de pessoal da área da saúde, não podemos deixar de apontar uma grande contradição na criação de uma nova categoria de trabalhadores, os agentes comunitários de saúde - ACS, a princípio sem qualificação alguma para a área, ao mesmo tempo em que se conquistava, após longa campanha, a profissionalização da atendente de enfermagem.

Embora com perfil e atribuições diferentes, a criação deste profissional parecia ser uma repetição da conhecida estratégia de contratação de mão de obra barata para o campo da saúde, uma estratégia do governo de redução de custos e

precarização do trabalho (PIRES, 2000). Os ACS foram contratados pelas Prefeituras Municipais por meio de terceirização de pessoal, com baixa remuneração; uma ação que refletiu as incongruências da gestão política de saúde (PIRES, 2000; PAIM, 2001). Mais uma vez, as diferenças na formação estratificam as categorias de trabalhadores facilitando estratégias diversas de gestão, mostrando as incoerências das políticas de recursos humanos.

A situação dos ACS, ainda hoje, é motivo de debates e de luta da categoria e se configura como um campo de disputa de diferentes projetos relativos às concepções de trabalho, educação e saúde. Desde as primeiras contratações, até os dias atuais, muitas mudanças vêm ocorrendo21.

Dentre os avanços conseguidos, destacamos a Lei 10.507 de 2002, que instituiu a profissão de ACS (BRASIL, 2002), determinando que esses trabalhadores tivessem o ensino fundamental completo – excetuando-se os que já exerciam essa ocupação antes daquela data – devendo, também, concluir um curso de qualificação básica, classificada como de nível básico da educação profissional, portanto, não regulamentada (MOROSINI et al., 2007).

Já em 2004, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação publicaram o Referencial Curricular para Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde, possibilitando a sua formação em nível técnico, estruturado com uma carga horária mínima de 1.200 horas, conforme Resolução CNE/CEB nº 04/99, podendo haver aproveitamento de estudos. Destacamos desse Referencial o reconhecimento e a valorização do trabalho enquanto espaço formativo, constituindo-se um itinerário para sua profissionalização (BRASIL, 2004b).

Contudo, a desprecarização do trabalho dos ACS continua sendo discutida, porém com avanços, como a Lei n. 11.350 (BRASIL, 2006c), que estabelece que estes sejam contratados pelos municípios com vínculo CLT, sem a intermediação de organizações sociais como vinha acontecendo. Embora essa lei tenha sido um avanço para o trabalho dos ACS, Morosini et al. (2007) alertam que seu texto abre brechas para que a sua formação não atenda às propostas do

21

Para mais detalhes ver: SILVA, J.A.; DALMASO, A.S.W. Agente comunitário de saúde: o ser, o saber, o fazer. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2002.

Referencial Curricular acima citado, dando margem, ainda, a uma qualificação básica e de baixo nível, o que se constitui em motivo para novos debates.

A maioria das ACS, que participou do estudo, passou por um treinamento rápido, cujo conteúdo versava sobre o seu trabalho e as formas de abordagem da comunidade; uma vez que o trabalho inicial era o cadastramento das famílias, visando conhecer o perfil demográfico e epidemiológico dos moradores da área de abrangência de cada Centro de Saúde. Para as ACS contratadas no ano de 2000 não foi exigida a conclusão do ensino médio, somente uma prova de seleção com noções básicas de português e matemática, como mostram as falas abaixo:

Para a contratação do ACS a orientação do MS era que precisava saber ler, escrever e contar (...) Aqui a PBH adaptou pra nossa realidade, aqui ele teve uma prova escrita de português e matemática, uma seleção por dinâmicas de grupo e só. (E Mara)

Fiz a prova, a coisa mais ridícula, porque tinha uma historinha e depois perguntas óbvias, pra ver se a gente sabia mesmo ler. (ACS Vilma)

Esse treinamento foi desenvolvido no próprio Centro de Saúde pela enfermeira responsável pelo PACS:

Entrei na 1a turma, em Ago/2000. Logo de início teve os treinamentos, sobre ética, sobre o cadastro (...) Quem começou aqui no início, ninguém sabia o que era pra fazer, nem tinha isso como profissão (...) De início fomos treinados pra cadastrar, só ouvia sobre cadastramento. A enfermeira nos reunia, a gente entregava tudo e toda dúvida do cadastro era com ela que a gente discutia. (ACS Vilma)

Tudo que aprendi foi com as orientações da enfermeira e com os colegas. A Mara quem me ensinou sobre ética, a abordagem nas visitas, cada vez que ia pra visita ela via o caso e me orientava. (ACS Berta)

Contudo, constatamos que esse treinamento não atendeu às necessidades das trabalhadoras, pois focado nos meios de abordagem da comunidade, não trazia nenhum conteúdo específico da área de saúde, sobre o qual as ACS são freqüentemente solicitadas. Desse modo, várias ACS não consideraram

o ‘treinamento introdutório’ como uma capacitação e relataram não terem tido nenhum tipo de treinamento do qual algumas, até hoje, sentem a falta:

Treinamento, não tivemos nada, nada, posso garantir porque fui das primeiras a entrar, só aquele teatrinho. E até hoje sinto a falta... (ACS Vilma)

Algumas ACS que foram admitidas depois de 2000, já substituindo as que deixaram o Programa, aprenderam as atividades por meio das colegas:

Entrei depois delas e aprendi o trabalho com outra ACS, não tive curso, nada. Fiquei o 1o mês junto com a colega, aí fui pegando como falar, como preencher a ficha. (ACS Taís)

Vale lembrar que, segundo as orientações do Ministério da Saúde, a recomendação era de que a capacitação dos ACS fosse realizada pelos integrantes da ESF, num processo de educação permanente, durante o trabalho. Nesse sentido, diante das instabilidades do novo processo de trabalho e, mesmo das inseguranças dos profissionais com a implantação do PSF, tornava quase impossível o desenvolvimento de qualquer proposta desse gênero. O aprendizado foi ocorrendo na prática diária do trabalho, como veremos adiante.

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