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O TRABALHO E OS SABERES DO TRABALHO

1.2 A reestruturação produtiva, os saberes do trabalhador e o campo da saúde

1.2.3 A reestruturação produtiva e o campo da saúde

O setor saúde, como segmento produtivo inserido no contexto do desenvolvimento capitalista da sociedade, vive processos similares aos outros setores de produção, no contexto macroeconômico. O trabalho em saúde não pertence à esfera da produção material, mas ao setor de serviços e também sofre as alterações advindas da reestruturação do capital, que tem como um dos pilares o desenvolvimento tecnológico influenciando a dinâmica da oferta e produção da saúde (PIRES, 1998).

A assistência à saúde no Brasil, por muito tempo, priorizou as ações curativas, individuais e hospitalares, em detrimento das ações epidemiológicas, coletivas e de saúde pública. Conforme Pires (1998), a partir da década de setenta, verifica-se um período de mercantilização da saúde que atendeu a interesses privados por intermédio do Estado. A grande oferta de inovações apresentada nas áreas diagnósticas e terapêuticas estimulou o crescimento do capital no setor e na economia de modo geral.

Segundo Franco e Merhy (2004, p. 65), o avanço tecnológico da indústria de equipamentos biomédicos e de medicamentos determinou novas condutas, bem como incrementou o mercado mantendo a dinâmica de acumulação de capital. “O processo de produção de saúde está, portanto, incorporado ao desenvolvimento do capital e por conseqüência atende à geração e à acumulação de riquezas.”

A assistência voltada para ações curativas levou a uma fragmentação do ato clínico em práticas especializadas e a uma sobreposição do individual sobre o coletivo. Desse modo, enfatizou os insumos tecnológicos de alto custo, com baixa resolutividade, que caracterizam o modelo médico hegemônico privativista. Neste modelo

o principal compromisso do ato de assistir à saúde é com a produção de procedimentos (...) A assistência à saúde se confunde com a extraordinária produção de consultas e exames, e crescente medicalização da sociedade (...) Estas ações, custosas por natureza, foram substituindo ao longo do tempo as ações relacionais (FRANCO; MERHY, 2004, p. 73).

Esses avanços, ao mesmo tempo em que incrementaram o modelo tecnoassistencial hegemônico de característica hospitalocêntrica, aumentaram, em muito, os custos dos serviços, agravando a crise do setor saúde.

Denise Pires (1998, 1999, 2000) em seus estudos sobre o trabalho em saúde e suas transformações, aponta a introdução e o uso cada vez mais crescente da tecnologia, como uma das características mais marcantes da reestruturação produtiva no setor.

A autora assinala que, contrariamente ao observado nas outras áreas onde os avanços tecnológicos culminaram com o aumento do índice de desemprego, no campo da saúde, houve um acréscimo de postos de trabalho. A ampliação da utilização de equipamentos de alta tecnologia não prescindiu do trabalho humano de investigação, avaliação e controle terapêutico, uma vez que se trabalha com seres humanos que devem ser tratados como individualidades. Além disso, parte dessa tecnologia deu origem a novos tipos de exames diagnósticos em locais apropriados, abrindo novos campos de trabalho, exigindo a utilização cada vez maior de trabalhadores mais qualificados (PIRES, 2000).

Pires (2000) destaca, também, a significativa expansão da informática, com a diminuição dos tempos no cumprimento das tarefas, além da facilitação na organização e manipulação dos dados dos serviços e dados epidemiológicos. A informatização gerou a necessidade de pessoal qualificado para essa atividade.

Quanto à terceirização de serviços, a autora mostra que essa vem se expandindo em todos os setores, visando à diminuição dos custos com os trabalhadores e impedindo as pressões corporativas. Na área da saúde, essa prática teve início nos hospitais com a contratação de pessoal para realizar tarefas de limpeza, segurança e alimentação. Contudo, é um movimento crescente e hoje atinge profissionais de todos os níveis, incluindo os médicos, que vão se incorporando ao setor público de saúde ‘vendendo’ serviço por meio das cooperativas médicas. Assim, vão se perdendo o vínculo institucional de assalariamento, o sentido de equipe de saúde e a referência com o próprio usuário (PIRES, 1998).

A contratação de trabalhadores cooperados e conveniados tem se ampliado para os trabalhadores de enfermagem nas instituições privadas, o que

permite uma redução de servidores com vínculos empregatícios, resultando em uma subproletarização do trabalho no setor saúde presente nas formas de trabalho precário, parcial, temporário e/ou terceirizado. Conforme Antunes (1995, p. 44) esses trabalhadores “têm em comum a precariedade do emprego e da remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho em relação às normas legais vigentes ou acordadas e a conseqüente regressão dos direitos sociais.” Além disso, o descompromisso das empresas para com o trabalhador vai comprometer a relação deste com a instituição e, conseqüentemente, com o seu trabalho. Nessa modalidade, destaca-se o trabalho realizado pelas prestadoras do tipo Home Care, responsáveis por diferentes contratos de assistência domiciliar à saúde, tais como: serviços médicos, de enfermagem, além de aluguel de equipamentos.

Outro mecanismo da terceirização refere-se a um tipo de organização cooperativa sob a forma de ‘rede’, semelhante às encontradas nas empresas da produção material e visível nos hospitais privados considerados de ponta, dos centros urbanos (PIRES, 2000). Podem-se citar como exemplo, as redes de serviços como os de Neonatologia e os de Terapia Intensiva, que oferecem aos hospitais tecnologia e trabalhadores altamente especializados, gerando lucro sobre a assistência prestada.

Também na Atenção Básica observa-se um aumento da terceirização de serviços. Atualmente, o quadro de pessoal dos serviços gerais (limpeza, portaria, motoristas, etc.) em sua maioria, é fruto de contratação terceirizada; caso a parte é o do Agente Comunitário de Saúde (ACS) que será discutido adiante.

Para Santos-Filho (2007, p. 76), acontece uma crescente precarização no que se refere às condições de emprego e de trabalho na área da saúde, com repercussões na qualidade de vida e de saúde dos trabalhadores. A expansão do PSF tem contribuído para o aumento das insatisfações e reivindicações das equipes. O autor discute estudo do Ministério da Saúde, cujo resultado aponta que, em até “80% de situações, os trabalhadores não são cobertos por direitos básicos, em decorrência da flexibilização nas relações trabalhistas”. A precariedade vai desde a não formalização de vínculos até as relações e condições de trabalho, o que gera conflitos de diferentes ordens.

Merhy e Franco (2003) apresentam a saúde suplementar também como resultado da reestruturação do capital no setor. A rede de convênios médicos tem reestruturado sua produção objetivando diminuir os custos com a assistência por meio das autorizações que controlam os procedimentos que oneram o serviço ou fogem à norma estabelecida e, ao mesmo tempo, aumentando por meio de diferentes estratégias, os custos pagos pelos consumidores.

Os reflexos dessa reestruturação mostram-se, ainda, nas diversas e contraditórias transformações no processo de trabalho em saúde. Se há precarização dos contratos de trabalho, há também propostas de um trabalho em equipe, com diminuição dos níveis hierárquicos e estabelecimento de relações mais horizontais e informais, participação do trabalhador em múltiplas atividades e uma valorização da sua qualificação e saberes (CAMPOS, 1997).

Surgem, assim, propostas de mudança no modo de produzir saúde que apostam nos trabalhos coletivos articulados, interdisciplinares, mais lineares, nas quais o trabalhador passa a ser um sujeito ativo da produção, capaz de decidir individual e coletivamente, de maneira que cada um possa contribuir para uma atenção mais integral ao usuário. Essas propostas propiciam uma inserção na esfera da subjetividade do trabalhador, o que nos leva a buscar fundamentação para a temática da subjetividade no trabalho em saúde.

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